Magro, baixo, voz pausada, gestos discretos, calça e paletó pretos sobre uma camisa azul-marinho sem gola ? já na aparência Justino Scatolin revela a dedicação ao sacerdócio. Até aí é fácil. Difícil é imaginar que o discreto padre Justino é responsável pela gestão financeira de uma dinheirama muito superior aos donativos que os fiéis depositam nas sacolinhas durante a missa. Principal dirigente dos hospitais da Província Camiliana do Brasil, padre Justino administra uma receita anual de R$ 300 milhões. Sob sua responsabilidade estão 28 hospitais espalhados por todo o País. Nos consultórios e nas salas dos hospitais São Camilo, são realizados anualmente 3,5 milhões de exames e 1,7 milhão de consultas. Seus dois mil leitos abrigam 140 mil pacientes a cada ano. Cerca de 25 mil crianças nascem ali. Agora, o padre Justino prepara-se para ampliar esses números. A maior unidade dos camilianos, localizada no bairro da Pompéia, em São Paulo, receberá investimentos de R$ 30 milhões para duplicar sua capacidade. Segundo a doutrina de padre Justino, a expansão é uma necessidade. ?Precisamos ganhar escala?, diz ele. ?Nossos custos devem ser menores do que hoje.?

Na verdade, padre Justino tem a difícil missão de conciliar os cânones da gestão empresarial com os princípios cristãos que norteiam as atividades dos camilianos ? e isso diferencia o
São Camilo de outras redes hospitalares particulares. Os três hospitais de São Paulo são obrigados a gerar receita suficiente para manter sua própria estrutura e sustentar as outras 25 unidades. Localizados em pequenas cidades do interior, como Resplendor (MG), Nova Venécia (ES) e São José de Balsas (MA), esses hospitais não têm, e certamente nunca terão, condições de sobreviver com os próprios recursos. P
or isso, cabe às unidades da capital paulista promover uma espécie de milagre da multiplicação dos lucros para que os primos pobres possam viver com dignidade.

O caminho da salvação, então, é o aumento do faturamento no braço paulistano do grupo. Para isso, o São Camilo terá de conquistar a boa vontade dos planos de saúde, importante fonte de receita do sistema de saúde hoje em dia. ?Mas quem se encarregará dessa tarefa para nós será o cliente?, diz Valdesir Galvan, diretor geral do São Camilo. ?A qualidade de atendimento será tão boa que o cliente só aderirá ao plano de saúde se ele tiver convênio com nosso hospital.? É o que acontece com grifes da área de saúde, como Laboratórios Fleury e o Hospital Albert Einstein. A marca de qualidade está associada a eles. E nenhuma empresa de medicina de grupo ousa abrir mão deles. No caso do São Camilo, a revelação veio há muito tempo, 12 anos atrás. Na ocasião, o apresentador de televisão Celso Russomano acusou publicamente o São Camilo de negligência médica no socorro à sua mulher. Russomano ficou viúvo no episódio, construiu uma carreira política, e o hospital jamais livrou-se da imagem de um centro de mau atendimento aos pacientes. Desde então, o hospital investiu US$ 20 milhões em tecnologia nos últimos 10 anos. ?Renovamos o parque tecnológico a cada três anos?, garante o médico Wilson Pollara, diretor clínico do São Camilo. ?Nosso nível não fica abaixo de nenhum outro complexo hospitalar.? Só no ano passado, duas cirurgias de redução de estômago realizadas no São Camilo foram transmitidas via satélite, ao vivo, para congressos médicos nos EUA. Os indicadores também melhoraram, e muito, segundo o dr. Pollara. O índice de infecção hospitalar encontra-se em 1,5%. O aceitável, segundo a Organização Mundial da Saúde, é de 3,5%. O tempo de internação caiu para 3,6 dias, enquanto a média no setor é de 4,5 dias.

O que falta, então, para que o São Camilo atinja o reino dos céus? ?Atendimento de boa qualidade entre médicos e pacientes?, responde o consultor Paulo Rosa, especializado em recursos humanos e contratado pelo São Camilo para conduzir esse trabalho. ?Queremos levar o cliente a transferir sua fidelidade do plano de saúde para os médicos.? O primeiro passo foi uma pesquisa junto ao corpo médico. Houve respostas estimulantes. Mais de dois terços dizem que o hospital possui tecnologia avançada e evolui nesse campo. Mas também há conclusões preocupantes. Mais de 55% deles acham que o tempo para atender o paciente não é suficiente.

A partir daí, uma espécie de acordo foi fechado com os médicos. Eles terão que investir em um relacionamento mais amigável com os clientes. Em contrapartida, terão suas principais reivindicações atendidas, entre elas mais diálogo com a cúpula do hospital e remuneração mais atraente. ?O São Camilo tem todos os elementos para se tornar um centro de excelência na área médica: equipamentos de última geração e médicos de excelente formação e experiência?, diz o consultor Rosa. ?Falta aprimorar o atendimento de modo que o cliente faça a propaganda do hospital.?