Nas últimas semanas, uma mensagem começou a circular na internet afirmando que o homem com a maior fortuna do País, o carioca Jorge Paulo Lemann, seria o financiador do movimento Vem Pra Rua, um dos principais organizadores dos protestos antigoverno previstos para o domingo 15. De procedência tão duvidosa quanto grande parte das mensagens políticas repassadas na internet, a informação proliferou. Acabou sendo publicada até no site do Partido dos Trabalhadores, na terça-feira 10. A informação não chamou a atenção apenas pela mensagem, mas também pelo protagonista do episódio.

Com a 25ª posição no ranking de bilionários feito pela agência de notícias Bloomberg, e com uma fortuna estimada em US$ 26,8 bilhões, construída sobre um império de grandes empresas de consumo como AB InBev, Burger King e Heinz, o empresário sempre assumiu uma postura discreta. Avesso aos holofotes, raramente concede entrevistas. Evita se envolver em questões políticas, a não ser para defender os projetos de educação e criação de líderes desenvolvidos por sua Fundação Estudar. Com esse perfil, Lemann seria um aliado de peso para qualquer movimento social. Não é o caso, desta vez. Lemann acabou sendo envolvido, aparentemente de forma acidental, na história.

O primeiro site do movimento Vem Pra Rua teve o seu domínio (o registro de internet) feito em nome da Fundação. O fato se espalhou pela internet. Num primeiro momento, Lemann e a fundação se disseram surpresos por terem seus nomes associados aos grupos organizadores dos movimentos populares. Procurada pela DINHEIRO, a fundação informou que tudo não passou de um mal- entendido. A alegação é que o diretor e executivo responsável pela parte tecnológica da fundação, Fábio Tran, teria recebido o pedido de um amigo, envolvido no Vem Pra Rua, para ajudá-lo a criar o domínio de internet. Tran, então, fez, ingenuamente, o registro utilizando o CNPJ da fundação e sem comunicar outras pessoas.

Segundo a assessoria de comunicação da Fundação, Tran nem mesmo faz parte do movimento. Logo que Lemann descobriu o caso, em dezembro, pediu para que o domínio fosse imediatamente descontinuado. Tran colocou o seu cargo à disposição e está se desligando da operação neste mês. O jovem executivo deve se mudar para Londres e continuar a sua carreira de empreendedor da internet. Tran já criou duas empresas que receberam investimento inicial da incubadora alemã Rocket Internet, do bilionário Oliver Samwer. A primeira, a loja comércio eletrônico de moda, arte e design Airu. A outra, o site de anúncios de quartos e casas para turistas Wimdu.

Outra ligação indireta entre o movimento Vem Pra Rua e a Fundação Estudar envolve o executivo Colin Butterfield, que, além de presidente da Cosan Alimentos e um dos fundadores do site Decolar.com, já foi bolsista e consultor voluntário da Estudar. Ele é um dos mentores do Vem Pra Rua, ao lado de Rogério Chequer, sócio da agência Soap. Já a Fundação, por meio de comunicado, informou que “ressalta seu caráter apolítico e apartidário e a sua missão de desenvolver jovens talentos.” Depois do caso, o seu estatuto, que já pedia o apartidarismo de seus representantes, passou a exigir que qualquer mudança do site da instituição passe pela presidência do Conselho de Administração.

Não é nenhum crime protestar ou defender uma bandeira. Nem as empresas devem exigir que seus subordinados evitem demonstrar postura política em suas vidas pessoais. O problema é quando isso contamina a imagem da organização. Na internet, costuma ser mais fácil criar um boato do que desmenti-lo. “Quando uma coisa cai na rede, não tem mais volta”, diz Eduardo Tomiya, diretor geral da consultoria de marcas MB Vermeer. “E, no caso de uma fundação, que depende de doações, a marca deve ser tratada como a de uma empresa de luxo.” Segundo o especialista, para evitar problemas similares, as empresas precisam ter um estatuto bem definido, que exige posições apartidárias em tudo que envolve o nome da companhia e com protocolos claros para os funcionários.

