27/03/2020 - 10:30
Como se não bastasse o caos econômico e o colapso da saúde pública com a pandemia da Covid-19 algumas incertezas ainda rondam o Palácio do Planalto, em Brasília. Entre elas a relação de Henrique Mandetta (Saúde) e Paulo Guedes (Economia) – dois dos nomes mais fortes da equipe ministerial – com Jair Bolsonaro. Ambos, que nas últimas semanas tiveram pontos de conflito com o presidente da República evidenciam que o “casamento” pregado no início do mandato, pode não estar tão bom assim.
Com Paulo Guedes a tensão já acontece há alguns meses, principalmente após falas ríspidas do presidente sobre a condução econômica brasileira. De fato, a expectativa de Guedes, e do mercado, era que a economia tivesse uma reação mais forte no primeiro ano do governo, mas o tal crescimento não aconteceu – desde 2014 a economia do País não cresceu acima de 1,3% e em dois anos esteve em recessão. Desde o início do ano, Bolsonaro passou a dar alfinetadas no chefe da pasta econômica, a última delas no começo da semana passada.
Na segunda-feira 23 foi publicada a Medida Provisória 927, que tratava, entre outras coisas, do corte de salário de trabalhadores por até quatro meses durante a pandemia. A óbvia repercusssão negativa fez Bolsonaro retirar esse trecho da MP no dia seguinte e creditar o conteúdo “à confiança na equipe de Guedes”. Foi a deixa para que o ministro fosse passar uns dias em sua casa no Rio de Janeiro, gerando no mercado a dúvida sobre uma possibilidade de saída.
Depois de dois dias recluso, Paulo Guedes sinalizou que não tem a intenção de abandonar o governo, ainda que nos bastidores em Brasília interlocutores do presidentes confirmem haver certo “ciúme” por parte do presidente após Guedes ter se antecipado no anúncio das propostas econômicas sobre o coronavírus, o que deixou Bolsonaro desconfortável. “Ele queria ser o protagonista no enfrentamento. E tanto Guedes quanto Mandetta ganharam mais projeção”, disse uma fonte ligada ao ministro Paulo Guedes. Isso tudo acontece em meio aos panelaços contra o presidente que aconteceram nas últimas semanas. “Tudo isso afetou o presidente. Ele claramente está de mau-humor”, disse a fonte.
Segundo parlamentares aliados ao governo, o episódio do recuo sobre o corte dos salários foi culpa de Guedes. “A pasta deveria ter redigido de modo mais claro os artigos e ter mostrado formas de compensação por parte dos estados para suprir a renda que seria perdida”, disse um deputado da base aliada de Bolsonaro, que preferiu não se identificar. No mercado também já há um movimento para tentar precificar eventual saída do Posto Ipiranga do governo. Entre os nomes cotados estaria até o do atual presidente da Caixa, Pedro Guimarães. “Não acho que o governo tenha espaço para fazer isso nesse momento. Mas não acho que o Guedes termina o mandato com Bolsonaro”, diz o professor de macroeconomia da Universidade de São Paulo (USP) César Longo.
EFEITO NEGATIVO O acadêmico avalia que outro nome do mercado teria efeito negativo, similar ao do Joaquim Levy, ex-ministro do governo Dilma Rousseff. “Se a popularidade [de Bolsonaro] estiver baixa, nenhum nome será bem visto”. Para Paulo Dutra Constantin, coordenador do curso de economia da Faap, de São Paulo, Guedes não é a pessoa mas indicada ao posto que está. “Ele quer fazer as reformas custe o que custar, mesmo com o cenário exigindo uma condução diferente”, diz. “O tempo é de guerra, de depressão econômica. Como juntar a Crise de 1929 com a II Guerra.”
Outra saia justa envolve Henrique Mandetta, hoje o principal nome no combate ao coronavírus. Ele, que é visto com bons olhos pelo mercado da saúde suplementar, técnicos da saúde pública e tem recebido elogios nas redes sociais também foi alvo de desconforto com Bolsonaro, principalmente após o ministro posar ao lado do governador de São Paulo, João Doria Jr. (PSDB), na capital paulista. Segundo interlocutores do governo, o presidente teria pedido ao ministro que não aparecesse em imagens ao lado de Doria e Wilson Witzel (PSC), governador do Rio de Janeiro.
Semanas depois, um novo desconforto atingiu a Esplanada dos Ministérios após um pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional ir na contramão das orientações do ministro sobre o controle do coronavírus. Se para o presidente a pandemia é uma gripezinha, para o ministro, a questão do controle da transmissão é vital para que não haja um colapso ainda maior da saúde pública.
Tentando minimizar a potência das palavras do presidente, na quarta-feira 25 Mandetta disse que segue no cargo e que vai continuar a trabalhar com critério técnico, sempre. “Não vamos mudar um milímetro do nosso foco na vida. Não vamos perder o foco que já construímos”, afirmou. Segundo o ministro, uma eventual saída só aconteceria “na hora que acharem que eu não devo trabalhar, que o presidente achar, ou se eu estiver doente, o que é possível, ou no momento em que eu achar que esse período todo de turbulência tenha passado e eu possa não ser mais útil”. O Brasil contabilizava até quarta-feira 2.433 casos confirmados de Covid-19 e 57 mortes e, para o ministro, é normal que haja erros de calibragem dos estados e municípios na adoção de quarentena, mas não comenta se houve equívoco também na fala do presidente.