24/07/2015 - 19:00
A expressão “tempo é dinheiro” está arraigada na vida do americano Jordan Belfort desde a juventude. Dos 24 aos 36 anos, ele era um talentoso operador do mercado financeiro dos Estados Unidos, que aproveitava todos os minutos que tinha para convencer investidores sobre o valor de uma ação e suas chances de riqueza. Belfort dispunha de uma incrível capacidade de argumentação e não tinha tempo a perder e nem a disposição de perder uma venda, por menor que fosse o seu valor. Seu início de carreira ficou marcado por lucros de US$ 1 milhão semanais.
Agora, aos 53 anos, seu relógio continua sendo um personagem importante nas palestras motivacionais que realiza ao redor do mundo. Ele utiliza os 60 minutos com precisão inglesa no controle da duração de suas intervenções, embora sua origem seja o bairro do Bronx, em Nova York. Belfort não antecipa nem estende a apresentação – sua hora custava US$ 30 mil, há dois anos (o valor atual não é divulgado). De passagem pelo Brasil para dois eventos, em Recife, na sexta-feira 24, e em São Paulo, no domingo 26, Belfort prometia mostrar como se tornou o Lobo de Wall Street.
“Persuasão é um talento belo e necessário, que qualquer um tem”, disse ele em entrevista à DINHEIRO (leia entrevista ao final da reportagem). O discurso atual de Belfort pouco tem a ver com sua história. Ele defende a ética nos negócios e usa seu passado como exemplo de mau comportamento. O enredo se encaixa perfeitamente na linha da autoajuda, que explora frases de efeito como estratégia de motivação e venda (veja o quadro ao lado). E ele é bom nisso. Mais do que isso: ele é um craque. Belfort não escolheu aleatoriamente o título Lobo de Wall Strett para suas memórias escritas no cárcere.
A força dessa autodenominação ajuda em sua promoção. No entanto, ele nunca foi chamado de lobo, nem nunca trabalhou em Wall Street, o endereço símbolo da bolsa de valores de Nova York. Seu banco de investimentos, o tristemente célebre Stratton Oakmont, ocupava um galpão abandonado do Queens. A pretensão não era competir com gigantes como Merryl Lynch ou Goldman Sachs, mas atuar num mercado que esses bancões desprezavam. A firma de Belfort era especialista em negociar paéis de empresas com cotação inferior a um dólar na bolsa, as chamadas penny stocks.
No auge da sua fama, no início dos anos 1990, havia mais de mil corretores de ações tentando convencer poupadores que, para ser milionário, era preciso comprar as migalhas. Por esse motivo, Belfort passou a ser chamado de Robin Hood distorcido, que tirava dos ricos para distribuir entre ele e seu alegre bando de sócios e funcionários. Para vender sua história de redenção, Belfort sabia por que era melhor ser um lobo. Antes da sua autobiografia ser lançada, o filme Boiler Room (O Primeiro Milhão, em português), de 2000, tinha como inspiração seu fracasso profissional.
O entretenimento, porém, gosta de glamour e Belfort acertou a estratégia: seu livro foi adaptado para o cinema pelo diretor Martin Scorsese, com o ator Leonardo DiCaprio no papel principal – o filme arrecadou quase US$ 400 milhões nas bilheterias de todo o mundo, contra menos de US$ 30 milhões da versão anterior. “As histórias sobre o mercado financeiro estão sempre associadas à riqueza, nunca aos fracassos”, diz Alexandre Póvoa, presidente da gestora Canepa Asset Brasil e autor do livro “Mundo Financeiro, o Olhar de um Gestor”. “Mas esse sucesso é para uma minoria, porque a ganância ultrapassa todos os limites racionais.” Belfort era assumidamente ganancioso e chegou a acumular uma fortuna de US$ 8 bilhões.
Seu negócio, porém, não era totalmente honesto. Uma das estratégias da Stratton era esconder as penny stocks em contas secretas, vendê-las sem parar e, em seguida, despejá-las no mercado, embolsando um enorme lucro e prejudicando os investidores. A Securities and Exchange Commission (SEC, a xerife do mercado americano de capitais) acusou a Stratton, celebrada como a mais selvagem corretora da bolsa de Nova York, de fraude e manipulação. Somente essa operação de ações ilíquidas deixou um prejuízo de US$ 200 milhões aos patos seduzidos pela lábia e pelas promessas de Belfort e sua gangue.
Com as investigações, ela foi à falência e Belfort foi condenado a quatro anos de prisão, dos quais cumpriu menos de dois, e obrigado a devolver mais de US$ 110 milhões ao fundo das vítimas de seus crimes financeiros. “Casos como esse realmente são difíceis de acontecer, mas não impossíveis”, afirma Leonardo Pereira, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM, a SEC brasileira). “Por isso, é preciso promover a educação do investidor, estimular melhores práticas de governança e buscar informações sempre claras e objetivas.” O Lobo de Wall Street tem de ser ouvido, mas como uma incrível história de ficção.
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“Se as pessoas não querem fazer negócios comigo, elas não podem fazer com ninguém no setor financeiro”
Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, Jordan Belfort fala sobre confiança nos negócios, manipulação, erros e quem seria o vencedor numa disputa com Gordon Gekko, o personagem interpretado por Michael Douglas no filme “Wall Street”
Por Ralphe MANZONI JR.
