No século 19, o revolucionário Simon Bolívar sacou a espada para libertar o continente sul-americano do domínio das metrópoles. Hoje, imaginando-se um novo Bolívar, o presidente Lula tem usado outra arma: o talão de cheques. Em mais um périplo pela América do Sul, Lula fechou na última semana diversos acordos para consolidar seu plano de integração regional. Com dinheiro brasileiro. Lula está disposto a investir US$ 5 bilhões nos países vizinhos, em estradas, ferrovias e energia elétrica. Na segunda-feira 23, Lula foi ao Chile se reunir com empresários e investidores locais. Também fechou um acordo no qual o BNDES vai emprestar US$ 250 milhões ao governo de Ricardo Lagos para a construção da ferrovia Transandina, ligando Santiago a Mendoza, na Argentina. Na terça-feira 24, Lula estava em Quito, Equador, fechando um outro acordo para emprestar US$ 300 milhões das obras da Hidrelétrica de San Francisco. Para a Argentina, o BNDES colocou à disposição nada menos que US$ 1 bilhão para cinco grandes obras, como o gasoduto para levar o gás boliviano até Buenos Aires. Para a Venezuela, há mais US$ 1 bilhão, para a Hidrelétrica de El Vultuosa. Cada país do continente terá no mínimo US$ 200 milhões ? é o caso de Peru, Colômbia e Uruguai. Só faltava fechar com o Chile e o Equador. ?Nós vamos fazer uma revolução na América do Sul?, anunciou Lula em Santiago. ?Queremos construir um espaço econômico da Amazônia à Patagônia?, acrescentou em Quito.

A iniciativa de Lula está repercutindo entre os vizinhos. ?Lula participa do sonho de Simon Bolívar de integração das economias latinas?, disse o economista Renato Baumann, diretor da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, a Cepal. ?Precisamos muito do apoio do Brasil?, faz coro José Aguirre, presidente da Associação Nacional dos Empresários do Equador. No Brasil, alguns exportadores também comemoram. ?Se Lula pensa em ser líder, tem que abrir espaço com crédito?, diz Michel Alaby, presidente da Associação das Empresas Brasileiras do Mercosul. ?Esses US$ 5 bilhões vão trazer um retorno de US$ 30 bilhões a US$ 50 bilhões em dez anos?, calcula o consultor Roberto Giannetti da Fonseca. O ponto mais importante dessa nova diplomacia financeira é a reserva de mercado que está sendo construída para as empresas brasileiras. Para começar, os países vizinhos não poderão usar suas construtoras nessas obras financiadas pelo BNDES. Serão obrigadas a contratar empreiteiras brasileiras. Nos próximos dias, o BNDES promoverá uma reunião com as grandes do setor para fechar um acordo de divisão dos mercados. Estão convocadas sete empreiteiras: Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Carioca e EIT. O BNDES também exige que todo o equipamento para as obras seja importado do mercado brasileiro ? o que nem sempre é bem visto. ?O Brasil poderia dividir o mercado com nossas empresas?, queixa-se o empresário argentino Juan Ciminari.

No meio diplomático, a prioridade dada à América do Sul tem gerado controvérsias. ?A opção principal do Brasil deveria ser a integração com o mundo industrializado?, diz o embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima. ?São eles que consomem.? Basta lembrar que, nos últimos meses, a Argentina envolveu-se numa série de disputas comerciais com o Brasil ? a mais grave no setor de eletrônicos. De qualquer forma, Lula já montou um time para conduzir os negócios com os vizinhos. Nele estão assessor internacional do Planalto, Marco Aurélio Garcia, o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e o vice-presidente do BNDES, Darc Costa. O ponto mais delicado dessa nova diplomacia é financeiro. Para tomar empréstimos do BNDES, o Brasil exige que os parceiros utilizem o Convênio de Crédito Recíproco (CCR) nas relações comerciais bilaterais. O CCR é um mecanismo criado há duas décadas que permite que o comércio exterior seja feito sem o uso do dólar. Há uma forte pressão do Fundo Monetário Internacional para que os vizinhos não firmem tal convênio com o Brasil. Até agora, somente a Venezuela de Hugo Chávez havia aceitado assinar. Na semana passada, Lula arrancou a chancela de Lúcio Gutiérrez ? e espera-se que o argentino Néstor Kirchner também o assine nas próximas semanas. Mas quando os diplomatas brasileiros tentaram conversar sobre o assunto com o presidente do Banco Central do Chile, Vittorio Corbo, ele não gostou. ?Ele surtou, foi um verdadeiro chilique?, relata uma autoridade brasileira. Ou seja: ainda falta muito para que Lula seja coroado pelos vizinhos como o novo Bolívar.