Diante da ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à Presidência da República, na sabatina organizada pelo Estadão em parceria com a Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), especialistas discutiram como resolver os principais problemas do País nas áreas da saúde, economia e direito nesta terça-feira, 20. O desafio para o próximo presidente, segundo eles, será vencer a polarização política, recuperar a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) e, principalmente, reduzir as desigualdades sociais. Entre os caminhos para isso, foram destacados a necessidade de investir em ciência, reestruturar programas de transferência de renda e dar as condições para uma maior autonomia dos cidadãos.

Esses temas estão presentes na Agenda Estadão, uma série de reportagens que respondem a 15 questões fundamentais para o correto diagnóstico e superação de obstáculos que impedem o Brasil de atingir seu potencial máximo. Entre as perguntas estão como ampliar os serviços do SUS, como a Justiça pode ser reformada e como adotar uma política de ajuda às pessoas em situação de extrema pobreza.

Participaram do debate Jorge Kalil, imunologista, professor da Universidade de São Paulo e diretor-presidente do Instituto Todos pela Saúde; Marcos Schahin, professor do curso de Direito da FAAP, mestre em Filosofia do Direito pela PUC e Doutor em Direito Ambiental pela Unisantos; e Bernard Appy, economista formado pela USP e ex-secretário-executivo de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Unânime

Todos eles concordaram que o principal desafio que o próximo governo irá enfrentar é a profunda desigualdade social. Segundo o economista Bernard Appy, é essencial facilitar o crescimento da economia brasileira. “A economia está estagnada desde a década de 90. A produtividade cresceu muito pouco nesse período. E só quando a economia cresce, você consegue, de fato, distribuir os benefícios do crescimento do país, tornando o país mais justo e eliminando situações de extrema pobreza”, disse. Para chegar a esse resultado, ele enfatiza a necessidade de uma “solidez macroeconômica”, com contas fiscais em ordem, inflação baixa, e equilíbrio nas contas externas.

Reportagem publicada na Agenda Estadão sobre o tema mostrou que o empobrecimento do Brasil não se deve apenas à pandemia. A mesma reportagem mostra que 33,1 milhões têm fome e vivem numa situação de insegurança alimentar grave. O dado é da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan).

Marcos Schahin ressaltou que, quando o tema é segurança pública, o problema central não vem sendo trabalhado da melhor forma, com o poder público atuando em questões que tratam das consequências, mas não da causa. “Fazendo uma metáfora, temos um barco furado e estamos pegando o balde para jogar a água para fora. Mas precisamos fechar o buraco. Hoje, a polícia é importante, o sistema penitenciário é importante, mas nada é efetivo sem fechar este buraco, que são as desigualdades econômica e identitária”, explica.

Valorização do SUS

No âmbito da Saúde, o caminho para a redução das desigualdades é o reforço do SUS. “Ele foi extremamente importante na pandemia. Se não existisse, seria uma catástrofe. Fortalecendo o SUS, traz conforto para a população em todos os níveis da saúde, na prevenção, no atendimento e, depois, se houver sequelas, no acompanhamento”, diz o imunologista Jorge Kalil. Reportagem da série Agenda Estadão instou o próximo presidente a explicar os planos para aprimorar a coordenação e otimização dos recursos destinados à saúde de modo a tornar os gastos em saúde mais transparentes.

Uma das providências a serem tomadas é produzir dados de qualidade para nortear políticas públicas a fim de “não ficar no achismo e nos interesses de um político ou outro”. O governo federal também deveria manter investimentos em pesquisas. “É preciso de uma política que o governo ajude a transformar conhecimento nos laboratórios em produtos para a sociedade. Há várias iniciativas de vacina no Brasil que têm financiamento para começar, mas não tem para acabar”, defende.

Ele se diz particularmente preocupado com a queda das taxas de vacinação e sugere o reforço de campanhas de imunização. “Éramos o país que mais vacinava no mundo. Na década de 90, eram mais de 90% que se vacinavam efetivamente. E isso está caindo para a casa dos 60%, ou seja, podemos ter epidemias que já sararam, como tivemos de sarampo”, argumenta. O SUS ainda precisava ter uma “capacidade resolutiva muito maior”, para evitar a formação de filas e demora no início do tratamento.

