Brasil realiza mais de 790 lipoaspirações por dia e lidera ranking mundial de cirurgias plásticas. Apesar de ser considerado de baixo risco, procedimento estético pode ter complicações durante e depois da operação.Foi para eliminar gordura abdominal que a gerente de marketing Renata Junqueira Strada, de 38 anos, recorreu a cirurgia de lipoaspiração. O procedimento estético foi realizado em outubro do ano passado para remodelar o abdômen.

“Eu sempre tive uma relação difícil com o meu corpo. Fui magra, depois engordei um pouco e voltei a emagrecer. Mesmo fazendo musculação, a gordura abdominal não desaparecia, por isso decidi pela cirurgia. Eu queria me olhar no espelho e gostar do meu corpo”, conta.

Assim como Renata, outras 289 mil pessoas recorreram à lipoaspiração em busca de um corpo considerado ‘perfeito’ no ano passado no Brasil, o equivalente a pouco mais de 790 cirurgias por dia. O procedimento estético aparece no topo do ranking das cirurgias plásticas mais realizadas no país em 2024, segundo o último levantamento da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS).

A lipoaspiração ficou à frente de procedimentos como prótese de mama (232 mil), cirurgia nas pálpebras (231 mil) e abdominoplastia (192 mil).

Ainda segundo o levantamento, o Brasil lidera o ranking mundial de procedimentos cirúrgicos estéticos, com mais de 2,3 milhões de cirurgias realizadas em 2024. O número representa 75% dos procedimentos estéticos feitos no país, os outros 25% (769.245) são considerados não cirúrgicos como aplicação de toxina botulínica, preenchimentos e outras intervenções minimamente invasivas.

A popularização da lipoaspiração no Brasil não segue uma tendência mundial. Globalmente, a cirurgia estética mais procurada é a nas pálpebras (2,11 milhões de procedimentos), que ultrapassou a lipoaspiração pela primeira vez, que teve 2,08 milhões de procedimentos realizados. Em seguida aparecem o aumento de mamas (1,65 milhões), a revisão de cicatriz (1,1 milhões) e a rinoplastia (1,08 milhões), completando o ranking dos cinco procedimentos cirúrgicos mais realizados no mundo.

Por que lipoaspiração é tão popular

Especialistas apontam que a popularidade da lipoaspiração não é por acaso e reflete fatores culturais. O Brasil tem uma forte tradição de valorização da aparência física, impulsionada pelo clima tropical, pela mídia, redes sociais e pela influência de celebridades que expõem resultados de cirurgias e procedimentos estéticos como sinônimo de sucesso pessoal.

“A mídia social coloca essa cirurgia plástica como mais um item de desejo, como mais um item de qualidade de vida e isso leva a um aumento do número de procedimentos e aumento da procura”, avalia Daniel Regazzini, cirurgião plástico e diretor de Comunicação da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP).

Além disso, a ampliação do acesso com preços competitivos tem contribuído para o aumento do número de procedimentos. É comum encontrar pacotes de lipoaspiração sendo oferecidos em consórcios, com parcelamento facilitado e campanhas publicitárias com “antes e depois” circulam nas redes, despertando o desejo.

“É uma cirurgia que dá resultados espetaculares, mas precisa ser bem indicada, ou seja, não é uma cirurgia para ser realizada em paciente obeso. Paciente que está acima do peso, precisa emagrecer e estar em seu peso ideal. Somente depois é indicado retirar as gorduras localizadas com lipoaspiração”, explica Marco Cassol, cirurgião plástico.

Como é feito o procedimento e os riscos

Segundo especialistas, a lipoaspiração é uma intervenção de baixo risco. No procedimento, são utilizadas cânulas que fazem a retirada da gordura localizada, fazendo o contorno corporal.

“Atualmente, essas cânulas são conectadas a um aparelho elétrico também que fazem uma vibração, com isso removem a gordura com muito mais facilidade, diminuindo o trauma nos tecidos, diminuindo as dores no pós-operatório e fazendo uma retirada muito mais controlada e segura”, explica Rodrigo Mangaravite cirurgião plástico e membro do hospital Israelita Albert Einstein.

Nos últimos anos, as técnicas de lipoaspiração evoluíram, com o surgimento de versões menos invasivas, como a lipo HD e a lipoaspiração a laser, que prometem resultados mais precisos e recuperação mais rápida. Ainda assim, especialistas alertam que todas são consideradas intervenções cirúrgicas e têm riscos.

Apesar de ser considerado um procedimento de baixo risco, é necessário o uso de anestesia, demanda que o paciente esteja com boa saúde e faça exames pré-operatórios. Além disso, ela deve ser realizada apenas por cirurgião plástico e em ambiente hospitalar preparado para lidar com complicações. O volume máximo de gordura retirado de um paciente não deve ultrapassar 10% do seu peso corporal, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.

“Os riscos do procedimento vão desde perfuração na região do abdômen, a lesões de pele, como queimaduras e deformidades estéticas com retirada excessiva de gordura. Essas são as complicações mais graves”, acrescenta Mangaravite.

O pós-operatório também é uma etapa delicada. É preciso usar cinta compressiva por algumas semanas, evitar esforços, fazer drenagens linfáticas com profissionais habilitados e manter acompanhamento médico. Quando essas orientações não são seguidas, há risco de acúmulo de líquidos, infecção, fibroses e irregularidades na pele.

“Outros riscos incluem sangramento, anemia, trombose e infecção. Também pode ter sofrimento de pele numa lipoaspiração muito agressiva, pode ter embolismo gorduroso, quando for realizado um enxerto de gordura e esses procedimentos podem ter um desfecho muito negativo. Então, os riscos estão muito relacionados ao exagero”, acrescenta Fernando Amato, cirurgião plástico membro da SBCP.

Apenas médico pode realizar a lipoaspiração

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica reforça que apenas cirurgiões plásticos podem realizar esse tipo de procedimento. O paciente deve verificar antes de fazer a cirurgia se o profissional é membro da entidade, confirmar se ela será feita em hospital com estrutura adequada e realizar todos os exames pré-operatórios indicados.

Para verificar se o profissional está habilitado para fazer esse tipo de procedimento, o paciente pode entrar no site da SBCP, no campo “Encontre Um Cirurgião”, e digitar o nome do médico. Todos os profissionais que são membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica têm o nome e cadastro completo na plataforma.

“Existe uma exploração de não especialistas em cirurgia plástica e de não médicos aproveitando dessa popularização e tentando fazer procedimentos, inclusive em ambientes não adequados, não cirúrgicos. Isso pode sim ser um grande risco à vida do paciente. Então não cabe a um farmacêutico ou um biomédico fazer uma lipoaspiração”, reforça Amato.