Sempre que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dá uma declaração polêmica sobre política externa durante visitas oficiais, o Itamaraty trata de acalmar os ânimos dizendo que os comunicados oficiais dos encontros de Lula seguirão a tradicional linha brasileira da não intervenção e da multipolaridade.

De fato, os comunicados oficiais sempre soam mais equilibrados do que as declarações do presidente. Foi assim na visita do chanceler federal alemão, Olaf Scholz, em janeiro, e agora na visita de Lula à China, com uma grande delegação.

Mas aos poucos fica claro que Lula segue uma política externa própria, e isso se mostra nas suas falas de improviso e nas suas entrevistas. Ou no simbolismo: Lula e seus mais importantes ministros acabaram de receber o ministro do Exterior da Rússia, Serguei Lavrov.

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O polêmico ministro russo iniciou pelo Brasil uma viagem que o levará ainda aos regimes autoritários da Venezuela, da Nicarágua e de Cuba.

O objetivo do diplomata russo foi por ele alcançado com a simples chegada a Brasília: a Rússia pôde mostrar ao mundo que é recebida no Brasil, uma democracia ocidental, com altas honras.

Neutralidade brasileira em xeque

Nos seus pouco mais de 100 dias de governo, Lula cria cada vez mais dúvidas de que o Brasil tenha uma posição neutra nos recentes conflitos geopolíticos. O presidente brasileiro mostra, frequentemente, mais compreensão para com o agressor, a Rússia, do que para com a vítima, a Ucrânia.

Ele sublinha seus pontos em comum com a China e afronta os Estados Unidos e a Europa. Certamente causará indignação duradoura no Ocidente a declaração de Lula de que os Estados Unidos e a Europa, com seus envios de armas, contribuem para a continuidade da guerra em vez de se empenharem pela paz.

Em especial os Estados Unidos parecem ser vistos por Lula como um marionetista – e não apenas por trás da guerra na Ucrânia. Lula responsabiliza os EUA por uma série de problemas no mundo; já as potências mundiais China e Rússia ele poupa de críticas.

O pano de fundo é claro: Lula quer que o Brasil, assim como nos seus primeiros governos, sente à mesa com as potências mundiais. Para demarcar sua política externa, faz uso de um grupo como o Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que se vê como uma alternativa ao G7, dos países industrializados. Isso faz sentido, pois o centro de poder do mundo está se deslocando para a Ásia.

Risco de sair queimado

Problemático é que Lula se veja como vocacionado a atuar como potencial negociador da paz na Ucrânia. O perigo é que Lula saia daí queimado: o Brasil não é mais a potência econômica em ascensão que era no segundo mandato dele, nem pode, como potência regional, falar em nome de uma América do Sul dividida e dependente da economia mundial. E o Brasil não é de maneira alguma militarmente influente no mundo.

É na política ambiental e climática que o Brasil quer, de novo, falar em pé de igualdade com as potências mundiais. Só que, para isso, Lula precisa em primeiro lugar acabar com o caos na Amazônia e com a burocracia ambiental deixadas para ele pelo antecessor, Jair Bolsonaro.

Lula poderá elevar seu peso político no mundo se conseguir acabar com o desmatamento na Amazônia, reduzir a pobreza no Brasil, colocar a economia nos trilhos e integrar a América do Sul. Tudo isso segue em aberto.

Até aqui, certo é que o Brasil nem de longe tem a importância geopolítica necessária para atuar como mediador num conflito tão distante.

Existe o risco de que Lula, com sua ambição de atuar como porta-voz do Sul Global, consiga prejudicar de forma duradoura as relações do Brasil com a Europa e com os Estados Unidos.

Mas também a Rússia, a China e a Índia só vão dar ouvidos a Lula se ele for bem-sucedido na América do Sul e conseguir fortalecer o Brasil depois de uma longa estagnação.

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.