Jorge Kalil explica ainda que o Brasil precisa pensar em soluções caseiras para problemas relacionados à saúde. Isso porque, por muitas vezes, diz ele, o País se ancora em achados científicos de outras nações. “Nunca conseguimos um medicamento melhor para a doença de Chagas e não temos vacina para dengue, por exemplo, já que esses tipos de enfermidades não são comuns para as realidades de Estados Unidos e Europa. Se não investirmos domesticamente neste quesito, não vamos para frente”. Além disso, complementa Kalil, é necessário conceder incentivos fiscais para quem investe em ciência.

Reestruturação do Auxílio Brasil

De acordo com o ex-secretário-executivo de política econômica do Ministério da Fazenda Bernard Appy, existe uma necessidade de reestruturação do Auxílio Brasil, antigo Bolsa Família. Segundo ele, a forma como o benefício é pago atualmente gera distorções. Para este ano, a quantia está estabelecida em R$ 600.

“O problema está no desenho do programa. Não se considera a quantidade de pessoas e a fonte de renda, por exemplo”, fala. Este cenário, segundo Appy, faz com que o benefício seja diferente, a depender da realidade da família. O per capita – valor a ser recebido em média por cada membro do núcleo familiar – será menor quanto mais pessoas morarem na mesma casa.

O especialista, também colunista do Estadão, complementa que é necessário redesenhar o benefício com base na quantidade de moradores de uma mesma casa. Ao garantir um valor mínimo por pessoa, considerando também outras rendas da família, o programa diminuiria distorções de pagamentos, que, segundo o economista, acontecem no cenário atual. “O número de famílias com apenas uma pessoa está crescendo, o Auxílio estimula isso.”

O tema também foi pauta de reportagem do Agenda Estadão. Entre os especialistas, mostrava a apuração, era unânime que o programa criado pelo governo Bolsonaro precisa de redesenho para aumentar o foco nos mais pobres. Esses especialistas avaliam que o programa como está acaba incentivando a fraude, com famílias se dividindo artificialmente para receber mais dinheiro.

Polarização política

Antes de resolver os problemas reais do País, o professor Marcos Schahin aponta que é preciso retomar a importância da política no Brasil. “Política é um espaço que depende do contraditório, das diferenças. Você não faz política com iguais. E o espaço que se diz política hoje não está apto a lidar com as diferenças”, afirma. Ele diz que as pessoas debatem sobre política “como se estivessem assistindo a um jogo de futebol” e que é necessário mais racionalidade, para não dar espaço à violência.

A fim de superar esse cenário, ele sugere a inserção de matérias ligadas ao tema na escola, desde o Ensino Fundamental. O objetivo é fazer com que os jovens aprendam logo cedo “essa burocracia que, de certa forma, afasta as pessoas, não se torne um monstro e as pessoas consigam entender o que significa ser cidadão, participar da política, para ter os instrumentos para aí sim discutir”.

Meio ambiente: Visão global, não local

Para Marcos Schahin, doutor em Direito Ambiental pela Unisantos, os países precisam parar de pensar apenas nas realidades locais e passar a considerar os contextos globais, quando se trata de meio ambiente. ” Os riscos são globais. Hoje, quando se produz, gera riqueza, mas tem que entender os problemas, para a conta fechar. Se sujo a água de um rio para essa produção, posso gerar lucro, mas também estou exportando a poluição, caso esse rio faça fronteira com outro país”, diz.

Jorge Kalil acrescentou que, em um cenário que exige soluções técnicas, o País precisa avançar em relação ao “ouvir mais os técnicos”. Segundo ele, pode acontecer no âmbito da vida pública um cenário em que a solução adequada é encontrada, mas, por questões políticas, é barrada. “Temos muito bons técnicos atuando, que se dedicam a melhorar o País, mas que não conseguem colocar as soluções em prática.”

As entrevistas com os presidenciáveis tiveram início na última sexta-feira, 16. O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, não compareceu. A candidata do MDB, Simone Tebet, foi sabatinada nesta segunda-feira, 19. A equipe de Ciro Gomes confirmou a participação do candidato do PDT na sabatina da próxima quarta-feira, dia 21 de setembro.