05/02/2003 - 8:00
Os computadores pessoais eram uma aventura de jovens cabeludos quando, no início da década de 80, a multinacional IBM resolveu apostar nessas máquinas. A entrada da gigante de tecnologia se mostrou determinante para a massificação dos PCs junto ao público consumidor. Graças à IBM outras empresas seguiram o mesmo caminho e hoje existem 600 milhões de computadores no mundo. Número que deve chegar a 1,1 bilhão de unidades em 2007. Duas décadas depois, a IBM se encontra em situação semelhante. A companhia decidiu que vai apostar alto em um oftware gratuito e sem dono, o Linux, o maior concorrente do Windows da Microsoft na área empresarial. E o alvo não é mais o consumidor final, e sim as grandes corporações que estão reduzindo drasticamente as suas compras tecnológicas e aceitando qualquer sugestão na área de barateamento de programas para os seus computadores. ?Vamos atrás do que o mercado deseja?, afirma Marcelo Braunstein, gerente Linux da IBM para a América Latina.
Por trás dessa decisão da IBM há um efeito multiplicador em todo o mercado de tecnologia. Só em parceiros que prestam serviços terceirizados, a multinacional tem 4 mil cadastrados que daqui em diante seguirão os passos da gigante. Dentro dessa lógica, a IBM reservou US$ 1 bilhão para desenvolver produtos baseados em Linux para os seus clientes. Esse anúncio foi feito há duas semanas em Nova York durante a LinuxWorld, a feira anual que reúne todos os interessados no assunto. Ações semelhantes acontecem na Hewlett-Packard, Compaq e Sun. Hoje o cenário ainda é pró-Windows, o sistema da Microsoft, mas o pinguim, símbolo do Linux, ganha popularidade numa rapidez que impressiona os analistas do setor de tecnologia. ?Você pode fazer o que desejar com o Linux sem a necessidade de pedir autorização ou pagar mais por essas mudanças?, afirma Carlos de Toledo, gerente da HP no Brasil. Essa capacidade de metamorfose é tão real que não existe um único Linux no mercado. Cada empresa pode ter o seu, como no caso da Sun Microsystems, que montou um Linux para atender a demanda corporativa, com pretensões de transformá-lo em um padrão.
No Brasil, a lista de companhias que fazem uso do Linux inclui a estatal Petrobras, a loja virtual Americanas.com, a companhia aérea Varig, as redes de varejo Casas Bahia e Lojas Renner, os bancos Banrisul e HSBC, a multinacional Unilever e a operadora Vésper. ?Há três anos ninguém queria ser o primeiro a apostar nesse software, mas hoje qual é o risco??, diz Luiz Esmanhoto, diretor da Vésper, que fez as mudanças por pressão dos acionistas interessados em reduzir os custos operacionais da operadora. É na tradicional Casas Bahia que está um dos mais interessantes casos de uso do software por uma grande companhia. Não há vestígios de outro sistema operacional no lugar. O Linux reina absoluto e sem concorrentes. O software comanda o estoque, a folha de pessoal, o setor de compras e todas as operações feitas nos caixas das 300 lojas do grupo no País. ?Antes as informações chegavam na minha mesa a cada três dias. Hoje sei o que preciso em questão de minutos?, afirma Michel Klein, diretor da Casas Bahia. ?Estamos mais ágeis.? O êxito da operação com Linux é tão significativo que a rede se transformou para a IBM no melhor exemplo na América Latina. Na quinta-feira 30, Klein retornou dos Estados Unidos onde falou da sua experiência para 160 executivos de empresas de varejo convidados da IBM. ?Provamos que uma companhia do nosso porte pode usar o Linux com sucesso?, diz Klein. ?Estou à disposição para mostrar o sistema de perto.?
Um dos projeto mais antigos no Brasil acontece no Metrô de São Paulo. São cinco anos de utilização de software livre em diversas áreas, incluindo os computadores dos funcionários que mandam e-mails, fazem planilhas e escrevem textos usando programas gratuitos. No ano passado, a empresa começou a fazer uso intenso do Linux nos micros de retaguarda, mais poderosos. ?Economizamos R$ 700 mil anuais, mas com outras mudanças chegaremos a R$ 1 milhão?, afirma Gustavo Mazzariol, gerente de tecnologia do Metrô. Semanalmente, Mazzariol é procurado por executivos de outras empresas interessados em esclarecer dúvidas sobre o Linux.
O grande mentor dessa nova filosofia é o americano Richard Stallman, para quem o software é uma criação coletiva e voluntária e ninguém poderá cobrar por ele. O que ele não previu é que sua criação iria gerar oportunidades de negócios que atraem as grandes marcas do setor de tecnologia. ?É um fenômeno recente, mas que em pouco tempo estará consolidado?, diz o professor da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Meirelles, que realiza uma pesquisa anual sobre o que as empresas estão usando na área tecnológica. Nesse ritmo, o Linux pode ter o mesmo destino dos PCs.