21/01/2004 - 8:00
Para muita gente, a Companhia Vale do Rio Doce é apenas a maior empresa de mineração do País. Poucos sabem que a Vale também é a maior transportadora de soja do Brasil. No ano passado, passaram pelos trilhos da empresa cerca de 3,2 milhões de toneladas de grãos em direção ao Porto de Tubarão, no Espírito Santo. Hoje, a Vale se transformou na maior empresa de logística do País. Sozinha ela é dona de 17 mil quilômetros de malha ferroviária brasileira, responsável por 14,2% da movimentação de cargas no Brasil e por 53,3% da movimentação portuária de granéis sólidos. E nos primeiros noves meses de 2003, o seu faturamento de transportes foi de US$ 685 milhões ? cerca de 25% do total da companhia. Com números desse porte, não é surpresa que duas das maiores preocupações na empresa sejam locomotivas e vagões.
Hoje o Brasil vive um boom no setor ferroviário. ?Foi um susto positivo que o mercado tomou?, disse Guilherme Laarger, diretor-executivo da área de Logística da empresa. Antes da privatização, em 1997, a participação dos trens no transporte de cargas no País era de 17%. Agora, a movimentação via trilhos responde por 26% do total. E com crescimento em média de 20% ao ano. O resultado é que falta de tudo no setor ferroviário. As poucas fabricantes de vagões que resistiram aos anos de sucateamento correm contra o tempo para atender os pedidos. Só a Vale tem encomendas de 5 mil vagões no mercado brasileiro. A questão das locomotivas é mais grave. Elas são importadas e cada uma custa US$ 2 milhões. Por esse preço, é natural que a Vale queira ver locomotivas 100% nacionais rodando pelo Brasil. No momento, a empresa negocia com a Weg, uma das maiores fabricantes brasileiras de motores e geradores, o desenvolvimento de uma tecnologia brasileira na construção de locomotivas. A mineradora já desenvolveu dois protótipos nas oficinas da empresa em Vitória. ?A idéia é que o Brasil tenha a tecnologia para construir uma locomotiva 100% nacional?, afirma Roger Agnelli, presidente da empresa. O esforço da Vale em nacionalizar sua frota ferroviária vai na mesma direção de muitas outras empresas brasileiras. O Instituto de Desenvolvimento Industrial calcula que o Brasil já economizou mais de R$ 10 bilhões desde 1999 nacionalizando peças e componentes que antes eram importados.
Reformas. Enquanto o projeto ainda não ganha os trilhos, a Vale adota um caminho intermediário. No ano passado, 32 locomotivas usadas, importadas dos EUA, foram reformadas nas oficinas da empresa. Cada uma ao custo total de US$ 600 mil ? 70% mais barato que uma máquina zero quilômetro. E no prazo de 45 dias elas já estarão na malha ferroviária. As reformas só foram possíveis porque um grupo de 20 engenheiros criou uma tecnologia inédita. Foi a primeira vez na história do Brasil ? talvez no mundo ? que locomotivas fabricadas para rodar em um tipo de estrada de ferro foram modificadas para outra modalidade de trilhos. Em 2004, outras 66 locomotivas vão ser repaginadas. No front dos vagões, a empresa tomou uma medida emergencial: encomendou 1,1 mil unidades para duas empresas chinesas. Há cerca de um mês as primeiras 62 unidades foram entregues. O resto virá ao longo de 2004. E mesmo com os novos vagões, a companhia continuará sufocada. ?Para este ano já estamos com a agenda lotada?, diz Laager. Hoje, qualquer empresa que queira contratar os serviços da Vale tem de negociar com um mínimo de um ano de antecedência. A Vale também está mirando na expansão da produção de vagões no Brasil. Neste momento, a companhia está fazendo o papel de cupido, aproximando chineses e possíveis empresas brasileiras. ?Estamos negociando com parceiros locais uma joint-venture?, confirmou à DINHEIRO Zhao Xiaogang, presidente da CSR, uma das fornecedoras dos vagões chineses. Ele não revela nomes nem valores, mas acredita que a negociação deve estar concluída em três meses. Pelo jeito, o futuro da Vale estará tanto nos trilhos como nas minas.