04/05/2005 - 7:00
“Antônio Maciel foi fundamental para o sucesso da Ford na América do Sul”
“Temos grandes custos com pensão e seguro-saúde. Mas não tanto quanto a GM”
DINHEIRO ? Como o senhor vê o desempenho da Ford no Brasil, considerando especialmente que a montadora foi a primeira a retomar os lucros no País?
Jim Padilla ? Estou muito satisfeito com os progressos da Ford na América do Sul. Muitos dos sonhos e visões que tivemos estão agora virando realidade com novos produtos como a EcoSport, o Fiesta e o Fiesta Max (vendido na Argentina). A fábrica de Camaçari nos deixa mais competitivos. A Ford está aqui para ficar e estamos vendo os resultados dos compromissos assumidos. Um fator determinante para esse sucesso é termos Antônio Maciel como presidente da Ford América do Sul. Quando eu era presidente para essa região, por ser americano, nunca compreendi completamente o mercado local. Ter um líder brasileiro faz toda a diferença. Melhora a maneira como trabalhamos com nossos fornecedores, com os sindicatos e o governo.
DINHEIRO ? A Ford do Brasil ficou com a quarta posição no ranking das montadoras no ano passado. A liderança é um objetivo distante para vocês?
Padilla ? Ser líder não significa ter a maior participação de mercado. Vejo liderança como lucro. Gosto de fazer dinheiro e me divertir. Bill Ford também acha que o importante é ter bons produtos, ter um negócio rentável e ter um mundo melhor. Não queremos ser líderes a qualquer preço, temos de ter um equilíbrio pragmático. Sou cuidadosamente otimista com o Brasil. No início da década de 90, o País era muito rentável, então, investimos para aumentar nossa capacidade. E agora temos capacidade ociosa.
DINHEIRO ? Qual sua opinião sobre o atual momento econômico do Brasil?
Padilla ? Tenho de dar crédito ao presidente Lula e sua liderança. Foi importante tornar o Brasil competitivo no mercado global. Temos agora uma situação em que o Brasil é um exportador importante. A Ford exportou mais de US$ 1 bilhão em produtos em 2004 partindo do Brasil. O Brasil está no caminho certo, mas ainda há alguns conflitos que devem ser resolvidos. As deficiências nas políticas sociais têm de ser corrigidas e a política industrial tem de encorajar os negócios.
DINHEIRO ? A Ford já decidiu o que fazer com as fábricas brasileiras?
Padilla ? No caso de São Bernardo, temos um negócio importante que é a produção de caminhões e veículos comerciais. E temos o Ka, que é nosso carro de entrada. Estamos buscando uma solução para ter um bom design, criado localmente, e trabalhamos com os sindicatos e com os funcionários para ter um negócio eficiente. Também estamos negociando há um ano com os fornecedores para tornar nossos produtos mais competitivos. E temos trabalhado com o governo, porque há o interesse em exportar mais usando São Paulo como base.
DINHEIRO ? Há previsão de lançamento de um novo produto no Brasil?
Padilla ? Nós temos de pensar no médio e no longo prazo, na vida que o produto terá. No momento, não posso ser ingenuamente otimista, porque tenho de olhar a história da América do Sul e do resto do mundo. E tenho de estar certo de que a decisão não é baseada no atual bom momento da América do Sul. Tenho de analisar a vida e o potencial do produto.
DINHEIRO ? Então, ainda não chegou a hora de lançar o modelo intermediário entre o Ka e o Fiesta que todos vêm esperando da Ford?
Padilla ? Não temos nada para anunciar hoje. Não está terminado ainda. Não podemos dizer qual produto será feito e nem quando ele será lançado ou quais os parâmetros financeiros que usaremos. Há negociações que temos de concluir com nossos parceiros-chave, que são os sindicatos, os fornecedores e os governos. Há também muito trabalho para ser feito internamente. Continuo otimista, mas quando é hora de tomar decisões em que temos de investir, seja em real ou em dólar, sou pragmático. Então, não há uma decisão final.
DINHEIRO ? Seu otimismo quanto ao Brasil é relativo?
Padilla ? Simplesmente não queremos dizer nada além do que já é sabido por todos, temos de ser realistas. Eu vivi nesse mercado por três anos e passei pelo auge e pela decadência. Nós nunca quitamos os investimentos que fizemos no auge e tenho de ser cuidadoso, porque precisamos ter uma proposta sustentável de negócio.
DINHEIRO ? A Ford tem muita força junto às mulheres no Brasil. Há algum projeto para aumentar essa identificação com as consumidoras brasileiras?
Padilla ? Esse é um projeto muito especial da nossa vice-presidente para Canadá, México e América do Sul, Anne Stevens. No Brasil, o mercado parece ainda não ter percebido que o poder de compra da mulher aumentou. Queremos ter certeza de que consideramos esse aspecto. Já lideramos as vendas para mulheres no País, por conta do design e dos acessórios dos nossos carros. Mas é importante ressaltar que queremos expandir nosso relacionamento com os clientes, por isso o foco na mulher.
DINHEIRO ? O antigo ideal de Jac Nasser (ex-CEO da Ford), de reinventar o conceito de montadora, em que ela terceirizaria toda a produção e só aplicaria seu emblema no carro pronto, é um projeto totalmente abandonado?
