Desde o último sábado (18), portais de notícias e redes sociais foram inundados com atualizações sobre as consequências das chuvas que assolaram o litoral Norte de São Paulo. Até a noite de quarta-feira (22) havia 48 mortes, ao menos 50 desaparecidos, 1.730 desalojados e 766 desabrigados. Os dados são do governo de São Paulo, que também informa que os 682 milímetros registrados representam o maior acumulado de precipitações que se tem registro no País. A tragédia atingiu a todas as classes sociais, mas, desta vez, não sem distinção.

Na hora que a água desceu os morros, árvores, lama e pedras invadiram as casas independentemente do seu tamanho, da renda familiar de quem ali habitava ou do saldo bancário do proprietário. A distinção está se mostrando nos dias que se seguem aos grandes deslizamentos e enxurradas. Galão de água a R$ 98. Via de saída: helicóptero por R$ 30 mil. Reconstrução das casas: valor indeterminado. Não dá para falar que a tragédia é a mesma para todos.

Diante da realidade, é difícil negar que os eventos climáticos extremos precisam ser analisados em conjunto à injustiça social. Os pobres sofrem mais. Na tragédia do litoral de São Paulo, quem mora no morro perdeu sua única casa, o único carro, os móveis comprados durante uma vida. Para outra parte dos afetados, o prejuízo é na casa da praia, de temporada, aquela que se usa em algumas situações do ano. Não é questão de minimizar a dor do turista, mas sim de enxergar que a qualidade do estrago para quem mora em áreas vulneráveis por falta de opção é diferente. Esse é o ponto da justiça ou injustiça social que é decorrente da desigualdade social.

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De acordo com o documento Mudanças Climáticas 2022: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade, produzido pelo grupo de trabalho II do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), secas devastadoras, calor extremo e inundações recordes já ameaçam a segurança alimentar e os meios de subsistência de milhões de pessoas. “Desde 2008, inundações e tempestades catastróficas forçaram mais de 20 milhões de pessoas por ano  [no mundo] a deixarem suas casas”, pontuou o documento que ainda traz a informação de que metade da população mundial enfrenta insegurança hídrica em pelo menos um mês a cada ano.

No Brasil, enfrentamos situações de calamidade pública por excesso de chuva de forma recorrente todos os anos especialmente nos meses de verão. Rio de Janeiro, Pernambuco, São Paulo… os estados vão se revezando. O que se vê nesses dias de tragédia é a formação de correntes humanitárias de ajuda. Empresários se unem a entidades, ONGs e à população em doações de dinheiro, remédios, roupas e até helicópteros são emprestados. A generosidade, sempre bem-vinda, floresce. Mas é temporária. Em algumas semanas, as notícias ficarão relegadas às páginas internas dos portais de notícias, enquanto a dor das vítimas permanecerá e com ela a certeza de que não serão as últimas.

Vivemos uma espécie de “Dia da Marmota”, em que o mesmo roteiro se repete a cada raiar do sol, e de tragédia anunciada. Para quebrar essa dinâmica, precisamos hackear o sistema, mudar o modus operandi e criar ferramentas para proteger nossos cidadãos dos eventos climáticos extremos. Isso passa necessariamente por controlar a temperatura do planeta e também por reduzir as desigualdades sociais. O planeta é um só.