14/09/2005 - 7:00
DINHEIRO ? Por que a economia não se deixou contaminar pela política?
ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES ? Lá fora, toda essa confusão já teria feito estourar uma revolução enorme. Aqui não. A razão é o fato de o povo brasileiro ser muito bom, excelente. É um povo trabalhador e tranqüilo. Outra coisa é que o governo tem uma figura chamada Antônio Palocci, que representa seriedade e firmeza. A postura dele é um dos motivos para que toda essa coisa feia que a gente vê não tenha abatido a iniciativa privada. Eu ando me sentindo muito honrado de ser brasileiro. Afinal de contas, numa situação crítica como essa, todos nós estamos dando uma grande demonstração de maturidade, cada um fazendo a sua parte.
DINHEIRO ? Mas Palocci teve seu passado questionado durante esse processo de investigação. A imagem dele não ficou arranhada?
ERMÍRIO ? Eu sei que ele sofreu denúncias, mas isso é normal. Quando se está lá em cima, numa posição de destaque, começam a vasculhar a vida da pessoa até descobrir a maneira como ela chegou ao mundo, se com o pé esquerdo ou o direito na frente. É preciso ter um pouco de paciência. O que temos de melhor a fazer é passar por cima dessas coisas pequenas. O importante é o Brasil crescer.
DINHEIRO ? O PIB parece estar querendo se recuperar nos últimos meses. O sr. percebe essa retomada no seu dia-a-dia de negócios?
ERMÍRIO ? A resposta é sim. Aqui na Votorantim começamos a ver sinais claros dessa recuperação. Este ano já produzimos 400 mil toneladas de alumínio no Brasil. Em agosto, 48 por cento da nossa produção foi para a exportação, mas já em setembro as vendas para fora vão ficar em 35 por cento e todo o resto vai ser assimilado pelo mercado interno. A reação está acontecendo. Para aumentarmos nossa produção, estamos investindo US$ 350 milhões numa nova planta industrial. Com ela, teremos capacidade para produzir 470 mil toneladas de alumínio por ano. Quer dizer, a gente acredita não apenas nas exportações, mas também na capacidade do mercado interno.
DINHEIRO ? Quando o empresário faz um investimento desta monta e os políticos aparecem para atrapalhar, qual é o sentimento? Dá medo de que eles possam colocar tudo a perder?
ERMÍRIO ? Tem horas que realmente você fica até triste vendo tudo isso que está acontecendo, mas o Brasil e sua economia são mais fortes. Meu conselho é o seguinte: não prestem muita atenção nos políticos. O empresário tem de estar atento ao seu programa de investimentos, de abordagem do mercado e de metas de crescimento. Isso é que tem de ser muito estudado e detalhado dentro de qualquer empresa. Tem de se perguntar se nesses planos existe alguma coisa errada e partir para a execução somente quando houver certeza sobre o planejamento. Agora, se esse planejamento contiver algum erro, esse erro é meu, é do próprio empresário, não se pode culpar ninguém de fora. Mas quando os planos estão certos, o resto, sinceramente, não me assusta.
DINHEIRO ? E se houver um movimento de impeachment para o presidente?
ERMÍRIO ? Eu acho que não tem de haver impeachment coisa nenhuma. Eu me sinto à vontade para falar porque não votei no PT, não tenho compromissos com esse pessoal. Não faço parte do tal conselhão, não fui chamado a nenhuma reunião com o presidente e nem pedi nada a ele. Quer dizer, sou independente. Mas impeachment pra quê?, eu pergunto. O Brasil tem condições de varar tranqüilamente uma crise dessas, exatamente como está fazendo. Antes, com os militares no poder, era tudo diferente, tudo fechado, ninguém ficava sabendo de nada, não havia essa exposição dos problemas da política. Mas agora, com a democracia, o País tem mecanismos para resolver uma crise dessas com toda a normalidade.
DINHEIRO ? O sr. não votou em Lula, mas não esperava um pouco mais do governo dele?
ERMÍRIO ? Este ano poderíamos ter alcançado, no mínimo, um crescimento de meia dúzia de pontos porcentuais no PIB. Estamos aquém do crescimento do mundo, mas pelo menos crescemos um pouco.
DINHEIRO ? Por que o País não está chegando mais adiante?
ERMÍRIO ? Os juros praticados hoje no Brasil são típicos da agiotagem. Eu trabalho há 56 anos e sinto há 56 anos que os juros são pesados. Houve momentos no passado, com o Brasil sofrendo ataques desses tubarões do mercado financeiro internacional, em que até havia justificativa para aumentos nos juros. Era um jeito de o País se defender. Todos nós, aqui dentro, tínhamos de participar um pouco desse sacrifício. Mas hoje não há justificativa para esses juros. Neste momento, quando todos os países do mundo estão crescendo, quando a América Latina vai crescer cerca de 7% em seu PIB total, a situação de juros altos que vivemos no Brasil é realmente muito cruel. Quem trabalha com seriedade, não pode sofrer com esse tipo de punição. É um apelo que eu faço às autoridades: pelo amor de Deus, vamos parar para pensar e baixar um pouco esses juros. Acreditem no Brasil. Vocês vão ver como nós vamos crescer mais depressa.
