No momento em que o presidente Jair Bolsonaro faz mudanças no primeiro escalão, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), ressuscitou um tema polêmico e defendeu a contratação de parentes de políticos para cargos públicos. Proibido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por violar o princípio constitucional da impessoalidade na administração, o nepotismo vem sendo questionado em várias frentes. Mas, com a vitória de Arthur Lira (Progressistas-AL) para presidir a Câmara, o Centrão ganhou musculatura para pregar mudanças na lei que hoje pune a prática.

“O poder público poderia estar mais bem servido, eventualmente, com um parente qualificado do que com um não parente desqualificado”, afirmou Barros ao Estadão. “Só porque a pessoa é parente, então, é pior do que outro? O cara não pode ser onerado por ser parente. Se a pessoa está no cargo para o qual tem qualificação profissional, é formada e pode desempenhar bem, qual é o problema?”, completou o líder do governo, que também integra o Centrão, grupo de partidos aliados ao presidente Jair Bolsonaro.

Em 2008, o Supremo firmou posição contra o nepotismo e suas ramificações. Estendeu a proibição ao “nepotismo cruzado”, que é quando dois agentes públicos empregam parentes um do outro. A Súmula 13 da Corte diz que “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau (…), para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada (…), mediante designações recíprocas, viola a Constituição”.

Quando era deputado, Bolsonaro nomeou 13 parentes em gabinetes da família. Além disso, o clã Bolsonaro empregou 102 pessoas com laços familiares, segundo levantamento feito pelo jornal O Globo, ao longo dos 28 anos em que o atual presidente foi parlamentar.

No primeiro ano à frente do governo, em 2019, Bolsonaro chamou de “hipocrisia” as críticas de que seria “nepotismo” a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho “03”, para o cargo de embaixador nos Estados Unidos. O presidente chegou a criticar a decisão do Supremo que proibiu contratações de parentes na administração pública.

“Acho que quem tem de decidir sobre essas coisas é o Legislativo. Teve um parlamentar contra o nepotismo que foi pego na Lava Jato. E tem ministro, com toda certeza, que tem parente empregado, com DAS (função comissionada). E daí?”, questionou ele, na ocasião. “Que mania (vocês têm de dizer) que tudo que é parente de político não presta.”

O Supremo não deixou claro, no entanto, se a restrição para contratar parentes deve valer também para cargos de natureza política, como os de ministros e secretários de Estado, ou apenas para funções administrativas. Nos julgamentos do plenário tem prevalecido o parecer de que essas nomeações são permitidas, exceto se houver algum tipo de fraude. Em 2017, porém, decisão liminar do ministro Marco Aurélio Mello barrou a indicação de um filho do então prefeito do Rio, Marcelo Crivella, como secretário municipal.

Um ano depois, em 2018, a então vice-governadora do Paraná, Cida Borghetti – mulher de Ricardo Barros -, chamou o cunhado para a equipe ao assumir o governo estadual, diante da renúncia do então governador Beto Richa. À época, Cida nomeou Silvio Barros, irmão de seu marido, como secretário de Desenvolvimento Urbano.

Improbidade

Como a prática da nomeação de parentes por políticos não configura crime no Brasil, o caminho para punir agentes públicos por nepotismo é enquadrá-los no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, de 1992. É com base neste artigo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem chancelado condenações em casos de contratação de parentes. O dispositivo define como improbidade atos que violem os “deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”.

A Câmara, porém, discute o afrouxamento da Lei de Improbidade Administrativa, que pode excluir justamente esse artigo 11, também utilizado para punir outras práticas, como furar fila no serviço público. A proposta consta do texto substitutivo de autoria do relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), e é apoiada por Barros.

“Se querem que nepotismo seja crime, que façam uma lei e aprovem. É inadequado um arcabouço jurídico onde o que você quiser encaixa lá. Ah, estão preocupados com nepotismo? Então, vamos encerrar o artigo 11 e fazer uma lei de nepotismo aqui. Isso pode, isso não pode. Não é para cada promotor interpretar (a lei) do jeito que quer”, disse o líder do governo.

Para o advogado Sebastião Tojal, especializado em ações de improbidade, o que Barros diz não se sustenta. “Existe um princípio constitucional, segundo o qual a impessoalidade deve orientar a administração pública, inclusive no processo de investidura em cargos. Não se pode chegar ao ponto de discutir se fulano, sicrano ou beltrano de fato é competente ou não”, destacou Tojal. “Nepotismo tem de ser compreendido como nomeação para cargos administrativos e políticos.”

Autor do projeto em discussão na Câmara sobre a Lei de Improbidade, o deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP) é contra a mudança da regra que hoje permite a punição por nepotismo. “Eu me sinto contrariado com o fato de que a gente possa, retirando o artigo 11, promover um retrocesso naquilo que já está consolidado”, disse Lucena. “Essa questão já é superada. Não existe espaço para retrocessos.”

Na avaliação do ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório, a Constituição não permite que parentes sejam contratados para a administração pública nem mesmo se forem competentes. “Independentemente de qualificação ou não, a proibição direcionada à contratação de parentes, refletida na Súmula 13 do STF, acarreta improbidade administrativa.”

O promotor de Justiça Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção, disse que a experiência no Brasil mostra a necessidade de não ser permitida qualquer exceção. “Fazer louvor ao nepotismo é absurdo. Devido ao fortalecimento da cultura do compadrio, essa ideia (de exceção) não deve prevalecer. O Supremo editou a súmula porque o que se faz no serviço público é uma bandalheira.”

Constituição veda prática

1. O que é nepotismo? A prática é proibida?

O nepotismo ocorre quando um agente público usa de sua posição de poder para nomear, contratar ou favorecer cônjuge/companheiro ou parente, por consanguinidade ou afinidade. A prática, vedada pela Constituição por contrariar os princípios da impessoalidade, moralidade e igualdade, configura ato de improbidade administrativa.

2. Para quais cargos as nomeações são vetadas?

Súmula do Supremo fala em cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios.

3. Quem já foi punido?

Em 2016, o ex-governador do DF Agnelo Queiroz teve os direitos políticos suspensos, acusado pelo MP de violar princípios da administração pública ao nomear mãe e filha em cargos comissionados.

4. Há casos recentes?

Em Magé (RJ), o prefeito Renato Cozzolino, eleito em 2020, nomeou como secretários sete familiares. O MP do Rio já recomendou a exoneração de quatro desses parentes. Em outro caso, ficou conhecida a prática da família Bolsonaro de empregar familiares e parentes em gabinetes. Algumas das contratações são alvo do MP, que apura “rachadinha” e funcionários fantasmas.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.