Padilla ? Precisamos pensar em como agregar valor ao produto. A forma de fazer isso é através do design, da engenharia, da produção, da venda. Se saíssemos de alguma dessas áreas, ficaríamos impossibilitados de entregar um produto consistente. Temos de ser fortes em todas as pontas. Não podemos fingir que é possível entregar essas responsabilidades a alguém. No fim, o consumidor olha a Ford e não o fornecedor. É preciso ter tudo isso para ser líder no mercado e nós queremos ser líderes.
DINHEIRO ? Muitas empresas têm na Toyota um modelo de sistema de produção. A concorrente também é modelo para a Ford?
Padilla ? A Ford tem um sistema de produção próprio, que prioriza a produção enxuta, a segurança dos funcionários, a qualidade e a rápida entrega para os clientes, o custo competitivo e o respeito ao meio ambiente. Se olharmos para o início do sistema da Toyota, veremos que o sr. Taiichi Ohno estudou o modo de produção de Henry Ford. O conceito principal é delegar a responsabilidade a quem mais entende do processo, que é o funcionário do chão de fábrica. Não copiamos a Toyota, adaptamos a Ford ao que o Henry Ford começou.
DINHEIRO ? O sr. considera que a fase de fusões entre as montadoras acabou?
Padilla ? Não podemos dizer que algo não acontecerá nunca mais. Mas certamente o ritmo diminuiu e as oportunidades também. É uma proposição complexa especialmente com o mercado tão competitivo. A Ford já fez muito isso, comprando a Jaguar, por exemplo. Agora temos a Land Rover e a Volvo. Eu diria que a Nissan e a Renault estão fazendo um bom trabalho e nós também, com a Volvo. Esses são casos de sucesso.
DINHEIRO ? Falando em rivais, a maior delas, GM, diminuiu sua previsão de lucros na divisão americana, alegando que as despesas com fundos de pensão e seguros-saúde oneram seu balanço. No caso da Ford, essas despesas influenciarão muito os resultados de 2005?
Padilla ? Muitos dos fatores que afetam a GM nos atingem também. No que diz respeito a custos legais, como pensões e seguro-saúde, somos afetados de uma forma significativa, mas não tanto quanto a GM, porque eles têm mais pessoas recebendo esses benefícios. Nos EUA, estamos trabalhando, inclusive em conjunto com a GM, para tentar ser mais eficientes nesse ponto e talvez nós precisemos de ajuda do governo. Faço parte do conselho industrial do governo americano e discutimos exaustivamente o problema.
DINHEIRO ? Como é o seu relacionamento com Bill Ford? E como ele lidera a Ford Motor Company?
Padilla ? Passo muito tempo com Bill. Ele é um líder muito cooperativo. Não é um comandante controlador, é muito inteligente. Somos funcionários da empresa, mas Bill e sua família são donos. Quando ele toma uma decisão, tem de pensar no longo prazo e nas próximas gerações da família. Isso é uma grande vantagem, porque ele nos guia a atingir objetivos no prazo mais curto, mas nos ajuda a não hipotecar nosso futuro. Apesar de ser meu chefe, Bill não faz eu me sentir como uma pessoa que trabalha para ele, mas sim uma pessoa que trabalha com ele. Ele não finge conhecer o operacional ou o mercado brasileiro, mas confia nos executivos para isso. E eu confio nele por sua visão de futuro, sua liderança e seu modo de lidar com os acionistas. Todos se complementam.
DINHEIRO ? Em 2004, a Ford Motor Company reverteu uma série de prejuízos. Mesmo assim, algumas divisões continuam deficitárias. Como saneá-las e até quando haverá paciência para que elas se recuperem?
Padilla ? Não podemos analisar os resultados de um ano e determinar o quanto vamos nos dedicar a determinado mercado. Se fosse assim, a Ford já teria abandonado o Brasil e a Argentina há muitos anos. A primeira coisa que temos de fazer é oferecer o produto que o consumidor quer. A segunda é ter um preço competitivo. No Brasil, já cumprimos as duas. Agora, nós vamos unir esses fatores nas outras divisões da Ford. Os mercados têm altos e baixos e nós temos de ser pacientes com eles.
DINHEIRO ? Dividir as operações de projetos globais e engenharia com outros países para aliviar despesas em moedas fortes como o dólar e o euro é uma das soluções para recuperar rentabilidade?
Padilla ? Temos de ser cuidadosos ao reagir às flutuações das moedas. Me agrada na América do Sul ver o produto que o time de engenheiros brasileiros fez em Camaçari. É interessante, porque desenhamos, desenvolvemos e produzimos na moeda em que vendemos. Isso nos isola das flutuações monetárias. Nós sempre teremos uma base forte de engenheiros nos EUA e na Europa, mas se alguém quer ser forte localmente, tem de pensar como o povo local.
DINHEIRO ? Quer dizer que para atingir um equilíbrio financeiro global é preciso privilegiar projetos locais?
Padilla ? Temos de decidir que produtos ter nessa ou naquela unidade. Por isso, trabalhamos muito duro para ter produtos fortes e competitivos em cada país.