29/06/2004 - 7:00
DINHEIRO ? Como o sr. avalia os dados recentes de crescimento da economia brasileira, que apontaram expansão de 1,6% do PIB no trimestre?
IVONCY IOSCHPE ? Depois de tanto tempo de estagnação, qualquer crescimento é bom. Mas não vejo razões para euforia porque o Brasil ainda está partindo de uma base de comparação baixíssima. E o desemprego continua muito alto. A nossa posição é a mesma: o crescimento sustentado só virá através do aumento contínuo das exportações.
DINHEIRO ? O governo tem usado os dados de crescimento como argumento para justificar sua política econômica.
IOSCHPE ? Mas isso é uma bobagem. Nós, do Iedi, sempre dissemos que seria preciso colocar duas variáveis no lugar certo: o câmbio e os juros. Com o dólar
perto de R$ 3,10, o câmbio está indo na direção correta. Os juros, porém,
continuam totalmente fora do lugar. E pararam de cair com a alegação de que
os preços estão subindo.
DINHEIRO ? A inflação está voltando?
IOSCHPE ? Não é isso. Há uma acomodação de preços em outro nível. Isso porque o empresário compara o que ele recebe quando vende um produto internamente com os valores do mercado externo. A tendência é que haja uma equiparação. Mas isso não é uma inflação de demanda, até porque o mercado interno está parado. Combater esse aumento ocasional de preços com juros altos não faz sentido algum.
DINHEIRO ? O governo deveria tolerar mais inflação?
IOSCHPE ? O Henrique Meirelles já deixou claro que a política do Banco Central é mirar o centro da meta de inflação. Mas seria preciso tolerar uma taxa maior, que nem deveria ser chamada de inflação, porque eu não estou me referindo a um aumento continuado de preços. Falo de uma mudança de degrau na inflação, em razão do câmbio. Por que não aceitar uma taxa de 9%?
DINHEIRO ? Não seria perigoso?
IOSCHPE ? Não. O governo até poderia explicar para a sociedade que a contrapartida de uma inflação um pouco maior seria a geração de milhares de empregos. Se o único objetivo de um governo fosse estabilizar a economia, a meta poderia até ser zero. Só que a taxa de juros necessária seria muito maior e o desemprego seria brutal. Veja: a coisa básica para a sociedade, especialmente num país como o Brasil, que não tem proteção social, é o emprego. E nós estamos falhando nisso. As metas inflacionárias deveriam estar amarradas a metas de desenvolvimento.
DINHEIRO ? Por quê?
IOSCHPE ? Porque o regime atual produz uma taxa de juros que inviabiliza o desenvolvimento.
DINHEIRO ? Lula tem sido conservador em excesso?
IOSCHPE ? Eu nunca fui partidário do PT, mas quando o Lula se elegeu passei a acreditar que isso seria muito bom para o Brasil. Afinal, ele era fruto do sindicalismo que nasceu no pólo mais moderno da indústria brasileira, o das montadoras do ABC paulista. Eu, sinceramente, achava que ele conseguiria implementar uma política de centro-esquerda e que isso faria bem ao País. Infelizmente, a ação do Lula tem sido de direita. É o governo mais conservador desde a redemocratização.
DINHEIRO ? Como se chegou a isso?
IOSCHPE ? O Lula está preso numa gaiola de conservadorismo. E a culpa é da própria elite, que, nas eleições de 2002, alimentou um temor irracional em relação ao que o Lula poderia fazer. Foi por isso que, dois meses antes de eleito, ele assinou a tal Carta ao Povo Brasileiro, com as diretrizes de política econômica que têm sido seguidas. Como o mercado financeiro aplaudiu, o governo ficou refém do conservadorismo.
DINHEIRO ? Lula tentará sair da gaiola?
IOSCHPE ? Um presidente entra para a História quando tem a coragem de ousar. Se Lula continuar adotando o caminho mais fácil, de simplesmente não desagradar o mercado, daqui a pouco seu mandato já terá passado. Tudo na vida tem um limite. Você pode passar dez anos fazendo bobagens. Mas no 11o não dá mais.
DINHEIRO ? É preciso correr o risco de confrontar o mercado?
IOSCHPE ? O risco maior é o de não tomar decisões. Os políticos têm uma tendência a postergar decisões, esperando que o tempo resolva tudo. Mas isso, no mundo atual, não acontece. Esperar custa muito caro.
DINHEIRO ? Qual foi o erro do governo Lula?
IOSCHPE ? Eles assumiram com as condições ideais para fazer um grande governo, porque o câmbio já estava perto de R$ 3,40. Eles então decidiram derrubar o câmbio para controlar a inflação. Mas isso não diminui os preços, apenas os estabiliza. Agora, como o dólar voltou a subir, as condições para reduzir os juros estão sendo criadas novamente. Há espaço para o avanço.
DINHEIRO ? A política fiscal faz sentido?
IOSCHPE ? É irracional. Eles fazem 4,5% de superávit primário com o objetivo de estabilizar a dívida interna. Mas ocorre que o juro é tão alto, consumindo quase 10% do PIB, que o esforço jamais é suficiente. A conta não fecha e a dívida continua cres-
cendo. É um esforço bobo. O que eu não entendo é por que não reduzem os juros.