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“Lemann e Buffett vão fechar muitos negócios ainda”

Por Luiz Gustavo PACETE

E m sua carta anual, o megainvestidor americano Warren Buffett demonstrou publicamente sua admiração pelo empresário brasileiro Jorge Paulo Lemann. “Dois anos atrás, meu amigo Lemann pediu que a Berkshire se juntasse à 3G Capital na aquisição da Heinz. “Não tive nem de pensar para dizer sim: eu sabia imediatamente que aquela parceria funcionaria bem tanto do ponto de vista pessoal quanto financeiro.” O apreço de Buffett pelo homem mais rico do Brasil é o que o pesquisador americano Bruce Busta, Ph.D pela Universidade de Nebraska e professor do IE Business School’s, que analisa as estratégias de Buffett há 25 anos, chama de “senso de confiança de Buffett”. “Não é simples fazer negócio com um dos maiores investidores do mundo, porém, uma vez conquistada sua confiança, a parceria se torna duradoura.” Em entrevista à DINHEIRO, Busta fala sobre as relações entre Buffett e Lemann e sobre o estilo de fazer negócios do megainvestidor, que prepara a sua sucessão.

Qual a simbologia na parceria entre Buffett e Lemann?
Ela é importante em dois aspectos. Em primeiro lugar, no que se refere ao lado pessoal, Buffett gosta e confia nas pessoas que trabalham com Lemann. Isso é significativo. Como o próprio Buffett já disse muitas vezes, ele só fecha negócios com as pessoas em quem confia e admira.

O que mais é relevante?
Os prognósticos são excelentes. A Berkshire e a 3G Capital devem ser grandes parceiras no futuro, principalmente, em operações de fusões e aquisições.

Quem o sr. acredita que deva ser o sucessor de Buffett?
Com base na carta aos acionistas de Buffett, publicada em 28 de fevereiro, o melhor palpite seria Ajit Jain ou Greg Abel. Ambos possuem grande experiência na Berkshire Hathaway.

Um deles deverá assumir todas as atividades?
Acredito que não. A posição de CEO, que administra as empresas operacionais, será preenchida por qualquer um desses dois, enquanto a carteira de investimentos será gerida por Todd Combs ou Ted Weschler.

Por que Buffet é tão reticente com essa questão?
Ele quer que seus funcionários se concentrem nas operações atuais e não nas especulações sobre seu futuro. Isso evita que seus profissionais se dispersem e percam o foco no que realmente importa. Para Buffett, se as pessoas acreditam em seu potencial para investir, também devem acreditar em sua capacidade para escolher um bom sucessor.

O que Buffett tem que outros investidores não têm?
Ele não se distrai com as especulações do mercado. Tem uma visão de longo prazo sobre a economia e toma suas decisões baseadas nessas análises. Para montar a sua carteira de ações, ele espera por um repentino e irracional processo de desvalorização de alguma empresa. Quando isso finalmente acontece, analisa os fundamentos dessa companhia e, se eles estiverem sólidos, ele decide comprar os papéis. Ele tem calma para esperar o mercado voltar a subir para vender as ações por um valor considerável.

Que lição outros investidores podem aprender com Buffett?
A ter paciência. Buffett não se sente obrigado a comprar ações de uma empresa nova a cada ano. Ele espera para ter boas oportunidades. É paciente e disciplinado o suficiente para isso.

Qual é o papel de Buffett na economia americana?
Ele ajuda a economia americana a funcionar sem problemas, investindo em empresas que são eficientes e contribuindo assim, para o bem-estar do país. Ele possui, em sua carteira de investimentos, empresas que são líderes em energia renovável, que representam 6% da capacidade de geração de energia eólica do país e 14% da capacidade de geração de energia solar.

Buffett é considerado uma unanimidade no mercado. Há algum ponto negativo em sua atuação?
O aspecto negativo é que ele está ficando velho e não pode ser clonado (risos). Se há uma crítica a Buffett, é que ele investe em empresas que vão gerar um retorno positivo no longo prazo, mas não pesa fortemente o impacto social e ambiental.

E o aspecto positivo mais importante? 
Ele é um dos grandes defensores de reformas do mundo dos negócios, em assuntos como a remuneração e a responsabilização dos executivos, e também de uma maior transparência na divulgação de taxas cobradas por fundos de investimento.