07/06/2024 - 16:50
RESUMO
• Lula usa políticas públicas para manter a ocupação em alta e meta do Pleno Emprego ganhou força no governo
• País passa por bom momento, mas empresários e analistas têm receio de que crescimento pode não se sustentar
• E alertam que só com estímulo federal o nível de emprego para de crescer e se estabiliza
• Mais: desemprego em baixa traz risco de inflação aumentar…
• …equação que pode ser resolvida com estabilidade fiscal e credibilidade internacional
• Novos obstáculos, porém, podem frear a captação de trabalho, como a diferença de expectativas entre empregadores e jovens (geração Z)
O Brasil parece viver um daqueles pontos de inflexão que, vez ou outra, impulsionam a economia e despertam o interesse estrangeiro. O PIB em alta, a inflação dentro da meta, a renda crescendo e um aumento expressivo das vagas de trabalho disponíveis. Para se ter uma ideia do bom momento, entre janeiro e abril, houve um saldo positivo de 958 mil postos na equação abertura vs. fechamento de vagas. Número que não acontecia desde 2012, quando o Brasil finalizava o período conhecido como a década de ouro.
Com elementos econômicos convergindo para a expansão e o desemprego atingindo 7,2% na análise dessazonalizada, a meta do Pleno Emprego ganhou força no governo e se tornou um objetivo para Lula, que usa políticas públicas para manter a engrenagem do emprego rodando.
Apesar das expectativas positivas, ainda há uma persistente sensação de “voo de galinha” da economia, pensamento compartilhado por empresários e analistas, que têm segurado os tomadores de decisões de Recursos Humanos a abrirem mais oportunidades de emprego. “Todos aqueles que não acreditam que a economia sustentará o crescimento atual, e que os empregos vão continuar surgindo, vão se decepcionar”, disse Lula.
O plano do governo envolve três frentes.
• Fortalecimento do emprego na base da pirâmide, em especial com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que visa tornar o País um imenso canteiro de obras.
• Há ainda parceria entre os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Educação e do Emprego para capacitação e formação de profissionais qualificados para as demandas não atendidas na tecnologia.
• Além da mediação das relações entre as empresas de aplicativos e seus respectivos motoristas.
Tudo isso, segundo Lula, caminha para um desenvolvimento ainda mais pujante do mercado de trabalho. “Trabalhamos na linha de frente para, simultaneamente, estimular o emprego, melhorar a renda e manter o ritmo do crescimento da economia”, disse.
Mas equilibrar todos estes pratos não é uma tarefa assim tão fácil. Os números de abril do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), evidenciaram o ritmo de crescimento, com 240 mil vagas de celetistas abertas. No entanto, a chegada de um platô parece mais próxima diante do cenário atual.
Carlos Alberto Ricco, que foi secretário-executivo do Ministério do Trabalho no governo Dilma Rousseff, afirmou ter havido um movimento similar em 2013. “Se não houver um estímulo constante, é natural que a empregabilidade estabilize”, disse. De acordo com ele, o desafio em sua gestão (e que se repete no atual governo) é fazer com que as empresas entrem no jogo e acelerem investimentos para expansão. “Depender exclusivamente do governo — seja com obras ou privilégios tributários — já se comprovou um erro”, disse.
De opinião similar partilha Henrique dos Santos Júnior, professor de economia da UnB e que esteve no grupo de trabalho do Ministério da Fazenda durante o governo de transição. No entendimento do acadêmico, o estímulo realizado por meio de desonerações, benefícios fiscais ou isenções tributárias se provaram ineficientes e meramente paliativos. “Não há como mensurar a ligação direta entre benefício fiscal e aumento de vagas. Quando foi criada a desoneração da folha, houve uma tentativa de manutenção do emprego e estas ligação direta nunca foi comprovada”, disse.
• Durante os anos de crescimento no começo da década de 2010, o Brasil gerou 10 milhões de empregos.
• Quando a crise norte-americana de 2008 chegou por aqui, em meados de 2012, as investigações da Lava Jato atingiram empresários e a inflação começou a subir, tudo desandou.
• Em 2016 já tínhamos perdido 12 milhões de vagas.
• Número que estamos começando a recuperar agora, nessa terceira gestão de Lula.
Para ser diferente de 2013, afirma o economista, é preciso garantir que o crescimento se sustente no médio e longo prazos, equilibrando dois indicadores que, em um primeiro momento, podem parecer difíceis de coexistirem. “Se o desemprego baixa, a inflação sobe. Certo? Nem sempre. Os Estados Unidos provam que é possível atravessar décadas com a inflação sob controle e taxas de emprego altíssimas”, disse.
O segredo, segundo ele, é estabilidade fiscal, credibilidade internacional e entrada recorrente de mais dinheiro na economia. “A entrada de dinheiro na economia só por meio de salários, no contexto atual, eleva a demanda por produtos e estimula a produtividade”, disse. No entendimento do economista, isso significa que, se as empresas se tornarem mais produtivas, o aumento da produção mascara a variação inflacionária. “Se isso não acontecer, e junto houver falta de confiança na economia, instabilidade fiscal, crise política, aí pode resultar em descontrole da inflação”, disse. Isso seria, mais uma vez, um retrocesso que levaria anos para reverter.
