O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) embarcou na manhã desta terça-feira (11) para se encontrar com o presidente chinês, Xi Jinping, e tratar de relações bilaterais entre Brasil e China. Embora seja uma viagem tão aguardada, é necessário observar as altas expectativas do petista para estabelecer amizade comercial com o líder de um regime com severas diferenças políticas em relação ao que se espera de uma democracia, que Lula diz ter salvado ao vencer as eleições de 2022: o país asiático, sabidamente, vive sob regime totalitário, sem liberdades e sem direitos – bem diferente do que prega o ex-metalúrgico. Lula, então, segue com a comitiva na viagem internacional pausando sua agenda matriz e foca em ‘mostrar aos chineses que temos coisas para vender’. 

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A relações comerciais entre Brasil e China são, sobretudo, de produtos primários: produtos de agro exportação, com destaque na venda de soja, minerais e carne bovina. Em 2022, a China importou mais de US$ 89,7 bilhões em produtos, especialmente soja e minérios, e exportou quase US$ 60,7 bilhões para o mercado nacional.

Conforme já mostrado pela IstoÉ Dinheiro, o encontro é fundamental para sinalizar que o governo Lula 3 quer estabelecer relação em nível presidencial. Para o professor e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil/China da FGV Direito Rio, Evandro de Carvalho, a prioridade é a busca de uma relação que no plano do comércio internacional amplie novas possibilidades de exportações para empresas brasileiras. 

“Isso foi perdido no governo Bolsonaro em função das crises políticas na relação com a China geradas pelo ex-presidente e seu filho Eduardo Bolsonaro”, explica o professor, que recordou que uma das consequências da crise entre os países foi a ausência de porta-voz na Embaixada da China por alguns meses. 

Sem liberdade política

Principal parceiro comercial do Brasil, a China é comandada pelo Partido Comunista Chinês com a mesma liderança há três mandatos e que não permite pluralidade de religiões, mídia e expressão política.

“O complexo sistema político é definido pelo governo chinês como ‘democracia socialista com características chinesas’, e tem angariado forte legitimidade na população chinesa. Seguramente, um modelo diferente das chamadas democracias ocidentais”, afirma Evandro Menezes de Carvalho, professor da FGV Direito Rio e coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio.

“Não temos informação se ela [China] está perseguindo e usando da violência contra opositores, mas percebemos um nível de violência contra grupos que se colocam contra a existência e o dia a dia de execução de políticas pelo partido. Há grupos opositores, e ela evita que tais grupos que se colocam contra o governo se posicionem. Ou seja, há perseguição, ainda que indiretamente”, explica o coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec RJ, José Niemeyer. 

Mas, segundo Niemeyer, Lula é um realista do ponto de vista da política, ao ponto que prioriza a importação chinesa de produtos brasileiros. E esse discurso segue com a promessa do presidente de geração de empregos e novos investimentos no país. 

Sobre direitos humanos, analistas observam que o ato do presidente brasileiro não difere de outras lideranças quando o assunto é ‘fechar os olhos’. Isso sem contar que, sabe-se, há escassez de direitos para trabalhadores no gigante asiático. Lula foi líder trabalhista e é fundador do Partido dos Trabalhadores.

“Sim, como todos os outros países também fazem. Todos fazem negócios com a China e fecham o olho sobre direitos humanos e liberdades. Nas Olimpíadas de Pequim de 2008 até se falou de boicotar, mas não aconteceu. No máximo, nos outros países há um debate entre ideais de liberdade e interesses econômicos. Aqui [Brasil] não porque não há nenhum ideal de liberdade, há interesses econômicos e há até defesa desse sistema político”, defende Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec BH.

Agenda verde versus poluição

Enquanto Lula segue forte em discursos sobre a Amazônia e economia verde, a China é vista como um dos países mais poluentes do mundo. Dados do World Resources Institute (WRI) mostram que o país foi o que mais emitiu gases poluentes em 2020.

Embora tenha uma agenda tímida de conservação do meio ambiente, a China, segundo o governo brasileiro, pode passar a ver com bons olhos o trabalho do país sobre proteção ao meio ambiente e de desenvolvimento sustentável, tornando-se referência.

“A China polui porque é um país de renda média em desenvolvimento e polui como todos os outros países nessa situação. Quando os países passam de países pobres para países de renda média e/ou ricos, costumam poluir muito. Depois disso, a Curva de Kuznets mostra que a poluição per capita diminui, e ocorre o chamado ‘decoupling’, crescimento com menor impacto ambiental per capita”, explica Gianturco.

Embora tenha essa diferença, Lula deve buscar colocar a Amazônia em pauta no ponto da Tecnologia. Um dos acordos bilaterais previstos será a construção do CBERS-6, o sexto de uma linha de satélites construídos em parceria entre Brasil e China. O diferencial do novo modelo é uma tecnologia que permite o monitoramento de biomas como a Floresta Amazônica mesmo com nuvens.

Possível desgaste

Para o professor do Ibmec RJ, a viagem tem caráter estratégico, pois a China é importadora de produtos agrícolas e minerais do Brasil, mas é uma viagem que incomoda outros parceiros brasileiros, principalmente os EUA. “O país americano vive momento complicado com a China; a relação escalou de uma posição de competição para um enfrentamento estratégico. Essa viagem, dependendo da postura de Lula e comitiva, pode acarretar prejuízos à relação Brasil-EUA mesmo que indiretamente”, afirma Niemeyer. 

Lula vai à China

Após se recuperar de uma broncopneumonia que adiou sua ida ao país asiático, a expectativa de Lula é de fechar mais de 20 acordos com a China. “Nós vamos tentar convencer os chineses a fazer mais investimento aqui“, disse o mandatário em evento de comemoração aos 100 dias do terceiro mandato; quem assume o posto de líder brasileiro nos próximos dias é o vice Geraldo Alckmin.