22/06/2004 - 7:00
EMPREGOS Mercedes abriu 550 novas vagas na produção
Há um fenômeno nas estradas brasileiras. Basta olhar para as vendas de caminhões, que subiram 25% nos cinco primeiros meses do ano. É pouco? As exportações do setor cresceram nada menos que 170%. Isso não basta? Pois quase todas as montadoras voltaram a contratar pessoal, graças às encomendas feitas pelas transportadoras. Um exemplo: na última semana, o executivo Oswaldo Castro, diretor da transportadora Expresso Araçatuba, assinou um cheque de R$ 13 milhões. Comprou 112 caminhões novos, no maior investimento feito pela empresa em três anos. ?Estamos renovando a frota porque o mercado interno está reagindo?, disse Castro à DINHEIRO. Assim como ele, Edilson Binotto, um transportador de Santa Catarina, investiu R$ 15 milhões e arrematou 120 caminhões Volks para transportar alimentos e embalagens. ?Antes era só a agricultura que andava; agora o resto da economia também ajuda?, afirma. O setor de alimentos, foco da empresa de Binotto, já cresceu 4% nos quatros primeiros meses do ano.
O RETORNO Depois de três anos, Castro comprou 112 caminhões
Na indústria de caminhões, todas empresas soltam rojões. A Mercedes-Benz, por exemplo, vendeu 17,6% a mais nos cinco primeiros meses do ano. A Volks, que disputa com a Mercedes a liderança do mercado, cresceu 10,2%. As suecas Volvo e Scania avançaram, respectivamente, 50% e 33,2%. E a Ford ganhou mais 22,9% nesses primeiros cinco meses. Juntas, as montadoras já faturaram quase R$ 5 bilhões neste ano no segmento de caminhões. E muitas têm até fila ? só entregam os caminhões a partir de setembro. ?O ano está tão bom que contratamos 555 pessoas?, conta Gilson Mansur, diretor de vendas da Mercedes, que irá lançar oito novos modelos até o fim do ano. A Scania, que contratou outras 200 pessoas, já revê seus números ? e, claro, para cima. ?Antes achávamos que o mercado de caminhões pesados, no qual atuamos, seria de 17 mil veículos em 2004?, revela Hans-Christer Holgersson, presidente da Scania para a América Latina. ?Mas não ficará abaixo de 20 mil unidades.? O espetáculo da carga pesada também influi na cadeia de autopeças. A Facchini, que produz carrocerias no interior de São Paulo, prevê crescer 30% em 2004.
O fenômeno de crescimento da indústria de caminhões pode ser dividido em três fases. A primeira começou no ano passado, com o salto espetacular das exportações. Depois, na segunda etapa, a expansão do setor esteve indiretamente ligada à exportação, pois os maiores clientes das montadoras eram agricultores que vendiam sua produção no mercado externo. ?O agronegócio vinha muito aquecido e nos trouxe resultados fantásticos?, revela Antônio Maciel Neto, presidente da Ford. A multinacional tem um dos produtos mais vendidos no segmento, o seu caminhão de 43 toneladas. Agora chegou a terceira onda: a do mercado interno. ?Os setores de bebidas, construção civil e até aqueles que transportam de tudo estão puxando as vendas?, afirma Roberto Cortes, vice-presidente mundial da Volkswagen para caminhões. Ele tem razão. Dados divulgados pelo IBGE na quarta-feira 16 indicaram que as vendas de móveis e eletrodomésticos subiram 32,7% neste ano. Já o comércio de veículos e motos cresceu 13,27%. E as vendas de perfumes e produtos farmacêuticos aumentaram 9,59%. Num país como o Brasil, em que quase toda a malha de transporte é rodoviária, nada disso sai das linhas de produção e chega às prateleiras do comércio sem os caminhões.
O ritmo acelerado do setor também está premiando as empresas que decidiram investir. Uma delas foi a Iveco, do grupo Fiat, que aplicou R$ 30 milhões numa nova linha de produção em Sete Lagoas, Minas Gerais. ?Vamos produzir a plena capacidade?, comemorou o engenheiro Jorge Vicente Garcia, presidente da Iveco América Latina. O mesmo está acontecendo nas empresas de logística, que aumentam a capacidade para ganhar espaço no mercado de transportes. Luciando Luft, proprietário do grupo Luft, apenas espera fechar novos contratos no setor petroquímico e de autopeças para dobrar suas encomendas com as montadoras. Em média, Luft compra entre 200 e 240 caminhões da marca Mercedes-Benz por ano. Se tudo der certo, em 2004, ele irá arrematar 400 unidades. ?Há perspectiva real de crescimento do PIB em 2004 e, para cada acréscimo de 1% na produção, o setor de transporte sobe outros 4%?, afirma Luft, que transporta por ano 2,1 milhões de toneladas de produtos.
Hoje, a frota nacional de veículos pesados é de 1,2 milhão de caminhões, e muitos precisam ser trocados. A idade média dos veículos gira em torno de 17 anos. ?O ideal é trocar cada caminhão a cada cinco anos?, diz Carlos Monteiro de Barros, gerente de produtos rodoviários da ALL Logística. A empresa tem uma frota de 2,5 mil caminhões que percorrem o Brasil e Mercosul. Neste ano, serão adquiridos mais 100 veículos. ?Estamos apostando no futuro?, diz Barros.
Outro dado relevante é que todo esse espetáculo vem acontecendo sem o empurrão do governo. A principal reivindicação do setor, o Modercarga, um programa de incentivos para renovação de frota, ainda não saiu do papel. Está em discussão entre a Anfavea, associação das montadoras, o BNDES e o Ministério do Desenvolvimento. O governo, aliás, é a pedra no sapato do setor. Responsável pela manutenção das estradas, executou, em 2003, o menor programa de investimento dos últimos 50 anos. Para este ano, as perspectivas também são ruins porque ainda não foi quitada uma dívida de R$ 400 milhões com as empreiteiras. Com isso, os buracos no asfalto vêm aumentando o custo com a manutenção dos veículos. Além disso, as transportadoras direcionam cerca de 10% do frete para os gastos com a segurança nas estradas. O risco é que todo o fantástico desempenho da indústria acabe esbarrando no temido ?apagão? dos transportes.