31/03/2015 - 18:00
Durante quatro anos, o carioca Renato Villela foi um dos assessores mais próximos do economista mais vigiado hoje no País: Joaquim Levy. Ele ajudou o atual ministro da Fazenda a reestruturar as finanças do Rio de Janeiro na gestão Levy na pasta estadual (2007-2010). Por isso, não hesita em reafirmar a capacidade do ex-chefe em conduzir o ajuste nas contas do governo federal. A avaliação, porém, vem seguida de um alerta. Para vencer as resistências, Levy deve adotar uma postura mais dura. “Ele precisa de uma pá, um martelo”. Villela sabe o tamanho do desafio. Formado na PUC-Rio, com passagens por FMI e Tesouro Nacional, o economista é hoje o responsável por garantir uma redução de 10% nos gastos do Estado de São Paulo, para fazer frente à queda na arrecadação. Em entrevista à DINHEIRO, o novo titular da Fazenda paulista classifica as empresas de “viciadas” em incentivos e ressalta a importância da reforma tributária para o País.
DINHEIRO – Qual a diferença do trabalho no Rio e em São Paulo?
RENATO VILLELA – A principal é que, quando começamos no Rio, a Secretaria estava muito desestruturada. Tivemos de fazer um trabalho de montagem da estrutura. Aqui em São Paulo, foi o contrário. A Secretaria é muito estruturada, com pessoas de alto calibre técnico. A agenda é pesada, principalmente por conta da crise. No bimestre, a arrecadação teve uma queda real de 5% na receita de ICMS.
DINHEIRO – O governador Geraldo Alckmin anunciou cortes, mas falou em preservar investimento. Vai ser possível?
VILLELA – A orientação era cortar 10% dos gastos. Não é chegar e falar para todo mundo cortar do que for. Vamos pegar cada órgão e esperar para que nos indiquem onde será feito. Eles serão concentrados em custeio. Algum investimento talvez tenha de ser cortado, ainda estamos verificando.
DINHEIRO – A redução de 15% em pessoal afeta quantos servidores?
VILLELa – Não se sabe, porque não é cortar 15% dos cargos. É dos custos. Pode cortar 10 pessoas que ganham R$ 1.000 ou uma que ganha R$ 10 mil. O gestor vai ter o discernimento do que é mais importante. Só que tem de fazer. Se não fizer, a gente faz.
DINHEIRO – O senhor espera resistência? Vimos outros Estados sofrendo com isso.
VILLELA – A resistência vai ocorrer sempre. Mas o fato de fazer o ajuste de forma inteligente minimiza. Ao montar um procedimento que respeita as prioridades setoriais e que ouve secretários, nós estamos tendo menos resistência do que o normal. Desde o governo Mário Covas, São Paulo tem uma postura fiscal muito responsável. Dentro da cabeça dos administradores daqui existe a questão de respeitar restrições fiscais. Os nossos cortes não são nada absurdos. O problema decorre única e exclusivamente da crise. Nos outros Estados, há um problema estrutural, de aumento excessivo de gasto de custeio, de gasto com pessoal, de extrema dependência de recursos do FPE (Fundo de Participação dos Estados).
DINHEIRO – Qual a previsão que o senhor tinha para o PIB no início do ano. Mudou?
VILLELA – Eu trabalho, até por uma questão de que são os melhores números, com o Boletim Focus. O Orçamento, quando foi aprovado, tinha implícito um crescimento de 1,5%. No início do ano, quando calibramos o contingenciamento, já se tinha uma previsão de queda no PIB. Fizemos o corte porque vimos que a receita de ICMS ia continuar caindo.
DINHEIRO – Em 2014, houve uma ampliação de déficits estaduais. Houve excessos?
VILLELA – À medida em que teve redução da receita do Imposto de Renda e do IPI, por conta da recessão e de uma série de desonerações, os Estados foram diretamente afetados. O governo federal tomou uma decisão de política anticíclica, mas esqueceu que estava piorando o ciclo dos governos estaduais. Continuou induzindo os Estados a se endividarem como uma medida de desafogo. É um contrassenso. Os Estados tendo queda nas receitas correntes e o que o governo federal traz como compensação é um empréstimo, que você tem de jogar em despesa de capital. Isso não deixou os Estados com muita margem de manobra para lidar com a crise. Tiveram de postergar investimentos, atrasar pagamentos…
DINHEIRO – O processo de recomposição das finanças estaduais vai demorar mais que o ajuste do governo federal?
VILLELA – Acho que não. As medidas de recuperação da receita tributária vão se reverter em maior repasse do Fundo de Participação aos Estados menores. Isso vai afetar de maneira muito positiva os Estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde, na maioria dos casos, mais da metade da receita vem do FPE. No Sul e no Sudeste, não. Os Estados vão ter de fazer o dever de casa.
DINHEIRO – Em janeiro, os Estados deram uma contribuição histórica ao superávit do setor público. Essa tendência deve continuar?
VILLELA – Sim, pois quando o Estado contrata uma dívida, 100% dela se transforma em déficit primário. O Ministério da Fazenda já anunciou uma redução do endividamento dos Estados. Haverá um efeito duplo: a recuperação do IR e do IPI afetando positivamente os Estados do Norte e do Nordeste, e o controle do endividamento que vai, por definição, reduzir os gastos primários. A gente brinca que é primário na veia.