O caminho de recuperação da crise de 2014, de fato, tem sido longo. Mais ainda se pensarmos que foram quatro governos com propostas distintas a ocupar o Palácio do Planalto nos últimos 10 anos.
• Foi em uma dessas mudanças ideológicas, inclusive, que surgiu a reforma trabalhista, promovida pelo então presidente Michel Temer, em 2016, e que flexibilizou as relações de trabalho.
• As novas regras, de imediato, tiveram pouco ou nenhuma influência na abertura de vagas, mas com oito anos de sua aprovação, algumas mudanças já são notadas.
• Segundo dados da Justiça do Trabalho, houve queda de 35% nos processos movidos por funcionários e aumento de 15% no número de vitórias por parte do colaborador.
Segundo o advogado trabalhista Emerson Cardoso, ex-promotor trabalhista e hoje consultor, a reforma exigiu que os advogados trabalhistas formassem casos mais sólidos e as vitórias aumentaram. À DINHEIRO, o ex-presidente Michel Temer disse que aprovar a reforma foi difícil, mas estava confiante que era o melhor para o Brasil. “Hoje os efeitos são sentidos na prática. A flexibilização do trabalho foi o que permitiu o home office. A reforma abriu espaço para prestadores de serviços e tornou as regras mais atuais.”
TRABALHO INFORMAL
O trabalho intermitente, principal flexibilização promovida por Temer, não foi exatamente um sucesso de adesão, mas a popularização da pejotização acabou tomando o lugar como emprego de baixo custo para a empresa.
Hoje o Brasil tem quase 40 milhões de trabalhadores informais e talvez essa categoria mereça mais atenção que o número de desocupados (pouco mais de 8,5 milhões).
Com o aumento dos motoristas de aplicativo, prestadores autônomos de serviços que vão de consultoria financeira à faxina doméstica, e vendedores ambulantes, o trabalho informal salvou a renda de milhares de lares, mas é também a categoria com pouco, ou nenhuma, retaguarda.
Sem vínculos não há seguro desemprego, sem empresa aberta não há qualquer tipo crédito barato. E as pessoas ficam à mercê de toda e qualquer ventania no horizonte.
Nessa frente, quem está atuando é Luiz Marinho, ministro do Trabalho e Emprego do governo Lula. De acordo com ele, há várias ações concomitantes na direção da proteção social e valorização do emprego. A negociação entre empresas de aplicativos, motoristas e governo avançou a ponto de virar um Projeto de Lei, ainda não votado, no Congresso Nacional.
Apesar do otimismo, as regras para formalizar a tal relação de trabalho ainda está longe de ser consenso, e não há perspectivas de votação no Congresso.
Para os microempresários saírem da informalidade, Marinho cita o Desenrola e mutirões para instrução e capacitação de autônomos, realizado em parceria com o Sebrae. “Sei dos desafios”, disse.
GERAÇÃO Z
Para pensar no longo prazo, o passo fundamental é avaliar quem são os jovens que estão entrando agora no mercado de trabalho e como eles estão se relacionando com o universo profissional. Segundo Heloísa Gallo, consultora de RH e que atuou em empresas como Raízen, Natura e Gol, o processo de captação de mão de obra sempre foi um problema no Brasil, mas há agora, na nova geração, desafios adicionais. “A mão de obra qualificada no Brasil sempre foi um problema, mas agora entendo que há também uma desconexão entre o que as empresas buscam e o que os jovens desejam”, disse.
Ela conta como exemplo um recente recrutamento que realizou para uma gigante da área de tecnologia no Brasil. Eram 130 vagas abertas em todo o País. 60 para profissionais de TI de alta certificação, 40 estagiários e 35 trainees. “Conseguimos preencher apenas 75 vagas em quase três meses de recrutamento”, disse. O motivo, explicou a especialista, foi o baixo interesse dos jovens em assumir posições de alta complexidade ou comprometimento. “Sentimos que há um descompasso de expectativas. É algo que precisa ser discutido nas faculdades e adaptado pelos RH”, afirmou ela.
Mas não é só uma questão geracional. Dados do Censo de 2022 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que Pedagogia, Administração, Direito e Enfermagem são, há uma década, os cursos com maiores números de matrículas no País. Segundo o último censo feito pelo órgão, 27,4% dos estudantes que entraram na universidade em 2022 optaram por uma dessas graduações.
Na outra ponta, as áreas ligadas às Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática ainda têm baixa procura, ainda que alta demanda do mercado. A estimativa é que haja mais de meio milhão de vagas relacionadas a esses setores sem preenchimento no Brasil. “Nesse sentido, cabe às empresas e entidades setoriais participarem dessa capacitação”, diz Heloísa.
Para isso, o governo do Ceará lançou o Geração Tech, uma iniciativa para capacitar jovens para atuar neste mercado. Responsável pela capacitação ficou o Instituto Euvaldo Lodi (IEL Ceará), e sua superintendente, Dana Nunes, afirmou que há muito potencial. “Temos este olhar atento aos jovens, por isso buscamos soluções para as necessidades das empresas e novas oportunidades para as carreiras”, disse.
Um futuro que pode ser brilhante, mas que, para ser sustentável, exigirá mais que um diploma. Será necessário uma confluência de fatores macroeconômicos para que este jovem, quando terminar sua especialização, não encontre apenas o Brasil do quase. Aquele do eterno voo de galinha.