27/02/2025 - 17:13
Abdullah Öcalan faz apelo por dissolução do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) e fim da luta armada. Gesto pode encerrar quatro décadas de violência – e abrir caminho para que Erdogan se perpetue no poder.O líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Abdullah Öcalan, atualmente preso, pediu a seus seguidores que depusessem as armas e dissolvessem a organização, em um movimento que pode abrir caminho para um novo processo de paz com o governo turco – e ajudar o presidente Recep Tayyip Erdogan a se perpetuar no poder.
“Todos os grupos devem depor suas armas e o PKK deve se dissolver”, afirma Öcalan na declaração, transmitida por membros do partido pró-curdo Igualdade e Democracia dos Povos (DEM) nesta quinta-feira (27/02), em Istambul.
O PKK, fundado por Öcalan em 1978, tem liderado um movimento de insurgência na Turquia desde 1984, quando a organização iniciou sua luta por um estado curdo ou uma região autônoma no sudeste da Turquia.
O apelo de Öcalan é considerado uma vitória do governo de Erdogan, que tem interesse político nas negociações. No entanto, o sucesso dessa iniciativa dependerá da resposta da liderança do PKK e das medidas adotadas por Ancara.
Atualmente, o presidente turco não possui maioria no parlamento para aprovar uma emenda constitucional que lhe permita concorrer a um quarto mandato presidencial em 2028. Um possível acordo de paz com os curdos poderia fortalecer suas alianças e ajudá-lo a consolidar seu poder.
Histórico de atentados
A atuação do PKK é marcada por uma série de ataques, principalmente atentados com carros-bomba e tiroteios dirigidos a alvos militares e de segurança turcos. O conflito resultou na morte de mais de 40 mil pessoas, incluindo rebeldes, militares e civis.
O PKK, que mistura ideais marxistas e nacionalistas, é considerado um grupo terrorista pela Turquia, Estados Unidos e União Europeia, e tem ramificações também nas comunidades curdas na Síria, Iraque e Irã.
Öcalan, que tem 75 anos, está preso numa ilha perto de Istambul desde 1999, em isolamento quase total. Seu comunicado desta quinta marca a primeira tentativa em mais de uma década de retomar negociações de paz entre o grupo e Ancara. O último cessar-fogo aconteceu em 2013, mas fracassou em 2015.
Negociações
A iniciativa de paz partiu inicialmente do partido ultranacionalista MHP, aliado de Erdogan. No final do ano passado, o líder do MHP, Devlet Bahçeli, levantou a hipótese de libertar Öcalan se o PKK depusesse as armas.
Em dezembro, Öcalan foi autorizado a receber visitas de dirigentes do partido DEM pela primeira vez após anos de prisão.
Para Ancara, um acordo de paz aliviaria as tensões sociais e a carga sobre suas forças de segurança, além de impulsionar a fraca economia do sudeste turco.
Öcalan afirmou que a luta armada havia “seguido seu curso”, embora também tenha instado a Turquia a demonstrar respeito às minorias étnicas, à liberdade de expressão e ao direito à auto-organização democrática.
O movimento político pró-curdo espera que a declaração abra caminhos para reformas democráticas e ampliação de direitos culturais e linguísticos na Turquia.
Saruhan Oluç, legislador do DEM, classificou a declaração como um “momento histórico”, destacando a necessidade de reformas democráticas por parte do governo turco.
“Estamos ainda mais esperançosos após o apelo histórico de hoje”, disse o legislador do DEM Saruhan à agência alemã DPA.
O governo alemão saudou o pedido como uma “chance histórica”, enfatizando a necessidade de garantir direitos culturais e democráticos aos curdos.
Possíveis consequências na região
Espera-se que a mensagem de Öcalan tenha implicações não apenas na Turquia, onde os curdos são um quinto da população, mas em todo o Oriente Médio.
Observadores associam uma possível resolução do conflito a um acordo de paz no norte da Síria, onde as forças curdas controlam um território significativo. O Irã e o Iraque, que também têm população curda, devem sentir os impactos de um acordo de paz.
O conflito entre o PKK e a Turquia se deslocou para o norte do Iraque e da Síria desde 2019, com ofensivas militares turcas contra bases do grupo.
No Curdistão iraquiano, o presidente Nechirvan Barzani manifestou apoio ao apelo de paz e instou o PKK a acatar a decisão.
O comandante das Forças Democráticas da Síria (SDF), Mazloum Abdi, afirmou que, apesar da importância do comunicado de Öcalan, a decisão não afetaria diretamente as Unidades de Proteção Popular (YPG), principal componente das SDF e alvo frequente das ações militares turcas.
sf/ra (AP, Reuters, ots)