O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, se mostrou tranquilo ao tratar das faíscas entre Lula, seu chefe, e o mercado financeiro. Em entrevista ontem (17) o ex-tucano tratou de reforçar o compromisso fiscal da próxima gestão e minimizou os efeitos negativos na bolsa de valores e no câmbio brasileiro após o envio da Proposta de Emenda à Constituição de estouro no teto de gastos e as sucessivas falas do petista sobre o assunto.

Para Alckmin, é uma questão de tempo até o mercado se acalmar, já que “O governo tem compromisso com a responsabilidade fiscal, mas isso não pode ser argumento para não atender ao social. As coisas não são incompatíveis”, disse. Sua fala, no entanto, desdiz a de Lula, que durante sua passagem pela COP 27 deu a entender que essa conexão não é tão automática e que sua prioridade é cuidar dos brasileiros em situação de vulnerabilidade. Lula chegou a dizer que se a bolsa cair e o dólar subir “paciência”.

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Desde o dia 28 de outubro, o Ibovespa, índice que reúne as maiores empresas listadas na B3, a Bolsa de Valores brasileira, perdeu R$ 215 bilhões em valor de mercado e o dólar chegou a bater R$5,50, cravando a primeira tensão entre o novo governo e a mão invisível.

E não demorou para economistas que apoiaram a campanha petista ao mais alto cargo da República se manifestassem contra os sinais de Lula. Henrique Meirelles foi o primeiro a dizer que os sinais de responsabilidade fiscal não são apenas importantes ao mercado, mas essenciais para a continuidade do amparo social. “O melhor programa social é geração de emprego. A confiança do empresariado depende desses sinais para subir”, afirmou.

Em uma carta, o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga; pelo ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Edmar Bacha; e pelo ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan também reforçaram que as falas de Lula eram “preocupantes”. “O que nos levou a escrever a carta foi a sensação de um caminho em direção de centro e uma postura que não estava acontecendo na economia”, disse Armínio ao Correio Braziliense.

No PT as críticas foram recebidas com naturalidade. A ideia de deixar o mercado se estressar e esperar que ele reaja bem após alguma indicação positiva para a economia já foi usada em outros governos da legenda e funciona como um “equilíbrio de expectativas”, nas palavras de um petista que integra a transição do Governo.

Nas próximas semanas devem pipocar potenciais candidatos aos cargos de ministro da Fazenda, Planejamento e Casa Civil, nomes muitas vezes “vazados” com anuência do partido para sentir a recepção do mercado. Enquanto isso, Alckmin se encarrega de tentar alcançar os agentes do mercado e sustentar a imagem de equilíbrio entre as partes envolvidas. A tirar pela carta, essa paz não será tão fácil.

Veja a íntegra da carta dos economistas

Vai cair a Bolsa? Aumentar o dólar? Paciência?

“Caro presidente eleito Lula,

Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP 27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.

O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.

A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.

O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.

Vejamos por quê.

Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.

O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imaginamos que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza. Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.

É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.

É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.

E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.

São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!

O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.

O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.

Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.

O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.

Respeitosamente,

Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan”