1.jpg

LILY SAFRA: o desejo de vender o Ponto Frio existe há cerca de dez anos, mas o estilo duro de negociação dela tem impedido a concretização do negócio

 

UM COMUNICADO ENVIADO à CVM na semana passada tornou oficial aquilo que circulava há anos pelos corredores do mundo corporativo. No documento, a Globex, a holding cuja principal acionista é a bilionária brasileira Lily Safra, coloca à venda seu principal negócio no País, o Ponto Frio, a segunda maior rede de varejo de móveis e eletrodomésticos do Brasil. Junto com seu enteado Carlos Monteverde, Lily detém o controle da empresa, com 70% do capital. Candidatos interessados nos ativos não faltam. São nove grupos nacionais e estrangeiros dispostos a arrematar uma cadeia formada por 485 lojas, 12 mil funcionários e faturamento de R$ 4,7 bilhões. Até o dia 20 deste mês, todos deverão apresentar suas propostas ao Goldman Sachs, o banco contratado por Lily para encontrar um comprador para o Ponto Frio. Caso nenhuma das ofertas faça os olhos dos dois acionistas brilharem, um plano B será colocado em execução: uma oferta pública de ações para pulverizar o capital da companhia, um caminho semelhante ao adotado pela JC Penney, ao se desfazer dos papéis da Lojas Renner em 2005. Essa alternativa, porém, depende da redução da volatilidade do mercado de capitais, o que pode levar alguns meses ou mais.

 

Os candidatos à compra
O que os interessados na rede Ponto Frio podem ganhar com a aquisição

2.jpg

3.jpg

 

Qualquer que seja o caminho escolhido, a transação significará a concretização de um projeto alimentado por Lily e Monteverde há cerca de dez anos: passar o Ponto Frio adiante. Os dois mantêm atitude de frieza diante da empresa. Lily se tornou acionista do grupo depois da morte de seu marido Alfredo Monteverde, o dono do Ponto Frio. Carlos é filho de um casamento anterior de Alfredo. Durante alguns anos, filho e madrasta mantiveram uma relação tensa. Um acordo de acionistas, porém, apaziguou os ânimos. Além disso, a venda da empresa era um objetivo comum aos dois. Carlos vive em Londres e, segundo o comentário irônico de um conhecido, ?só vem ao Brasil uma vez por ano ? para receber os dividendos da empresa.? Não é um homem do varejo e tampouco possui uma ligação sentimental com a empresa. Aos 76 anos e dona de uma fortuna pessoal estimada em R$ 1,6 bilhão, Lily encontra-se em situação semelhante. Recentemente, vendeu sua casa na França e se fixou de vez em Mônaco, onde vivia com Edmond Safra, seu terceiro marido, morto em 1999. Entre o final de dezembro de 2008 e a segunda quinzena de janeiro deste ano, instalou-se em uma casa no Morumbi, bairro nobre de São Paulo, para acompanhar o processo de venda do Ponto Frio. Assim como ocorre com Carlos, o varejo não a motiva. Sua maior preocupação reside em equacionar a sucessão para seus três filhos ? e para isso precisa se desfazer da rede de lojas.

 

4.jpg

458 lojas do Ponto Frio faturaram R$ 4,5 bilhões em 2008

 

Mas nenhum dos dois controladores parece disposto a aceitar qualquer negócio. No início da semana, rumores indicavam que os controladores não aceitariam menos de R$ 1 bilhão pela rede. Neste momento, porém, esse montante talvez esteja mais no campo dos sonhos do que no da realidade. Com a crise financeira e a má vontade do mercado com papéis do varejo, a cadeia perdeu quase 70% do seu valor no ano passado. Na última semana, valia R$ 830 milhões. Como Lily é a maior acionista individual, com 35,2% das ações ON, ela engordaria seu cofre com R$ 292 milhões. Carlos Monteverde teria direito a 34,30% desse montante ? R$ 285 milhões. Esses valores não incluem o prêmio pelo controle da empresa. E, seja qual for ele, o total será bem menor do que os R$ 4,5 bilhões que a empresa valia na bolsa no início de 2008.

O que pode também dificultar as negociações é o estilo de Lily. Sem necessidade de dinheiro, ela e Carlos não estão pressionados a aceitar nenhum tipo de oferta. ?Cada vez que surgimos com uma proposta, ela quer mais?, queixa- se um banqueiro que participa das conversas. No início da década, ela chegou a pedir mais dinheiro para a Lojas Americanas quando o negócio estava praticamente fechado. Foi assim também no final do ano passado, quando um grupo interessado procurou a empresa com uma oferta firme de compra. Assim que foi comunicada, Lily chamou o banco Goldman Sachs e o contratou para farejar outros possíveis candidatos no mercado ? e assim estabeleceu um leilão para a venda do Ponto Frio. O processo, porém, saiu de controle. Com diversos interessados, a informação vazou no final da semana passada, o que obrigou a empresa a emitir um comunicado à CVM. Não se sabe de outro caso em que uma companhia se coloca oficialmente à venda e faz alarde disso, como o Ponto Frio. E isso colocou os controladores em uma espécie de saia-justa. ?Agora, eles têm que vender a companhia?, diz um profissional do setor. ?Caso esse processo se arraste, o clima interno ficará insustentável, as pessoas vão procurar outra colocação e a operação será afetada.?

