08/10/2008 - 7:00
AS MÃOS ESTÃO UNIDAS, mas a realidade por trás da foto revela um quadro diferente. Apesar do discurso de solidariedade, as atitudes mostram que o presidente Lula se descolou da esquerda latino-americana. Pelo menos da esquerda bolivariana, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez e que tem como seguidores o boliviano Evo Morales e o equatoriano Rafael Correa. Na versão do século 21 do bolivarianismo propagado por Chávez, a doutrina que pretende homenagear o general Simon Bolívar, herói libertador da América andina, se caracteriza pela concentração de poder nas mãos do presidente e o confronto com a oposição. A estratégia não necessariamente agrada à população. E isso se traduz também na popularidade dos presidentes. Nas últimas semanas, Lula colecionou bons resultados nesta área. A mais recente, da Confederação Nacional da Indústria, mostra que o presidente tem a aprovação de 80%, um recorde, enquanto o governo é considerado ótimo ou bom por 69%. Uma pesquisa do instituto Ipsos em vários países da América do Sul mostra que os vizinhos vivem uma realidade diferente. Na pesquisa, Lula é o mais popular, com 58%. Chávez é aprovado por 32%, Morales por 42% e Correa por 34%. Em seus próprios países, a aprovação é um pouco maior. A de Lula chega aos 80%, enquanto Morales é aprovado por 53% dos bolivianos, Correa por 50% dos equatorianos e Chávez por 57% dos venezuelanos.
Enquanto o brasileiro investiu em políticas responsáveis, os outros três apostaram no confronto institucional e no aprofundamento da crise com a oposição. Na Venezuela de Chávez, essa aposta de risco deu resultados políticos, mas não econômicos. O país está pior do que no início do governo, apesar do aumento do preço do petróleo. Mas o modelo enfrenta resistências nos outros dois países. Morales venceu um referendo que confirmou seu mandato, mas não consegue apoio dos governadores. Correa pode seguir o mesmo caminho. Na semana passada, o equatoriano conseguiu aprovar a nova Constituição, mas ainda não conseguiu unir o país para um projeto de desenvolvimento. “Há esquerdas e esquerdas. Lula e a chilena Michele Bachelet fazem parte da esquerda moderada, diferente da esquerda bolivariana”, diz o cientista político Octávio Amorim Neto, da Escola de Economia da FGV-Rio. “Lula respeita as instituições e procura formar maioria no Congresso. Os outros são anti-sistema e não à toa o aspecto marcante é a convocação de referendos.”
O mais recente encontro dos quatro na terça-feira 30, em Manaus, deixou claras as diferenças. Ele aconteceu uma semana depois da expulsão e expropriação dos bens da construtora Odebrecht no Equador porque a empresa se recusou a pagar indenização por um defeito em usina hidrelétrica que construiu “Não vamos mudar nada. A Odebrecht está fora do país”, disse Correa. Chávez, Morales e Correa também aproveitaram a crise nos Estados Unidos para comemorar o que consideram uma crise do capitalismo. Enquanto isso, Lula, apesar da gentileza em relação aos vizinhos, distancia-se cada vez mais do bolivarianismo. O Brasil agradece.