DINHEIRO ? Alega-se que haveria fuga de capitais.
IOSCHPE ? Só haveria risco disso se o câmbio estivesse no lugar errado. Imagine a moeda americana a R$ 3,50. Você acha que o sujeito tiraria seu dinheiro do banco e compraria dólares a esse preço para especular? O especulador age quando a taxa de câmbio está no lugar errado.
DINHEIRO ? O sr. é favorável ao controle de câmbio?
IOSCHPE ? Não vejo nenhum problema. Só penso que isso não é necessário porque não há risco de fuga de capitais.
DINHEIRO ? A dívida interna terá de ser renegociada?
IOSCHPE ? Com uma gestão adequada da dívida, ou seja, com juros reais menores, de 3% ou 4%, ela não seria explosiva. Mas se a dívida continuar crescendo, com juros reais de 10%, essa discussão acabará tendo espaço.
DINHEIRO ? A Argentina é um modelo?
IOSCHPE ? Eu, por princípio, não acredito em quebras de contrato. Mais cedo ou mais tarde, a conta sempre acaba chegando. Mas a Argentina é uma experiência nova e eles estão se propondo a pagar 30% dos bônus que emitiram. Ora, se a comunidade financeira internacional aceitar isso, nós teremos de admitir que somos uns babacas. Por que eles e não nós?
DINHEIRO ? Como tem sido o ajuste das empresas brasileiras?
IOSCHPE ? As empresas não conseguem mais pagar tantos impostos. E quem cometeu o crime foi o Fernando Henrique Cardoso, que elevou a carga fiscal de 25% do PIB para 40% do PIB. A culpa não foi do Lula. Mas ele, que já deveria estar buscando meios de reduzir impostos, criou uma infinidade de empregos no setor público. O Estado não cria riqueza. Mas ele não pode ser um fator de impedimento à criação de riqueza e de empregos no setor privado.
DINHEIRO ? A combinação de juros e impostos altos matou o mercado interno?
IOSCHPE ? Claro. Hoje, as pessoas não têm renda e quando decidem comprar alguma coisa ficam sujeitas a taxas de juros absurdas. É por isso que o crescimento tem que ser regulado pela exportação. Com aumento das vendas externas, aos poucos haverá mais empregos no Brasil e mais renda no mercado interno. O fato é que, nos últimos vinte anos, a massa salarial declinou abruptamente. Foi transferida para o exterior. Como nós não temos poder de compra, temos que buscar outros mercados mundiais onde exista renda. É só assim que as empresas brasileiras poderão prosperar.
DINHEIRO ? A queda do investimento externo preocupa?
IOSCHPE ? O investimento externo em massa não está mais disponível no mundo. O movimento de ajustes produtivos das multinacionais já aconteceu com a globalização. As multinacionais foram para o México,
para a China e para a Índia. O Brasil perdeu a sua
vez. Entre 1900 e 1980, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo. Depois, nós nos tornamos o 96º
do mundo em matéria de crescimento. Foi um desas-
tre e gerações inteiras se perderam. A cada dia, regredimos um pouco mais.
DINHEIRO ? Por que isso aconteceu?
IOSCHPE ? Porque nós temos seguido políticas primárias. É verdade que o modelo de economia fechada havia se esgotado. Era preciso abrir. Mas os países que tiveram mais sucesso abriram suas economias com muito cuidado. Exigiram contrapartidas. Nós, com o Fernando Collor, fizemos uma abertura simplória. Depois veio o Plano Real, que segurou durante quatro anos uma taxa de câmbio irreal. O resultado foi que o Brasil quebrou três vezes.
DINHEIRO ? Como o sr. vê a política externa do governo Lula, que tenta afirmar uma liderança no mundo em desenvolvimento?
IOSCHPE ? O Brasil poderia até ser um líder na formulação de novas políticas. Mas a condição básica de liderança é ter algum poder. E o Brasil ainda não mostrou condições para tal, pois há muitos anos o País não cresce e não acumula reservas. O poder não é algo retórico.
DINHEIRO ? O que o sr. achou da proposta de ampliar as compras de países pobres, mesmo pagando mais caro?
IOSCHPE ? Isso não faz sentido. Mas houve sim avanços na política externa.
Um deles foi a criação do G-20, para que o Brasil e os outros países em desenvolvimento tenham mais poder de barganha na mesa de negociação. Os centros de poder já não são apenas os Estados Unidos e a Europa. A China,
a Índia e mesmo o Brasil hoje têm mais peso. Acho que a política externa do chanceler Celso Amorim tem sido correta.
DINHEIRO ? Além do Itamaraty, onde estão os outros acertos do governo?
IOSCHPE ? O Luiz Fernando Furlan tem feito um ótimo trabalho para abrir
novos mercados, assim como o Roberto Rodrigues, da Agricultura.
DINHEIRO ? Os erros estariam na Fazenda e no BC?
IOSCHPE ? Não diria que a política econômica errada seja do Antônio Palocci
e do Meirelles. A política é do Lula. Não dá para ser como o Fernando Henrique,
que dizia que o governo era dele, mas o câmbio era do Gustavo Franco.