DINHEIRO – É justo dizer que sua reputação o precede, especialmente desde que a sua biografia “O Lobo de Wall Street” e o filme de Hollywood baseado no livro documentaram o período mais escandaloso da sua vida. Como o sr. conquista a confiança das pessoas nos negócios, quando elas sabem do que é capaz de fazer?
JORDAN BELFORT – Primeiramente, creio que a maioria das pessoas sabe que o que eu estava fazendo era muito menos destrutivo do que acontecia em outras firmas, aquelas que provocaram o colapso das economias da Islândia e da Grécia. Se elas não querem fazer negócios comigo, elas não podem fazer negócios com ninguém no setor financeiro e estão perdendo um monte de oportunidades. Pessoalmente, porém, sou o mais transparente possível. Qualquer um que tenha feito negócios comigo, neste período mais recente da minha vida, sabe que não ultrapasso qualquer limite ético. Eles veem isso nas minhas ações e nas minhas escolhas. Eu me coloco à prova todos os dias. E, na medida em que estou provando quão ético sou, simultaneamente estou provando como é grande o meu conhecimento nos negócios. Provo o que eu sou capaz de fazer, com ética, todos os dias.
DINHEIRO – O que o sr. achou da adaptação do diretor americano Martin Scorsese do livro para o cinema?
BELFORT – Ele fez um trabalho brilhante de criação de um filme agradável e divertido sobre a ganância. Foi uma absoluta reprodução do livro sobre a minha vida? Não. Mas isso não o torna um filme menor.
DINHEIRO – A arte da persuasão é uma área cinzenta. Ela pode envolver algumas formas de manipulação ou talvez, de modo exagerado, para servir aos seus propósitos. Como o sr. determina o que é ou não é ético?
BELFORT – Se você está tentando vender alguma coisa a alguém e essa pessoa não precisa, não quer ou não pode pagar, você cruzou a linha. Abro uma exceção à afirmação de que a persuasão é uma área cinzenta. Não é mais cinza do que qualquer coisa colorida pela experiência humana. Persuasão é um talento belo e necessário, que qualquer um tem.
DINHEIRO – No filme, quando o sr. chega à firma de penny stock (ações que valem menos de um real, no Brasil), todos os profissionais estão completamente envolvidos ao ouvir seu desempenho ao fazer seu discurso de vendas pelo telefone e como é bem-sucedido com o primeiro cliente. Aquela habilidade parece de uma arrogância inata. O sr. realmente acredita que é algo que possa ser ensinado?
BELFORT – Absolutamente. E faço isso todos os dias em meus seminários e treinamentos.
DINHEIRO – Quanto do estilo festivo de Wall Street ainda existe, atualmente?
BELFORT – Creio que alguém acabou de escrever outro livro sobre o assunto, baseado num blog. Atualmente, ainda existem festas, mas elas são diferentes das festas que existiam nos anos 1980 e 1990. São as festas como têm de ser em 2015.
DINHEIRO – Numa disputa, quem venceria: Jordan Belfort ou Gordon Gekko, o personagem do filme Wall Street, estrelado pelo ator Michael Douglas?
BELFORT – Depende em qual tipo de disputa. Até a morte? Gordon Gekko. Agora, eu desenho a linha ética. Se fosse uma batalha de inteligência ou de conhecimento de negócios, eu me escolheria sempre, em qualquer tempo.
DINHEIRO – Qual é o seu maior arrependimento diante do colapso da sua vida pessoal e da sua empresa?
BELFORT – O fato de que qualquer das minhas escolhas me levou à prisão e me manteve distante de meus filhos. É, facilmente, o meu maior arrependimento.
DINHEIRO – Onde a Stratton Oakmont errou?
BELFORT – Foi ter sido apanhada em sua própria estratégia de enfatizar o seu produto. A Stratton Oakmont foi uma ideia brilhante e um grande negócio. Nós apenas levamos o nosso sucesso muito longe, com custo ético, por querermos ser rápidos.
DINHEIRO – Quando se trata de investir, principalmente no mundo das penny stocks, qual é o seu conselho para ficar distante de pessoas como o sr?
BELFORT – A internet é uma ótima ferramenta nos dias de hoje. Não há desculpa para não fazer sua própria investigação, antes de investir em qualquer companhia. Eu também diria às pessoas para nunca investir mais do que elas estão dispostas a perder.
DINHEIRO – No passado, o sr. vendia ações sem valor. Agora, vende-se como orador. O que o sr. tem a ensinar?
BELFORT – Primeiramente, nem todas as ações eram sem valor. Essa é uma afirmação errada. Muito do que fizemos na Stratton era completamente legítimo. A manipulação de algumas ações é que foi ruim. Minha apresentação tem em seu âmago a ideia de que você não pode sair da linha ética verdadeira e duradoura, para ter sucesso.
DINHEIRO – Com os consumidores cada vez mais sensíveis, o sr. acredita que suas táticas de vendas são eficazes?
BELFORT – O sistema de linha reta é a maior e mais elegante forma de persuasão. É atemporal.
DINHEIRO – O sr. pode nos ensinar como vender mais revistas?
BELFORT – Numa resposta curta, sim. Uma resposta mais longa é que eu precisaria ver sua estrutura, sua visão e sua atual estratégia. Nós podemos conversar, se você quiser. Meu chefe de vendas entrará em contato.
DINHEIRO – O sr. perguntará a alguém como vender-lhe uma caneta, em suas apresentações no Brasil?
BELFORT – Teremos de esperar e ver, não teremos?