08/02/2023 - 9:16
BRASÍLIA (Reuters) – O primeiro Banco Central formalmente independente sob a gestão de um novo presidente da República ganhou o centro do debate político e virou uma espécie de saco de pancadas do governo, colocando em dúvida o futuro das metas para a inflação e a renovação da diretoria da autoridade monetária em meio às reiteradas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o nível dos juros.
Enquanto analistas afirmam que as investidas do presidente têm provocado efeito contrário ao desejado, com a ameaça à independência da política monetária ensejando apostas de inflação e juros mais altos, não há clareza quanto ao objetivo final de Lula.
“É uma questão de o presidente usar isso como um tema político, que é o que ele está fazendo. Eu acho que quanto menos ele falar do assunto melhor para controlar as expectativas e baixar os juros”, opinou o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, que comandou a instituição no primeiro mandato de Lula.
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O economista-chefe da corretora Necton, André Perfeito, avalia que há uma “falsa disputa”, porque na sua avaliação Lula não vai efetivamente gastar capital político para acabar com a independência do BC e, de outro lado, a autoridade monetária não deve deixar os juros no patamar atual até o fim do ano, considerando as expectativas de mercado.
“Lula está fazendo um jogo de cena: ele precisa aplacar sua base para poder negociar com mais liberdade depois com o Banco Central. Política monetária é muito mais que uma técnica, é uma arte que se equilibra no fio do bigode”, disse.
Sob a autonomia do BC estabelecida em lei de 2021, o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, tem mandato até dezembro de 2024 e já afirmou que acha importante permanecer até o fim.
Antes mesmo da campanha presidencial, assessores econômicos de Lula se diziam contrários à autonomia, mas o então candidato destacou que não via impedimento e buscaria o diálogo com Campos Neto.
Já no primeiro mês empossado, contudo, o presidente passou a fazer sistemáticas críticas às metas de inflação, consideradas por ele muito baixas, e à atual taxa Selic, vista como “sem explicação” em 13,75% ao ano –o que impulsionou a curva futura de juros e fez o real se valorizar menos que outros pares em meio à fraqueza global do dólar.
A posição do presidente foi adotada antes mesmo de o BC decidir manter os juros básicos inalterados na semana passada, na sua primeira decisão de política monetária após a posse do novo governo, mencionando a possibilidade de a Selic seguir por mais tempo no seu maior nível em seis anos em razão dos riscos fiscais sob Lula.
Duas fontes próximas a Campos Neto ouvidas pela Reuters afirmaram que ele não considera deixar o comando da autoridade monetária em meio à sustentada pressão por uma virada na condução da política monetária.
Elas ressaltaram, em condição de anonimato, que Campos Neto considera a autonomia assegurada por lei ao Banco Central um ganho institucional muito importante, e que ele cumpre um papel de resguardá-la ao ser o primeiro presidente da autarquia nessa transição.
O economista-chefe do C6 Bank, Felipe Salles, vê como pequeno o risco de os atritos gerarem mudança prática na autonomia do BC no curto prazo, mas, para ele, é possível que o governo esteja pavimentando caminho para mudar o rumo da meta de inflação.
As metas são definidas pelo Conselho Monetário Nacional, hoje composto pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad; e do Planejamento, Simone Tebet; e pelo presidente do Banco Central, o que significa que o governo federal tem dois dos três votos no colegiado.
Lula já argumentou que o país deveria buscar seu próprio padrão de inflação em vez de mirar no que ele chamou de modelo “europeu”, mas integrantes do governo minimizaram qualquer possibilidade de mudança.
Embora a inflação tenha caído a 5,87% até meados de janeiro após ter ficado em dois dígitos de setembro de 2021 a julho de 2022, ela ainda está longe da meta para este ano e se distanciando em horizontes mais longos, um movimento que o próprio BC disse poder estar sendo influenciado pelos questionamentos acerca das atuais metas.
O alvo de inflação foi reduzido gradualmente a partir de 2019, saindo de um patamar de 4,5% para chegar em 3,25% para 2023 e 3% para 2024 e 2025, com tolerância de 1,5 ponto percentual.
DIRETORES
As críticas do presidente também turvaram o processo de escolha de novos diretores do BC, após tanto Campos Neto quanto o ministro Fernando Haddad terem buscado mostrar unidade: o primeiro ao falar que a escolha deveria ser idealmente de consenso, o segundo ao ressaltar que até mesmo um nome da iniciativa privada poderia ser escolhido.
Os mandatos dos atuais diretores de Campos Neto serão encerrados em prazos diferentes até 2025, e caberá a Lula indicar todos os nomes da diretoria de nove membros do banco, começando pelas diretorias de Política Monetária e Fiscalização, cujos mandatos expiram no fim deste mês.
Diante das farpas públicas, cresceram apostas de que Lula buscará colocar um nome alinhado à sua visão na diretoria de Política Monetária, considerada uma das mais críticas, já que fornece subsídios para as decisões de política monetária e é responsável pelas mesas de câmbio e juros.
Mas ainda que Lula faça todas as substituições por nomes de sua estrita escolha, Campos Neto e seus atuais diretores vão deter maioria no Copom até o fim do mandato do atual presidente do BC.
O ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman escreveu em nota a clientes que Lula poderia de fato desconsiderar as sugestões de Campos Neto para a composição do Copom ou mesmo aumentar as metas de inflação.
“De qualquer forma, se este for o caminho seguido, não se deve ter dúvida quanto ao que aconteceria. As expectativas de inflação aumentariam, e, portanto, também a inflação atual e as taxas de juros do mercado”, disse ele.
“Tem que ver como mercado vai interpretar, se é uma mudança de direcionamento, uma mudança de condução de política monetária, ou se é mais uma direção de ter um corpo mais heterogêneo para ter uma discussão com visões diferentes”, avaliou Salles.
(Por Bernardo Caram e Marcela Ayres)