Christian Tein é acusado de estar por trás de atos de violência ocorridos no território ultramarino da França, em meio aos protestos contra reforma nos direitos eleitorais promovida por Paris.A polícia do território ultramarino francês da Nova Caledônia prendeu mais de uma dezena de pessoas nesta quarta-feira (19/06), incluindo um dos líderes do movimento de independência CCAT, acusado de ter papel central nos episódios de violência que sacudiram o arquipélago nos últimos meses.

Ao menos 11 prisões foram realizadas como parte das investigações lançadas em 17 de maio, dias após o início de uma onda de distúrbios que evoluíram para conflitos armados, saques, incêndios e outros atos de violência em partes da capital, Nouméa.

As revoltas na Nova Caledônia – localizada a 1.300 quilômetros da Austrália e a 16.500 de Paris – surgiram após uma reforma constitucional aprovada recentemente pelo Parlamento francês que estendeu o direito ao voto nas eleições regionais a cidadãos franceses que vivem há mais de dez anos no arquipélago.

Até então, além da população originária, esse direito era reservado apenas a imigrantes que viviam no território desde antes de 1998 e aos filhos deles. Ou seja, os residentes que chegaram da França continental ou de qualquer outro lugar nos últimos 25 anos não têm o direito de participar das eleições locais.

O movimento pró-independência teme que a inclusão de tantos novos eleitores dilua seu próprio peso político. Opositores da lei dizem que ela vai beneficiar políticos pró-França e marginalizar a etnia kanak, que no passado sofreu sob políticas rigorosas segregacionistas e discriminação.

Contudo, após o presidente francês, Emmanuel Macron, dissolver o Parlamento francês e convocar novas eleições parlamentares na esteira do mau desempenho dos governistas na eleições europeias, no inicio do mês, o governo decidiu suspender as reformas eleitorais no território ultramarino.

Líder pró-independência detido

O promotor público da Nova Caledônia, Yves Dupas, afirmou que entre os detidos está o líder pró-independência do CCAT Christian Tein, acusado por autoridades da França de ser um dos responsáveis pela violência que eclodiu no inicio de maio em meio a protestos contra as reformas eleitorais. Os outros dez presos ainda não haviam sido identificados.

A revolta levou o governo francês a declarar estado de emergência no arquipélago e enviar reforços às forças policiais locais, que foram rapidamente superadas pelos revoltosos. Os atos de violência deixaram nove mortos, incluindo dois policiais, e causaram a destruição de várias lojas, comércios e residências.

Dupas afirmou que as prisões eram parte de investigações sobre uma ampla gama de crimes que teriam sido cometidos, incluindo cumplicidade em homicídios e tentativas de homicídio, roubos à mão armada, ataques incendiários e participação em uma organização que preparou atos de violência.

As pessoas detidas podem permanecer sob custódia policial por períodos de até 96 horas. Após esse prazo, um juiz poderá decidir se a polícia possui informações suficientes para a abertura de processos formais na Justiça contra os suspeitos.

Com o arrefecimento dos protestos, as autoridades no território reduziram em duas horas a imposição do toque de recolher, que será válido a partir das 20h, e não mais das 18h. O aeroporto internacional, que fora fechado há mais de um mês para voos comerciais, pôde ser reaberto.

Demandas contínuas por independência

Desde a década de 1970, a Nova Caledônia tem feito contínuas reivindicações de independência, que são apoiadas por grande parte do povo kanak. As Nações Unidas também apoiaram essas demandas e, em 1986, a Assembleia Geral da ONU reinscreveu a Nova Caledônia em sua lista de “territórios não autônomos”. Em 1988, a França concordou em conceder mais autonomia à Nova Caledônia.

Mas a maioria da população – especialmente os descendentes de colonialistas franceses – quer que a Nova Caledônia continue fazendo parte da França.

Um dos motivos é econômico: de acordo com o governo da vizinha Austrália, os 1,5 bilhão de euros que a Nova Caledônia recebeu de Paris em pagamentos de orçamento direto em 2020 representaram cerca de 20% da produção econômica geral do território naquele ano.

Nos referendos de independência realizados em 2018 e 2020, apenas 43,6% e 46,7% dos participantes votaram a favor, respectivamente. Já em 2021, um novo referendo foi boicotado pelos partidos de independência, levando a um resultado distorcido de quase 97% contra.

Interesses geopolíticos e econômicos

A França, que é uma potência nuclear com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, continua se vendo como uma potência global. Suas forças armadas têm bases aéreas e navais na Nova Caledônia, que são de importância geopolítica.

Além disso, os recursos naturais do arquipélago são de grande importância econômica. Em 2021, 190 mil toneladas de níquel foram extraídas do território, de acordo com estimativas dos Estados Unidos. No mundo, somente a Indonésia, as Filipinas e a Rússia produziram mais.

O movimento pró-independência da Nova Caledônia também recebeu apoio de um aliado inesperado, a ex-república soviética do Azerbaijão, que a França acusou de interferência.

Em um artigo recente, o veículo americano Politico disse que Philippe Gomès, ex-chefe de governo da Nova Caledônia, acusou o Azerbaijão de “financiar ativamente a Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista”. O ministro do Interior da França, Gérald Darmanin, fez alegações semelhantes. A França é um aliado tradicional da Armênia, rival histórico do Azerbaijão Além disso, a França ainda é base uma grande comunidade migrante armênia.

O Azerbaijão rejeitou as alegações de que está por trás dos recentes distúrbios na Nova Caledônia.