DINHEIRO ? Mas e se a crise se agravar?
ERMÍRIO ? Eu acho que essa crise já passou. Mesmo se houver um fato novo, isso não vai mudar a maneira de o empresário pensar e trabalhar pelo crescimento. O que eu ouço de outros empresários é exatamente isso. Eles me dizem ?vamos fazer o Brasil crescer, vamos acreditar?. Nós sabemos que a economia brasileira tem campo para crescer. Nós produzimos 1,1% do PIB do mundo. Isso não é nada! Nós podemos chegar, tranqüilamente, a 3%, 4% do PIB mundial. Talvez 4% seja muito, mas 3% já poderíamos ter.
DINHEIRO ? Além dos juros, o governo insiste em fazer um superávit muito maior do que o de 4,75%, como anunciou. O resultado é que o orçamento não é executado e a economia fica sem os recursos públicos. Como o sr. vê esta situação?
ERMÍRIO ? Fazer isso é ser mau brasileiro. Os homens do governo têm de sair dessa posição, dar chance para a iniciativa privada, exigir e controlar os empresários para ver se eles estão agindo corretamente na execução dos contratos públicos. Fazer isso é ajudar concretamente a economia. Nós que trabalhamos queremos mostrar o nosso valor, a nossa capacidade de produzir. Quando os empresários abrem espaço, o governo vem atrás.
DINHEIRO ? O presidente Lula ainda tem condições de voltar a governar bem?
ERMÍRIO ? Ele me parece muito sozinho. Tem de chamar mais gente para o seu lado, gente com folha corrida decente. Pode ser empresário, advogado, dentista ou médico, mas tem de ser decente. Aliás, tem gente boa dentro do governo.
DINHEIRO ? Quem o sr. admira?
ERMÍRIO ? A doutora Dilma é excelente. É tranquila, séria e tem pulso. Vai ser muito importante para o presidente a partir de agora. Eu não falei com ela desde que virou ministra, mas a conheci antes e sei da sua competência. Outras pessoas dentro do governo também tem essas qualidades, mas muitas vezes esse pessoal não aparece. No passado, principalmente durante os militares, já tivemos muitos governos bem piores do que esse.
DINHEIRO ? O sr. não anda irritado com os políticos?
ERMÍRIO ? Você sabia que a democracia é o caminho mais longo entre dois pontos? Pois é isso mesmo, só que é o único caminho para uma sociedade que quer ser forte. Não tem outro jeito.
DINHEIRO ? O sr. se sente representado pelos políticos?
ERMÍRIO ? Muitas e muitas vezes, não. Mas para o empresário, o importante é ele estar satisfeito com ele próprio, com suas tomadas de decisões, com os rumos
de sua empresa. Tem hora que a gente tem de esquecer um pouco dos políticos. Eu, se fosse me incomodar com eles, já estava morto. Disputei e perdi uma eleição para um sujeito chamado Quércia e outro chamado Maluf,
não foi fácil. Mas hoje eles estão perdidos por aí e eu
estou aqui, à frente dos meus negócios, procurando
ajudar o Brasil crescer.
DINHEIRO ? O sr. que é o maior empregador do Brasil também é contra a CLT?
ERMÍRIO ? Não, de jeito nenhum. Um empregado no Brasil custa caro, mas quem quer ter uma empresa direita tem de trabalhar dentro da lei. Acho, porém, que a nossa legislação trabalhista é um pouco complicada. Se ela fosse mais simples e com mais facilidades para se resolver uma série de casos, tenho certeza de que teríamos mais condições de absorver mais rapidamente boa parte do contingente humano que vaga por aí. Mas não tem outro jeito. Custa caro, tem riscos, mas é a lei, e nós temos de aceitar isso se queremos, de verdade, construir uma imagem de País forte e respeitado no mundo.
DINHEIRO ? Qual é a fórmula para o presidente retomar sua capacidade de iniciativa?
ERMÍRIO ? Para governar bem, ele tem de trabalhar de maneira construtiva umas quinze horas por dia. Chegar no Palácio às seis ou sete da manhã e ir para casa às dez da noite. Se possível, para não perder tempo, deveria comer sanduíche, e ter muita flexibilidade tanto para ouvir quanto na hora de tomar decisões.
DINHEIRO ? Será que o presidente não se deixou seduzir pelas mordomias do poder?
ERMÍRIO
? Meu pai nasceu em Pernambuco e sempre dizia: quem nunca comeu melado, quando come se lambuza. Talvez Lula tenha se deixado levar um pouquinho pelas delícias do poder, mas também isso ele pode acertar daqui para a frente.