23/12/2009 - 8:00
Muitos personagens notórios do mercado financeiro viraram torcedores comuns entre as 90 mil pessoas que foram ao Maracanã assistir ao jogo decisivo do Campeonato Brasileiro entre Flamengo e Grêmio, no começo de dezembro. Os flamenguistas Tarcisio Godoy, presidente da Brasilprev, e Alexandre Póvoa, sócio do Modal Asset Management, chegaram anônimos e saíram como ilustres campeões.
Entre os apaixonados pelo futebol rubro-negro estava Pipo, um jovem tímido de 37 anos, gestos comedidos e fala pausada. Torcedor fanático, ele deixou-se tomar pela emoção quando viu seu time erguer a taça pela sexta vez. O som ensurdecedor do “Hexacampeão!” teve um sabor especial para Pipo, como é conhecido Jorge Felipe Lemann, sócio da Flow Corretora e filho do lendário banqueiro de investimentos Jorge Paulo Lemann. O grito saiu como um desabafo.
Dias antes do embate histórico, Pipo fora surpreendido e colocado contra a parede em sua própria empresa, uma das maiores corretoras em atuação no mercado de derivativos da BM&FBovespa. Cinco sócios minoritários, que juntos detêm 11% da Flow Corretora, lhe deram um ultimato. Descontentes com os bônus propostos para este ano e insatisfeitos com a participação recebida na corretagem eletrônica, os sócios decidiram sair. Pior: exigiram receber à vista o valor correspondente às suas cotas na empresa. Havia pressa, insegurança e um certo mistério no ar. Em time que está perdendo – a Flow perdeu este ano o posto entre as três mais ativas na BM&F -, a cisão na equipe pode agravar ainda mais a situação. Numa tensa reunião com o grupo, Pipo e Rodolfo Fróes, sócio que atua como diretor de Relações com o Mercado, recusaram de imediato a proposta. Se fosse para sair, que levassem sua parte como a conquistaram: a prazo, propôs Pipo, segundo participantes da conversa ouvidos pela DINHEIRO. “Eu quero negociar, mas desde que seja em igualdade de condições”, argumentou. Como numa partida de futebol, a tensão cresceu diante do impasse. Palavrões foram ouvidos a distância.
Um dos sócios chegou a dar socos na mesa. Os cinco dissidentes pegaram seus pertences e deixaram pela última vez o nono andar do número 72 da rua Joaquim Floriano, em São Paulo. Levaram consigo uma equipe de 12 operadores, um quinto da mesa da Flow, rumo à concorrente Convenção, recém-vendida ao grupo inglês Tullett Prebon.
A briga expôs a má fase pela qual passa a corretora do jovem Lemann. Desde a união da BM&F e Bovespa, no primeiro semestre de 2008, a Flow Corretora entrou em uma curva descendente de sua participação no mercado futuro. Com a abertura e o aumento da competição, a Flow sentiu na pele seus altos volumes financeiros serem repartidos com outras corretoras, que foram ganhando posições no ranking mensal de compra e venda de contratos na bolsa. A corretora encerrou novembro em nono lugar, com R$ 160,9 milhões em contratos negociados, 4,65% de um total de R$ 3,46 bilhões. O modesto desempenho da Flow causaria reflexos negativos nos bônus anuais dos sócios. E esse descontentamento estava evidente nos humores exaltados que os profissionais começaram a demonstrar repetidamente no segundo semestre deste ano. Para aplacar essa ira, Pipo e Fróes desenharam uma estratégia para modificar a fórmula de remuneração da equipe. Muitos passariam a ser agentes autônomos e teriam o direito a uma gorda parcela da corretagem gerada. “Eles vão se preocupar com os custos e não correrão os riscos dos negócios”, disse Pipo em uma reunião privada. O plano que parecia perfeito ficou pela metade com uma surpreendente reviravolta.
Pipo Lemann (acima, na única foto que permite divulgar) é avesso a badalações e discreto como o pai, jorge paulo
A menos de dois quilômetros de distância dali, Daniel Lopez, Daniel Saraiva, Marcos Guerriere, Paulo Guilherme Felix, Thiago Albano e os 12 operadores que deixaram a Flow passaram a dar expediente na Convenção. A rapidez na recolocação parecia normal para um mercado em ascensão e carente de profissionais experientes. Mas um detalhe era intrigante. No segundo semestre de 2008, os ingleses da Tullet Prebon bateram na porta de Pipo interessados em comprar a Flow. Disposto a ouvir a proposta, Pipo forneceu um raio x completo do seu negócio. Neste material, havia os balanços com as contas da corretora, uma detalhada explicação sobre o funcionamento da sociedade e todas as informações sobre a operação e as oportunidades na bolsa brasileira. Os contatos entre eles esfriaram, mas quando a Tullet adquiriu a Convenção, por R$ 20 milhões, em outubro deste ano, os contatos com a equipe dissidente da Flow já tinham sido feitos e o acordo fora fechado com um ambicioso plano de remuneração.
O que se comenta nos bastidores do mercado financeiro é que a pressa para vender a participação na Flow foi exagerada. Tudo poderia ter sido resolvido de forma amena, pacata e sem barulho, como é da personalidade de Pipo, dizem pessoas próximas a ele. Porém, a relação entre os profissionais, que já vinha se esgarçando durante o ano foi arrebentada. E é provável que os acertos de contas sejam feitos pelos advogados. Pessoas próximas a Pipo disseram que ele aguarda um contato para negociar a recompra dos 11% de sua corretora. A quem pergunta sobre o seu sentimento com o desenrolar da história, ele se mostra indiferente. Não está nem decepcionado nem surpreso. Ele até poderia usar o próprio exemplo para responder à questão. Antes de fazer seu voo solo, Pipo foi sócio da Link Corretora, dos filhos do economista e exministro Luiz Carlos Mendonça de Barros. Acertou sua saída e criou a Flow.
Pipo é tão avesso às aparições públicas quanto o pai. Ele é descrito como um sujeito pacato e extremamente concentrado, que age rápido para fechar um contrato, mas pensa um milhão de vezes antes de soltar uma palavra. Diariamente, Pipo chega à corretora uma hora antes da abertura do pregão e encerra seu dia após estudar a movimentação do mercado. Em 2009, incluiu em seu roteiro um número maior de viagens internacionais para conhecer as tendências das bolsas mundiais.
E é justamente o caminho da negociação eletrônica que mais o decepciona. Seu grande combustível diário era ficar ao telefone com um operador no pregão viva-voz. Era isso que mantinha a adrenalina de Pipo a mil por hora. Atualmente, os operadores de pregão foram extintos e as corretoras estão silenciosas e formais. Ele mesmo tem se dedicado mais à função executiva.
A comparação entre pai e filho é inevitável. Jorge Paulo é considerado um brilhante gestor de equipes e costuma dizer que só chegou aonde chegou porque soube se cercar de pessoas mais capacitadas do que ele. No lendário Banco Garantia e, depois, na AmBev e em outros negócios, disseminou a cultura da meritocracia, incentivando a competição, às vezes exagerada, entre profissionais que ganhavam participação societária para continuarem motivados e produtivos. Foi justamente na área em que seu pai é professor que começaram os problemas de Pipo na Flow. Seu plano é virar o jogo em 2010, com a entrada no mercado de ações da Bovespa. A autorização da bolsa já está em sua mesa. Mas, antes de comemorar e repetir o grito de “É campeão” nos seus negócios, Pipo terá que suar a camisa e mostrar que o conflito era uma simples discussão de vestiário. E que a equipe continua unida.