A controversa (para dizer o mínimo) fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que comparou a guerra de Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza ao Holocausto que exterminou 6 milhões de judeus na Europa durante o domínio nazista, gerou dois efeitos principais. O primeiro e mais óbvio, a corrosão das relações políticas, diplomáticas e (provavelmente) comerciais com os israelenses. A segunda, menos direta, um maior alinhamento com os países árabes.

Lula recebeu uma salva de palmas de importantes parceiros daquela região, como Arábia Saudita, Catar, Egito e Irã, que concordam com a tese de que existe um genocídio em andamento contra o povo palestino, embora não endossem a comparação com a tática de Adolf Hitler. “Assim como no início da Segunda Guerra Mundial, nenhum líder mundial relevante se opôs a Hitler. Se houvesse um Lula lá atrás, talvez a Alemanha tivesse sido parada antes”, disse Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal).

Sob essa ótica, Lula pode ter dado tiro certo, mesmo que sem querer e de forma atabalhoada. Isso porque o mercado árabe é muito mais relevante para o Brasil do que Israel.

A relação comercial do País com os israelenses é desequilibrada e vantajosa ao país do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Dos US$ 339 bilhões exportados em 2023, apenas 0,2%, ou US$ 661,9 milhões, foram para os israelenses.
Por outro lado, de tudo que foi importado no ano passado (US$ 240 bilhões), menos de 0,6% (US$ 1,352 bilhão) vem de Israel.
Assim, o Brasil teve um déficit comercial de US$ 690 milhões no intercâmbio de bens e serviços com os israelenses.

(Ahmad Gharabli)

“A comparação é uma vergonha antissemita. Até que peça desculpas, Lula é persona indesejada em Israel.”
Israel Katz, ministro das Relações Exteriores de Israel

Já na comparação do comércio do Brasil com o mundo árabe, os números são exponencialmente superiores.
De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, o Brasil deve faturar 15% mais em 2024 com a exportação de produtos agropecuários aos países da Liga Árabe.
Em 2023, o Brasil alcançou a cifra de US$ 14,538 bilhões com as vendas para os 22 países da Liga.

“Há maior demanda interna e para reexportação”, disse Tamer Mansour, secretário-geral da Câmara, ao Estadão. Para ele, esse número chama a atenção porque ocorre mesmo com a instabilidade política na região, que limita o crescimento de alguns países. “Argélia, Marrocos e Iraque serão mercados-chave para a expansão, enquanto o consumo dos países do Golfo Pérsico tende a continuar sustentado. A recuperação econômica do Egito e a safra de açúcar do Brasil, principal produto comprado pelos árabes, são fatores que podem influenciar no resultado”, afirmou Mansour.

HORIZONTE

Os países árabes têm interesse em importar mais alimentos do Brasil, como:
cortes nobres bovinos,
processados de frango,
achocolatados,
biscoitos,
e açaí.

As vendas desses produtos avançaram 40% em 2023 contra 2022, mas a pauta ainda deve seguir concentrada em commodities nos próximos anos.

De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, os principais produtos exportados pelo Brasil aos países árabes foram:
açúcar, com um total de US$ 4,9 bilhões,
carnes de aves (US$ 3,2 bilhões),
minério de ferro (US$ 2,7 bilhões),
milho (US$ 1,7 bilhão),
e soja (US$ 1,3 bilhão).

Os principais produtos importados foram petróleo e derivados, em montante que ultrapassou US$ 5,7 bilhões, e fertilizantes, com importações superiores a US$ 3,5 bilhões.

(Ronen Zvulun)

“As palavras de Lula foram vergonhosas e graves. Trata-se de uma banalização do holocausto e um ataque ao povo judeu.”
Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel

. Ao declarar o presidente brasileiro persona non grata, o governo de Israel estabelece um muro entre o avanço das relações entre os dois países e elege um novo inimigo internacional.

“As palavras de Lula foram vergonhosas e graves. Trata-se de uma banalização do holocausto e um ataque ao povo judeu”, afirmou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

A animosidade ficou ainda maior depois que o ministro das Relações Exteriores do país, Israel Katz, chamou de “vergonha antissemita” a fala do presidente do Brasil e humilhou publicamente a chancelaria brasileira. Em resposta, Lula chamou de volta o embaixador em Israel, Fred Meyer, para consultas, um gesto da diplomacia que simboliza discordância.

Apesar do alvoroço em torno da fala de Lula, a acusação de genocídio não é tese fantasiosa. O Ministério da Saúde palestino diz que 30 mil civis foram mortos nas ofensivas de Israel em Gaza. Desse total, 13 mil são crianças. Aí mora o argumento da desproporcionalidade.

Por outro lado, os ataques terroristas do Hamas em Israel mataram 1,2 mil pessoas.

“Lula só falou a verdade. E ou defende-se a verdade ou a barbárie nos aniquilará”, disse Gustavo Petro, presidente da Colômbia. “Em Gaza há um genocídio e milhares são covardemente assassinados.”

Pela definição da ONU, genocídio se define como:
(a) Assassinato de membros do grupo;
(b) Causar danos à integridade física ou mental de membros do grupo;
(c) Impor deliberadamente ao grupo condições de vida que possam causar sua destruição física total ou parcial;
(d) Impor medidas que impeçam a reprodução física dos membros do grupo;
(e) Transferir à força crianças de um grupo para outro. Nesse ponto, sobre as práticas de Israel na Faixa de Gaza, há consenso de sobra e dúvidas de menos.

Pela definição da ONU, genocídio se dá quando um grupo, entre outras coisas, impõe a outros danos à integridade física e mental (Crédito:Mohammed Abed)