Por isso, internamente o Ponto Frio trabalha com um prazo para a conclusão do negócio: o fim do primeiro semestre. Até lá, um dos nove grupos interessados deverá assumir o controle de um negócio com alguns números atraentes e certos desafios pela frente. Nos últimos anos, a varejista passou por uma série de reestruturações, desencadeadas cada vez que um novo CEO tomava posse ou os acionistas torciam o nariz para os resultados. Mas depois que perdeu a liderança para a sua rival direta, a Casas Bahia, nos anos 90, a rede nunca mais conseguiu retomar o primeiro lugar. Suas vendas brutas cresceram, a partir de 2003, a taxa média anual de 9%. A Casas Bahia se expandiu a uma velocidade maior, 11% ao ano; e a Magazine Luiza, 36%. Assim o vácuo que se criou entre a primeira e segunda colocada ampliou-se. A Casas Bahia já tem quase três vezes o tamanho da empresa de Lily Safra.

O atual CEO, Manoel Amorim, chegou à empresa em 2007 para redesenhar a operação. Amorim enxugou a estrutura (demitiu oito diretores), fechou lojas deficitárias e refez contratos com terceirizados para reduzir despesas. Uma de suas principais conquistas foi reverter os prejuízos recorrentes da operação das lojas ? os resultados positivos do balanço vinham da financeira e da venda de serviços, como seguros e planos de garantia estendida para produtos. Se em 2007 praticamente 100% do Ebtida vinha dessas áreas, em 2008, as lojas já cooperaram com 30% do valor. Amorim também enfrentou, no início de 2008, índices alarmantes de inadimplência, fruto do sistema de pagamento por carnês, que atrai consumidores com perfil de má qualidade de crédito. A saída foi lançar um cartão de crédito próprio que hoje já se encontra nas mãos de 1,2 milhão de clientes. O futuro dono também receberá uma empresa com baixo nível de endividamento: R$ 68 milhões, menos da metade do Ebtida, índice bem abaixo da média do setor. Por outro lado, encontrará um estoque elevado, equivalente a R$ 435 milhões. Mais: a margem líquida da loja (0,8% em 2008) foi a pior registrada pela rede nos últimos três anos ? e o índice não tem passado de 2,5% desde 2007.

Segundo rumores, Lily e Monteverde querem R$ 1 bi pela rede, mas analistas acham o valor alto demais

Nada disso parece desanimar os candidatos à compra. Para cada um deles, o Ponto Frio serviria a um propósito (confira quadro Os candidatos à compra, na pág. 48). Três analistas do setor varejista ouvidos são unânimes em dizer que, entre os interessados, o Magazine Luiza não tem chances de fazer uma oferta de compra. ?Eles estão de olho numa fusão, se não com o Ponto Frio, com um parceiro capitalista?, disse uma fonte ligada às negociações. Seria uma forma, segundo ele, do grupo de Luiza Trajano ganhar escala e aplacar as dificuldades financeiras em que se encontra. Outros pretendentes têm motivos mais estratégicos. ?No caso da Insinuante (rede de varejo com forte presença no Nordeste) e da Lojas Americanas, a compra cairia como uma luva. Mas quanto aos outros interessados, ainda há muitos senões?, diz um analista de banco de investimentos. Para os supermercadistas Wal-Mart e Pão de Açúcar, há sobreposição de pontos ? o que exigiria fechamento de lojas. E nenhum dos dois grupos tem na venda de eletrônicos o seu grande foco. A DINHEIRO apurou que o Pão de Açúcar decidiu negar o interesse da empresa na varejista depois que Lily e Carlos Monteverde abriram o leilão. A supermercadista estava em contato com os controladores desde o final do ano passado. Pode ser mais interessante para Abilio Diniz esperar a poeira baixar. Por isso, o Pão de Açúcar encaminhou comunicado à CVM negando interesse na transação. Esse clima de ?leva quem pode mais? incomoda outros interessados. ?Não quero ganhar de ninguém, mas, sim, fazer um bom negócio. Quem fizer uma proposta maluca só para ter a rede, que fique com ela?, disse Luiz Sandoval, braço direito de Silvo Santos. ?Nossa proposta será firme e criteriosa, com base nas informações que vamos analisar. Se não conseguirmos adquirir a rede, continuaremos com nosso plano de expansão original.?

Para a Americanas, o problema reside no pagamento à vista, exigido pelos controladores. A companhia tem caixa magro hoje e sua preferência seria uma troca de ações com Lily e Carlos Monteverde. Mas essa opção se choca com o objetivo da dupla de sair definitivamente do negócio. Nessa lista de cortejadores, um investidor estrangeiro chama a atenção: Enrique Coppel, dono da rede mexicana Coppel. O empresário foi procurado pela Goldman Sachs no início deste ano. Com cerca de R$ 6 bilhões em vendas e mais de 700 lojas, a rede conseguiria com essa compra firmar o pé no mercado brasileiro de uma vez por todas. Mas a DINHEIRO apurou que o tamanho da operação assusta. A Coppel quase dobraria a sua receita do dia para a noite, atuando num mercado ainda desconhecido e extremamente competitivo. Até o momento, Insinuante (em parceria com André Esteves, do Banking & Trade Group), Lojas Americanas e o grupo Silvio Santos admitiram interesse no ativo. Outra que se colocou publicamente como candidatoa foi a rede chilena Falabella, presidida por Pablo Turner. A Insinuante informa em nota que fará ?uma proposta objetiva e formal para a rede”. Em comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Lojas Americanas informou que “iniciou, em caráter totalmente preliminar, uma análise de informações relativas” ao Ponto Frio. As nove redes sondadas pelo Ponto Frio nessa negociação foram procuradas. O Wal-Mart não se manifestou, assim como a Coppel, a Elektra e o Magazine Luiza. Nos próximos meses, um deles terá que obrigatoriamente se manifestar ? e esse grupo será o novo dono do Ponto Frio.

i106228.jpg