14/09/2022 - 9:00
Quando deixou o Brasil pela segunda vez, em 2018, a Lush, marca de cosméticos britânica com apelo “sustentável chique”, provocou longas filas nos seus últimos dias de lojas abertas. No auge, teve 23 lojas, incluindo um ponto na rua mais luxuosa de São Paulo, a Oscar Freire. Por trás dessas idas e vindas, no entanto, está uma briga societária que se arrasta na Justiça há 15 anos, com indenizações que podem superar os R$ 200 milhões.
Na segunda vez em que veio ao Brasil, com uma fábrica própria, a companhia britânica já tinha um histórico por aqui. Isso porque, inicialmente, o negócio chegara em 1999 por meio da empresária brasileira Sandra Isper Rocha. Depois de conhecer a Lush lá fora, ela decidiu negociar sua vinda ao mercado brasileiro. “Fiquei fascinada pela ideia e conceito. Foram muitas ligações e insistência até sermos recebidos em Londres, pelos fundadores da Lush”, contou Sandra, nesta semana, ao Estadão.
A Lush surgiu em 1995, pelas mãos de Mark Constantine, que até os anos 1970 trabalhava como cabeleireiro na Inglaterra e ganhou fama ao desenvolver cosméticos para seus clientes. Isso o levou a ser descoberto pela The Body Shop – outra marca de apelo sustentável, hoje parte do grupo Natura & Co. -, onde trabalhou por cerca de uma década. Depois disso, resolveu empreender, criando a Lush e ampliando a aposta no caráter “artesanal” e na sustentabilidade. Hoje, a marca tem mais de 900 lojas pelo mundo.
Foi de olho nesses diferenciais que Sandra tentou trazer a rede ao País. A primeira reunião foi em 1997, e a estreia veio dois anos depois. Mas não demorou muito, segundo ela, para os problemas aparecerem. O primeiro alerta veio quando a Lush alterou o prazo de pagamento das matérias-primas enviadas da Inglaterra até a fábrica no Brasil, em Cajamar, interior de São Paulo. “Nosso prazo de pagamento era de 120 dias, sendo que os produtos demoravam cerca de 60 dias para chegar. E eles passaram a pedir pagamento à vista, o que estrangulou nosso caixa”, lembra.
Mas foi em 2004 que o problema saiu de controle, quando a matriz passou a questionar a operação da subsidiária brasileira. Na época, inclusive, enviou contadores ingleses ao Brasil. Como resultado desse embate, em 2006 a matriz interrompeu o fornecimento de matérias-primas e determinou o fim do acordo de licenciamento da marca. “Nos shoppings, meu pai e mãe eram os fiadores. Foi um prejuízo gigantesco, além de ações trabalhistas. Isso gerou um estrangulamento do nosso patrimônio.”
O PROCESSO
Sandra pede na Justiça, desde 2007, uma indenização por conta das dívidas que teve de assumir e também pelo que deixou de ganhar com o fechamento súbito das lojas, em valores atualizados. Agora, anos depois, o jogo de forças pode mudar, segundo a defesa da empresária, que encontrou um documento, protocolado e autenticado no consulado brasileiro em Londres, em que a Lush reconhece a sociedade.
“O documento não só prova que desde o início a Lush era sócia efetiva da Sandra no Brasil, como mostra que eles tinham a expectativa de aumentar a participação no País. A nosso ver, isso comprova que a decisão de rescindir o contrato de licenciamento foi friamente calculada. Eles queriam tomar o mercado brasileiro”, diz Felipe Mangini, sócio do escritório Mangini Leite Siegl Mermerian Advogados, que representa Sandra. Posturas semelhantes, segundo a defesa, foram identificadas em outros países onde a Lush atuou por meio de sociedades, como Alemanha e Canadá.
A defesa aponta que, “curiosamente”, a principal loja aberta pela Lush na volta ao País, em 2014, funcionava exatamente em frente à antiga unidade que havia sido aberta por Sandra. “Eles decidiram tomar o mercado dos sócios iniciais, foi algo planejado”, diz Sandra.
Segundo o advogado, o anúncio da volta ao Brasil ocorreu logo após o processo indenizatório de Sandra ter sido extinto pela Justiça. No entanto, a decisão foi revertida em 2018, e Sandra teve de volta o direito de pedir indenização. Logo depois disso, a Lush anunciou sua saída definitiva do País.
Procurada, a Lush não retornou o pedido de entrevista.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.