17/04/2002 - 7:00
Às 8 horas da manhã da
segunda-feira, 1º de abril, o céu ensolarado de Curitiba, Paraná, pareceu cair sobre a cabeça do executivo Newton Galvão, diretor da Kraft Foods. Pelo telefone, um gerente da empresa lhe informou que no dia anterior, domingo de Páscoa, Leandro Ledo Santos, um garoto de sete anos, fora ferido no olho por um brinquedo distribuído dentro de um ovo de chocolate da marca Trakinas, pertencente à Kraft. As informações eram desencontradas. Alguns relatos falavam em cegueira total da criança. Outras diziam que, depois do acidente, o menino ainda
caíra de uma escada. Galvão não esperou pelo fim do vaivém nos informes e partiu imediatamente para o QG da companhia. ?Não havia como escapar de sentir uma certa vacilação nas decisões tomadas?, diz ele. ?Havia a saúde de uma criança em jogo e isso exigia rapidez no trato da questão.?
Os chefões da Kraft brasileira sabiam que o brinquedo não era de sua fabricação, mas estava abrigado sob o guarda-chuva de um produto assinado com duas de suas mais preciosas marcas, Trakinas e Lacta. A imagem da Kraft, um gigante do setor alimentício com receitas anuais de US$ 34 bilhões, estava profundamente arranhada. Situações desse tipo são traumáticas para qualquer empresa. Mal administradas podem ser fatais. ?Em geral, as marcas são fortes o suficiente para suportar momentos de pressão?, afirma Eduardo Tomiya, diretor da filial brasileira da Interbrand, uma das maiores firmas de gestão de marcas do mundo. ?Mas as ações devem ser rápidas e certeiras.?
A partir daquele momento, o que se viu na Kraft foi uma lição de como uma crise pode ser administrada para evitar as fissuras que acidentes como esse provocam. Galvão reuniu imediatamente o Grupo para Situações Especiais. Formado por executivos de diversas áreas, como recursos humanos, jurídica e comunicação, esse time reúne-se justamente para tratar de casos críticos. Várias frentes foram abertas. ?As primeiras 12 horas são fundamentais?, adverte Ramiro Prudêncio, presidente da Burson Masteller, agência de relações públicas e especializado em gestão de crise. ?Nesse período, a empresa deve dar as primeiras satisfações à vítima, às entidades regulatórias e aos funcionários.?
Por isso, a primeira ação foi colocar o representante comercial da empresa em Marília, onde Leandro mora, na cola da família. ?Sua função era dar todo o apoio. Uma das providências foi transferir o menino do SUS para um apartamento particular?, afirma Galvão. ?Nesses momentos, é necessário lançar mão de todos os recursos disponíveis.? Isso explica por que até mesmo a mãe de Galvão tenha entrado na roda. Moradora de um edifício habitado por diversos médicos da Escola Paulista de Medicina, em São Paulo, ela foi encarregada pelo filho de localizar um dos professores, considerado um dos maiores oftalmologistas do País. Coube a ele indicar um especialista de sua confiança em Marília para atender Leandro. O médico da Kraft foi deslocado para lá para acompanhar o caso. Ao lado do representante comercial, ele transformou o quarto de um hotel em posto avançado da empresa na cidade. A eles se uniu uma profissional de relações públicas encarregada de atendimento à imprensa e de elaboração de boletins diários sobre o estado de Leandro. As informações divulgadas tinham de ser precisas. ?A opinião pública aceita e entende que uma empresa se envolva em um acidente, mas não perdoa erros e mentiras nos momentos seguintes?, diz Prudêncio. ?Essa etapa pode ser mais perigosa do que o próprio acidente.?
Sem seqüelas. De segunda a sexta-feira, cinco comunicados
foram distribuídos à imprensa. Neles, notava-se a recuperação de Leandro. Operado em 1º de abril, ele recebeu alta dois dias depois.
A visão do olho atingido será, segundo os comunicados da Kraft, inteiramente recuperada e não haverá seqüelas. Enquanto
Leandro se recuperava, as demais equipes formadas na Kraft
saíam a campo. Os mais de três mil vendedores da empresa foram convocados para recolher os ovos de Páscoa que ainda se encontrassem nas dezenas de milhares de pontos de venda no comércio. Outro grupo dedicou-se a informar os funcionários das 13 fábricas sobre o acidente, utilizando um sistema interno chamado de Campeões de Comunicação.
Ao mesmo tempo, preparava-se aquela que foi a mais visível ação em relação ao acidente. Na sexta-feira 5, um comunicado da empresa foi ao ar nas principais redes de rádio e tevê e nos grandes jornais do País solicitando que quem tivesse comprado os ovos Trakinas entrassem em contato com a empresa. Só a inserção do anúncio no Jornal Nacional custou R$ 400 mil ? no total, a operação de emergência deve consumir R$ 2 milhões. Ao mesmo tempo, 50 atendentes foram treinados a toque de caixa para reforçar o serviço de atendimento ao consumidor. Só no sábado 6, o telefone tocou oito mil vezes. A Kraft vai de casa em casa trocar os brinquedos. Um galpão foi alugado em Curitiba para abrigá-los. Quando o recolhimento estiver concluído, Galvão vai supervisionar pessoalmente sua destruição. Além de cumprir um procedimento estabelecido pela matriz para esses casos, o evento terá um caráter simbólico ? uma ameaça a uma das marcas mais valorizadas do mundo estará desaparecendo.
Êxito ou massacre |
A boa gestão de uma crise pode determinar o futuro de um produto no mercado. Anos atrás, Johnson & Johnson retirou 32 milhões de frascos do analgésico Tylenol do mercado depois de sete pessoas morrerem em Chicago ao consumirem o medicamento. As embalagens haviam sido violadas por um psicopata que envenenou o conteúdo. A perda de receitas bateu em US$ 400 milhões nos quatro meses em que o remédio ficou fora das prateleiras. Depois, com uma nova (e mais segura) embalagem, voltou às farmácias e recuperou o antigo prestígio. ?A agilidade e a determinação foram fundamentais para preservar a marca?, diz Ramiro Prudêncio, presidente da Burson Masteller. Não foi o caso da Exxon, quando um acidente com um de seus navios, o Valdez, provocou um derramamento de óleo na costa do Alasca. A empresa conseguiu conter o espalhamento do produto por uma área maior, mas deixou de lado a comunicação com o público. Quando convocou a primeira entrevista coletiva para explicar o caso, ambientalistas e os pescadores do local já haviam promovido encontros com a imprensa. Assim, os executivos da Exxon já se apresentaram diante dos jornalistas jogando na defensiva. ?Foram massacrados?, diz Prudêncio. |