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Em junho de 2008, o executivo Mauro Muratório Not, ex-presidente da Microsoft no Brasil e, à época, presidente da TBA – a empresa que havia sido escolhida por ele próprio para ter o monopólio na venda de sistemas operacionais Windows para o setor público federal no País -, recebeu um e-mail com o título “Conselho de amigo”. O teor, no entanto, não era nada amigável. “Pague sua dívida e cai fora da empresa. Você tem um nome a zelar”, dizia o texto.

O remetente era Bruno Basso, outro executivo com passagem pela Microsoft. Ele havia sido gerente de relações com governo da companhia, subordinado a Muratório Not. Mas, ao se casar com a dona da TBA, Cristina Boner, chegou a estar numa posição superior ao do ex-chefe. Muratório Not deixou a Microsoft em 2003 e se tornou presidente da TBA em 2007 depois de uma malsucedida experiência empresarial no agronegócio. Estava endividado e pediu um empréstimo de US$ 1,5 milhão a Cristina Boner. Recebeu os recursos, foi convidado para presidir a TBA, mas teve de dar um imóvel ao lado de sua casa no Morumbi em garantia. Por isso mesmo, a divulgação daquela promessa de compra e venda seria constrangedora para Muratório Not, um homem com uma trajetória de sucesso no mercado de tecnologia e que presidiu a Microsoft durante mais de uma década.

Quase dois anos depois, a garantia foi executada. No dia 10 de novembro de 2009, Cristina Boner, que foi acusada de ser a fonte dos R$ 50 mil pagos como propina ao governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, executou a dívida, de acordo com a escritura com matrícula 9.847, obtida por DINHEIRO. Trata-se de uma transação privada entre os dois, que a princípio não tem nenhum indício de ilegalidade, mas que revela uma relação talvez próxima demais entre a Microsoft e a TBA.

O ex-gerente de relações com governo, Bruno Basso, casou-se com a empresária que teve exclusividade na venda de sistemas operacionais para o governo – hoje, os dois estão rompidos e ele responde a 14 processos judiciais criminais. Foi até preso e acusado de extorsão e de agressão por sua ex-mulher, que passou a ser protegida pela Lei Maria da Penha. Muratório Not, por sua vez, assumiu o comando da companhia que ele próprio escolheu como revendedora exclusiva da Microsoft. “Quando a TBA recebeu exclusividade, poucas empresas trabalhavam com a Microsoft no Brasil”, disse Muratório Not à DINHEIRO, numa declaração por e-mail. “O mercado era pequeno e ninguém fazia questão dessa exclusividade. Só depois virou um grande negócio, graças ao trabalho da TBA e da Microsoft.” Ele não comentou a venda do imóvel.

A exclusividade dada pela Microsoft praticamente impediu a prática de licitações para a venda de sistemas operacionais para o governo, uma vez que a TBA passou a ter uma espécie de “monopólio do monopólio”. Era a única empresa autorizada a vender um produto que só a Microsoft possuía. E isso ajudou a companhia a se tornar uma das maiores do País em TI – a receita da TBA é de R$ 400 milhões por ano.

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Essa relação entre a Microsoft e a TBA nasceu em 1992. Na época, Cristina Boner já atuava no ramo de tecnologia. Naquele mesmo ano, o criador da Microsoft, Bill Gates, foi a Brasília. A empresária enxergou uma oportunidade e alugou um avião monomotor e mandou que o piloto sobrevoasse a cidade carregando uma faixa com a mensagem: “Welcome, Bill Gates. TBA.” O executivo viu a faixa e quis conhecer a autora. Desse encontro, começou um longo relacionamento e um contrato de exclusividade que durou de 1994 até 2000.

A exclusividade foi contestada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e, depois de uma batalha judicial, as duas empresas foram condenadas. Em 2004, a Microsoft foi multada em 10% do faturamento bruto com o governo no Brasil em 1997. Para a TBA, a fatia era de 7%. O processo judicial foi encerrado em 2006, com o pagamento de uma multa de R$ 5 milhões.

Em nota enviada à DINHEIRO, a Microsoft diz que a decisão de dar exclusividade em Brasília para a TBA foi tomada com base no modelo de negócio adotado no Brasil à época para todas as regiões do País. “A relação da Microsoft com a TBA segue os padrões gerais de contratação que a empresa pratica com todos os seus parceiros no mundo, baseados em princípios profissionais e éticos.” A companhia, no entanto, não apontou outros países em que havia exclusividade. E foi esse aspecto que gerou um processo antitruste no governo.

O Cade, em um relatório que embasou a punição das duas empresas, datado de 25 de agosto de 2004, concluiu que a exclusividade dada pela Microsoft para que TBA vendesse os seus produtos a clientes corporativos sediados no Distrito Federal inviabilizou qualquer processo licitatório. “Com efeito, diante do teor dos atestados de exclusividade, não restou alternativa à administração pública senão contratar com inexigibilidade de licitação”, diz o texto.

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Essa história também joga alguma luz sobre as relações do poder público com as empresas de informática. Em razão da dificuldade de entender termos técnicos ou especificidades da área, muitas compras realizadas por órgãos das esferas federal, estaduais e municipais pecam por essa falta de conhecimento. “Devido à dificuldade em medir o valor do bem imaterial, as empresas de tecnologia são as novas empreiteiras”, diz Sérgio Amadeu, sociólogo e ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia (ITI), que durante o primeiro mandato do presidente Lula foi a voz mais forte pela implementação de software livre no governo. Segundo ele, as licitações de um computador especificavam apenas o hardware e deixavam de lado os programas incluídos nos computadores. “Isso mudou na maioria dos órgãos federais, mas há ainda quem compre sem especificar o software”, afirma.

A Polícia Federal, que investiga os contratos de informática do Distrito Federal, no inquérito da Operação Caixa de Pandora, trabalha exatamente com a hipótese de que as empresas de tecnologia estariam tomando o lugar das empreiteiras como principais financiadoras de campanha. A tese é muito simples. Quando se licita uma ponte, é possível verificar se ela foi construída e se a matéria-prima utilizada é condizente com os termos do edital.

As empresas de informática vendem um bem difícil de ser mensurado. Quanto vale um contrato de manutenção e quem garante que o serviço é prestado? Por que softwares da mesma categoria são mais caros do que outros? São respostas difíceis até para quem é do setor e que favorecem contratos superfaturados.

Em 12 de janeiro, o Superior Tribunal de Justiça autorizou a quebra do sigilo bancário e fiscal de oito acusados do “mensalão do DEM”, incluindo o governo José Roberto Arruda. Oito empresas também tiveram seus sigilos quebrados, como Vertax Consultoria Ltda., Info Educacional Ltda., Uni Repro Serviços Tecnológicos Ltda. e CTIS Informática Ltda. Todas elas são do ramo de informática. A TBA não está entre elas. Mas o modelo de contratação de produtos e bens de informática pelo poder público está em xeque.

Colaborou Flávia Gianini