Está posto que novos governos, assim como o réveillon, embutem a esperança. Não diria que é o caso deste janeiro. Apesar de o presidente Lula ter começado os trabalhos mais com acertos que erros. O problema é que, desta vez, não há margem para errar. A primeira boa nova foi ter colocado centenas de pessoas em dezenas de grupos de trabalho desde o dia seguinte à eleição. Se fosse numa empresa, chamaríamos os times de multidisciplinares e isso seria mérito. Design Thinking, Scrum, GPD, Agile e tals. Mas a política segue caminhos distintos, e juntar um economista A (“responsabilidade fiscal e responsabilidade social vão juntas, elas não são opostas”) a um economista B (“R$ 136 bilhões em gastos não será expansão fiscal”) nem sempre é sinônimo de sucesso.

Recomendo a Lula que mergulhe na última tendência em gestão de projetos, o Hybrid Project Management. Porque a complexidade da gestão mudou. Sua fórmula dos governos I e II não cabe mais. Hoje, ele enfrenta uma população que o rejeita. Se falarmos dos 5,6 milhões que votaram em branco ou anularam, mais os 32,2 milhões que nem apareceram junto às urnas e os 57,7 milhões que queriam Bolsonaro, temos 95 milhões de brasileiros que não o escolheram. E nesse balaio há de tudo. Dos que aceitaram a derrota e querem seguir a vida aos malucos pendurados em caminhão ou tentando contato com ETs via celular para impedir a posse. Os piores, no entanto, são os dispostos a mais. Grupos de foras da lei que não são controlados nem pelas polícias, nem pelas estruturas do judiciário, até porque parte delas é conivente mesmo. Tudo quase sempre bancado por empresários igualmente criminosos.

Junte a esse bando o próprio ocupante da cadeira presidencial, que já afirmou que não vai largá-la, mais o maior partido do Congresso, que quer melar a eleição. Lula deve entender que não existe Paz & Amor num cenário desses. E começa a sentir isso no imbróglio que virou a PEC da Transição. Sua aclamada habilidade política encontrou adversários — e inimigos — de igual ou superior desenvoltura. Claro que a trajetória de ser o único a ser eleito três vezes, passar 580 dias por uma prisão para a qual foi levado por condenações que o STF posteriormente anulou, ser aplaudido na primeira aparição internacional após ser eleito deve embotar a visão da realidade, por mais que a domine. Mas o mundo é polimorfo perverso, e o Brasil potencializa isso. É aqui que Lula pode escorregar. Dar chiliquinho frasístico para enquadrar o mercado é jogo de cena infantil perto do desafio que terá, inclusive envolvendo sua própria segurança, para assumir o comando desta nau de insensatos a partir de janeiro.

Se nos dois primeiros governos a arte de gerir o Congresso custava mensalidades de R$ 30 mil (coisa de 80 mil hoje), agora Lula está na mão de um cara com a chave do cofre e o cadeado da porteira por onde passam as piores boiadas. Um parlamento com R$ 19,4 bilhões só em emendas do relator, fora Orçamento Secreto e outras barbaridades. O exercício a seguir é apenas hipotético, não estou sugerindo nada: mas colocar de pé um Mensalão 2 com a maioria simples de deputados (257), pagando R$ 80 mil por mês por quatro anos, sairia R$ 1 bilhão — 5% do que custarão as emendas do relator em 12 meses. É neste Brasil que o senhor Lula desembarca. Não mais no deixado por Fernando Henrique Cardoso. A vantagem é que há muita inteligência querendo que o novo governo dê certo. Gente que jamais cogitou votar em Lula, mas o fez em nome do combate à ignomínia institucional que nos tornamos.

O resumo é este: as instituições estão o pó, a ética foi pro lixo, o Parlamento é o mais deplorável da história e parte do setor produtivo não se envergonha mais de atentar contra o Estado de Direito. Nosso dilema é conceitual e filosófico, quem queremos ser como Nação. E nossa única escolha para estes tempos é o consequencialismo — ter sempre em mente que qualquer atitude agora terá consequências. As redentoras ou as devastadoras. Assumir que tudo está mais fadado ao fracasso que ao sucesso pode fazer com que o senhor Lula, Alckmin e seus squads de transição não baixem a guarda por um só segundo. Perder a esperança de que as coisas darão certo por inércia será a melhor atitude neste momento.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.