“É uma parte de nós que vamos perder”, afirma Kabay Tamu. Quando o mar inundar sua pequena ilha de corais, sua terra e cultura correm o risco de desaparecer, assim como outras em todo planeta.

Kabay Tamu, de 28 anos, é um morador de Warraber, pequena ilha de quase 40 hectares e de menos de 300 habitantes entre a Austrália e Papua Nova Guiné.

“Vemos claramente os efeitos da mudança climática, o aumento do nível do mar, a erosão que leva nossa terra, com a qual temos uma profunda conexão cultural e espiritual”, relata Tamu por telefone à AFP.

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicado nesta quarta-feira (25), destaca a possibilidade de que algumas ilhas se tornem inabitáveis. Não necessariamente porque ficarão debaixo d’água, e sim porque as repetidas inundações contaminarão a água doce.

“Diante desta perspectiva sombria, cada um tem uma escolha pessoal”, destaca Kabay Tamu.

Para ele e sua família, partir não é uma opção. “Perderíamos nossa cultura”, justifica, ao mencionar as terras sagradas onde seu povo, que vive na ilha há milhares de anos, pratica diversas cerimônias e rituais.

A questão dos deslocamentos de moradores relacionada com a mudança climática é abordada nos aspectos prático, político, econômico e logístico. “Mas no que diz respeito ao aumento do nível do mar, devemos reconhecer que é uma questão totalmente diferente”, destaca Bina Desai, do Observatório de Situações de Deslocamento Interno (IDMC).

“Não há retorno. É uma realocação, não apenas física, mas também cultural e espiritual”, prossegue, ao citar a resistência de alguns à ideia de “partir sem seus antepassados” enterrados no local. O desafio é antecipar o possível deslocamento de populações inteiras “sem perturbar a identidade de sua cultura”, afirma.

É mais fácil falar do que fazer, porém, quando esta identidade está profundamente arraigada na relação com o meio ambiente imediato, como alegam muitos povos indígenas, tanto nas pequenas ilhas do Pacífico como nas zonas geladas do Ártico.

– Povo forte –

“O povo sami pertence ao Sapmi (Lapônia) tanto como o Sapmi pertence ao povo sami”, explica à AFP Jannie Staffansson, do Sami Council, que representa este povo do norte da Escandinávia.

Os sami já observam os danos do aquecimento global em seu território, onde a neve desaparece, e as renas têm dificuldades para encontrar comida. “Parte o coração observar os animais lutando”, desabafa Staffansson.

“Se perdermos as renas, perderemos grande parte da nossa cultura”, completa.

O mesmo acontece do outro lado do Oceano Ártico, com os inuit do Alasca e do Canadá. “As comunidades inuit querem manter seu estilo de vida e a vitalidade de uma cultura baseada na caça”, insiste Dalee Sambo Dorough, membro do Inuit Circumpolar Council, que representa os 160.000 inuit.

Quando são perguntados sobre a possibilidade de partir, para ela a resposta é óbvia. “De maneira alguma. O Ártico é nossa pátria”, afirma.

Ela admite que será necessário transferir parte dos habitantes, já que o gelo provavelmente cederá, mas aposta na adaptação dos inuit à adversidade. “Nosso povo é muito forte, conseguimos sobreviver no Ártico”, aponta.

O mais recente relatório do IPCC ressalta que a mudança climática representa um golpe “na identidade cultural dos habitantes do Ártico”, especialmente os povos indígenas. O documento vai além e também menciona o perigo iminente para os valores culturais e para a beleza das paisagens, vítimas do degelo em zonas de montanhas.

A cultura não está necessariamente ligada à terra e à natureza. Anders Levermann, do Instituto do Clima de Potsdam, questiona o futuro das megalópoles costeiras ameaçadas a longo prazo pelo aumento do nível do mar.

“Hong Kong é hoje um farol da democracia na China; Nova Orleans, um verdadeiro bastião cultural; Nova York, um lugar importante para os negócios. Hamburgo, Calcutá, Xangai… Perderemos todas estas cidades se não reduzirmos as emissões de CO2”, alerta.