Ao se aliar a Alckmin, Lula visava conquistar direita moderada. Mas o movimento para o centro pode ter custado votos da esquerda. Será que “Lulinha paz e amor” ainda funciona em 2022, pergunta o jornalista Thomas Milz.”Lulinha paz e amor voltou com tudo” disse o ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva há três semanas no Programa do Ratinho. Depois das derrotas nas campanhas de 1989, 1994 e 1998, nas quais ele foi tachado de comunista, o petista adotou o slogan do “Lulinha paz e amor” em 2002. Era a sacada para conquistar os banqueiros e afastar o medo que a burguesia tinha dele. O PT de repente virava “light” – e ganhou as eleições daquele ano com 61,27 % dos votos no segundo turno.

Seu governo, de 2003 até 2011, foi um sucesso, graças à habilidade de Lula para juntar os interesses da Faria Lima (nome de uma avenida em São Paulo que representa o mercado financeiro) e das favelas. Milhões de pobres começaram a consumir, graças às políticas sociais do governo, que, também, davam lucro para os “Faria Limers”. Nada de “guerra de classes”. No barco do lulismo, havia espaço para todo mundo. Abriram-se milhões de vagas em empresas, universidades e escolas técnicas.

A escolha de Geraldo Alckmin, ex-governador tucano de São Paulo, como seu vice na atual campanha parece ser uma jogada parecida de Lula. Ter o católico ultraconservador ao seu lado seria o sinal que um eventual terceiro governo Lula não embarcaria em aventuras socialistas. Remetente: a Faria Lima. Além disso, acreditava-se que Alckmin traria votos no interior de São Paulo para o candidato petista Fernando Haddad, que concorre para o governo do estado mais populoso do Brasil.

Se essa era a lógica, ela fracassou no dia 2 de outubro. Os votos do eleitorado tucano não foram para o PT, mas embarcaram na campanha do ultradireitista Tarcísio de Freitas, ex-ministro de Bolsonaro. Além de tudo, ele é carioca! Cadê os votos que o Alckmin ia trazer?!: eis a pergunta. Ao mesmo tempo, os Faria Limers exigem de Lula um programa econômico e até uma declaração sobre quem seria o ministro da Economia. Pode isso, produção? Parece desculpa para votar no Bolsonaro.

Ficou evidente o erro de cálculo. A aliança com o campo conservador de Alckmin e aliados limita o espaço de Lula para conversar com as classes mais pobres, com a favela. Abriu-se mão de revogar a reforma trabalhista, por exemplo. Mas mesmo assim, isso não foi suficiente para garantir o campo da direita moderada. Resta saber por que a Faria Lima anda tão empolgada com Paulo Guedes e as políticas econômicas de Bolsonaro. Eles sim têm nos seus currículos o represamento do preço de gasolina e vários furos no teto de gasto.

Lula não ganhou votos na Faria Lima. Mas perdeu milhões de votos nas periferias e favelas, onde Bolsonaro nada de braçada. A Baixada Fluminense, que está nas mãos do bolsonarismo, serve de exemplo. É Bolsonaro, o suposto herói do neoliberalismo, que está distribuindo benefícios para a população carente. E evangélica, claro. O Brasil realmente não é para iniciantes.

Mas, aparentemente, Lula enxergou o erro e intensificou, nos últimos dias, a campanha nas áreas pobres. Sua passeata no Complexo do Alemão parece ter incomodado demais seu adversário. “Conheço bem o Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro no debate de domingo na Band, para logo confundir o Complexo do Alemão com o Complexo do Salgueiro. Depois, o presidente disse que “só tinha traficante ao lado de Lula”. Uma pisada na jaca? Talvez, Bolsonaro precisa segurar a vantagem de votos que obteve no Rio no primeiro turno. Vamos saber mais no dia 30 de outubro.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

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