27/09/2022 - 22:39
Por Jimin Kang
RECIFE (Reuters) – Quando Ariel Nery trocou os bancos de sua megaigreja evangélica pelas almofadas no chão da progressista Igreja Mangue há quatro anos, a reação de sua família muitas vezes a deixou em lágrimas nas noites de domingo.
Pela mesma razão, a jovem de 25 anos está evitando conversar com seus pais, apoiadores fanáticos do presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL), sobre seus planos de votar no domingo no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Isso me causa um medo, porque, querendo ou não, eu não quero fazer essa ruptura de relacionamento com a minha família”, disse Nery.
Ela está longe de ser a única eleitora evangélica a enfrentar essa situação delicada.
Embora Bolsonaro e seus aliados tenham trabalhado para transformar as igrejas evangélicas em alicerce de sua base eleitoral, a campanha deste ano mostrou os limites dessa estratégia.
Depois que Bolsonaro ganhou dois de cada três votos dos evangélicos na eleição de 2018, muitos mais evangélicos –especialmente mulheres mais pobres– estão cogitando votar em Lula, cujo legado de programas sociais generosos fala poderosamente aos eleitores em situação de vulnerabilidade.
De acordo com o Datafolha, Lula e Bolsonaro estavam em uma disputa acirrada entre os eleitores evangélicos até alguns meses atrás. Mesmo tendo conquistado vantagem sobre Lula durante a campanha, Bolsonaro tem enfrentando dificuldades para ultrapassar 50% dos votos evangélicos em pesquisas recentes do Datafolha.
Procurando reforçar o “voto envergonhado” em Lula entre os evangélicos, o PT fez parceria com pastores de esquerda, como Paulo Marcelo Schallenberger, cujos sermões visam contrariar a “demonização” do partido nos círculos evangélicos.
“A gente recebe inúmeras e inúmeras pessoas que estão na igreja. Vão votar em Lula, mas não fala… porque senão a igreja vai ser perseguida, vai ser colocada de lado”, disse Schallenberger à Reuters, refletindo sobre sua própria experiência de ser criticado pelos colegas por sua posição política.
De fato, muitas das igrejas evangélicas do Brasil e seus pastores abraçaram Bolsonaro, que defende as estruturas familiares tradicionais, promete lutar contra o direito ao aborto e descreve rivais como “demônios” comunistas na retórica do estilo da Guerra Fria.
“Bolsonaro, inevitavelmente, indiscutivelmente, defende as ideias mais conservadoras e a população evangélica, cristã e conservadora”, disse Renato Antunes, 41 anos, pastor batista tradicional e vereador do Recife. Para mostrar sua oposição ao aborto, ele usa uma estatueta plástica de um feto em tamanho natural como um peso de papel para sua Bíblia.
Bolsonaro tem pontuado sua agenda pública com eventos quase diários ao lado de líderes religiosos. Sua campanha criou um papel proeminente para sua esposa, Michelle Bolsonaro, que usa orgulhosamente sua fé evangélica na campanha.
“Nós vamos sim trazer a presença do Senhor Jesus para o governo. E vamos declarar que essa nação pertence ao Senhor”, disse Michelle, terceira esposa de Bolsonaro, durante Marcha para Jesus no Rio de Janeiro no mês passado. “As portas do inferno não prevalecerão sobre a nossa família, sobre a igreja brasileira e sobre o nosso Brasil.”
Mas para muitos evangélicos a retórica partidária inflamada dos pastores conservadores está os afastando das megaigrejas tradicionais.
A polarização política está contribuindo para os cerca de 20% de evangélicos que se autodenominaram “desigrejados” no último Censo, segundo Rodolfo Capler, pastor batista e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.
À medida que a população evangélica cresce rapidamente –de 20% da população brasileira em 2010 para cerca de 30% agora e em ritmo para superar a atual maioria católica em cerca de uma década– ela também está se tornando mais diversificada, disse Capler.
“As igrejas independentes estão abrindo um caminho para as novas gerações. Elas estão criando ambientes mais livres, nos quais as pessoas podem expressar seus pensamentos, sexualidades e crenças políticas”, disse.
Enquanto os fiéis oram estoicamente nos bancos da megaigreja da Assembleia de Deus em Recife, o cenário na Igreja Mangue é totalmente diferente: jovens adultos compartilham suas histórias de vida durante o culto, com um pastor descalço e de camiseta sentado entre eles.
“É um lugar de refúgio… onde eu posso ser eu mesma em meio a tantas pessoas diferentes… e, nessas diferenças, eu consigo entender que o Reino de Deus não é sobre uniformidade, mas sobre diversidade na unidade”, disse Nery.