DINHEIRO – O governo federal não deve se preocupar, então, com a contrapartida dos Estados na meta de superávit primário?
VILLELA – Ajuste fiscal é uma preocupação permanente. Uma coisa é tomar a medida, outra é diligenciar para que tenha efeito. Alguns Estados vão fazer isso automaticamente. Outros, até por conta da crise em que estão, têm de ser monitorados, ajudados.
DINHEIRO – A meta de superávit primário de 1,2% do PIB é viável?
VILLELA – Acho que sim. Só que vai ser muito duro conseguir. É aquele tipo de coisa que o Brasil vai ter de fazer, se não o país não se acerta. As circunstâncias políticas estão dificultando o trabalho. A maior parte da tendência à resistência decorre de fatos completamente fora das questões econômica e fiscal.
DINHEIRO – Há outras alternativas para se alcançar esse número?
VILLELA – Não. As pessoas costumam confundir: isso não é ciência econômica, é contabilidade. Se você quer a sustentabilidade do País, ter investment grade (selo de bom pagador) e continuar forte na atração de investimentos, tem de mostrar que é sustentável no longo prazo. Não tem aquela história de que banco só dá empréstimo para quem não precisa? É isso. Investidor só bota dinheiro onde vê possibilidade de receber retorno. Não é num país com déficit fiscal grande, desestruturado e em constante indecisão na tomada de políticas que as pessoas vão fazer investimentos. O Brasil fez uma opção – que acho que vai ter de mudar, mas isso é longo prazo – por um Estado com gasto alto. Tem um conjunto muito grande de políticas públicas que são caras. Ora, se você tomou essa opção, automaticamente optou por uma carga tributária elevada. Temos de conviver com isso. Então, temos de aumentar a arrecadação, buscar conter gastos para ter uma trajetória de dívida sustentável.
DINHEIRO – Qual é o espaço para cortes de custeio? Daria para chegar em 1,2% de superávit só com corte?
VILLELA – Claro que pode cortar 1,2% do PIB, mas geraria uma paralisação das atividades. Para fazer isso, em um ano, é quase impossível. Teria de distribuir no tempo. No Brasil de 2015, tem de ser um mix. O Ministério da Fazenda já indicou que preferia concentrar em corte de gasto, mas estamos vendo algumas resistências. Então, vai ter de recair em aumento de impostos.
DINHEIRO – Há quem aponte falhas na comunicação. Qual é a sua avaliação?
VILLELA – Não estão comunicando pior do que em outras épocas. O que acontece é que há uma resistência maior de qualquer coisa que venha do governo. A população está mais intolerante.
DINHEIRO – O clima de mobilização é um fator de resistência maior?
VILLELA – Sim. E isso contamina o Legislativo, que tem de estar, por dever de ofício, conectado com a voz da rua. O trabalho de todo mundo ficou mais difícil. O Joaquim Levy é um excelente economista. Tem formação das melhores, sabe da importância dos investimentos, tem ideias muito claras. A questão é que essas ferramentas não servem para a dificuldade que ele está enfrentando. Esse problema requer ferramentas mais grosseiras. Ele precisa usar uma pá, um martelo. Espero que lá na frente ele só precise de um lazerzinho, de um bisturi.
DINHEIRO – Nesse contexto, há espaço para falar em reforma de ICMS?
VILLELA – O espaço está pequeno. Mas é uma questão fundamental. Se conseguirmos acabar com a guerra fiscal, tiramos um peso muito grande da economia. Talvez seja o fato econômico mais importante que pode ser gerado em 2015 sobre o clima de negócios sem custo fiscal. Vinte e um Estados assinaram o convênio lá atrás, só seis ficaram de fora. E, em pelo menos cinco, são questões pontuais.
DINHEIRO – A deterioração das contas estaduais não atrapalha? Não pode haver agora alguns mais sedentos por receita?
VILLELA – Que receita? Quem faz guerra fiscal tem uma ideia errada de que aumenta receita. É um caminho sem volta. Na hora que se começa a dar incentivo fiscal para atrair uma empresa, uma outra só vem ao Estado se igualarmos ao que a anterior recebeu e aí, às vezes, falam que outro Estado está dando algo mais. Você dá e precisa estender à que se estabeleceu antes também. É a famosa corrida ao fundo do poço.
DINHEIRO – Alguns Estados argumentam que é o único instrumento de política de desenvolvimento regional que tem à mão.
VILLELA – É verdade. Por isso que é difícil solucionar, todo mundo tem razão. O problema não é nem atrair empresas, o problema é aquelas que estão lá, já viciadas no crack.
DINHEIRO – Governadores falam em fragilização do pacto federativo. O Estado perdeu autonomia?
VILLELA – O que vimos nos últimos dez anos foi uma relação direta do governo federal com os municípios, o que criou um problema de coordenação muito grande. Os Estados têm uma política que faz sentido com a sua área. O governo federal não tem condições de entender as diversidades intrarregionais. O Estado pode dizer assim: o município aqui não está preparado para construir essa creche ou não precisa dela. O governo federal não tem essa visão. Pulverizar recursos é jogar dinheiro fora. O governo federal tem de reconhecer que o Estado é um ator importante.