29/11/2013 - 21:00
Quem se arrisca a entrar na loja térrea que fica no número 8 da rue de Sèvres, em um dos prédios mais charmosos de Paris, sofre duas surpresas instantâneas. A primeira, positiva, é se deparar com 70 m² de uma sofisticação discreta, projeto do arquiteto japonês Kenzo Kuma, e um ambiente aromatizado com uma suave fragrância de chá. Ali se vende desde móveis e utensílios de casa a roupas e joias. A segunda surpresa é descobrir que tudo o que está exposto é made in China. Calma, antes de franzir a testa e entortar o nariz, saiba que a Shang Xia, o nome da marca que é dona da loja, faz produtos de excelente qualidade – e originais – há cinco anos.
Desafio: primeira loja da marca no Exterior foi aberta em Paris, para testar a curiosidade dos europeus
De tão qualificada, a marca teve 90% da empresa comprada pela maison francesa Hermès, pela quantia de US$ 13,3 milhões. A grife foi a responsável por abrir a primeira loja da agregada chinesa no Exterior. E logo onde? Na Meca do luxo global, justamente onde franzir a testa e torcer o nariz para qualquer coisa que não seja francesa é très chic. A ousadia aconteceu em setembro. A Shang Xia tem faturamento anual na casa dos US$ 10 milhões, mas o próprio CEO da Hermès, Patrick Thomas, declarou enxergar a aquisição mais como uma reserva de valor e da herança cultural chinesa do que como um grande negócio.
Tradição: roupas de seda e xícaras de porcelana evocam o trabalho milenar dos artesãos chineses
“Queremos crescer devagar”, afirmou Jiang Qiong Er, diretora artística e dona dos outros 10% da empresa. O endereço no descolado bairro de Saint-Germain-des-Prés é o terceiro da marca. Pequim e Xangai sediam as duas primeiras lojas. Esse movimento de mercado, onde conglomerados europeus compram marcas chinesas, tem seus pioneiros. Em 2012, a Kering adquiriu a marca de joias Qeelin. O grupo suíço Richemond incorporou a etiqueta de moda Shanghai Tang e a gigante L’Oréal pagou, em agosto passado, US$ 840 milhões pela fabricante de máscaras faciais Magic Holdings.
Aposta: Patrick Thomas, da Hermès, pagou US$ 10 milhões na marca
dirigida por Jiang Qiong Er
O teste da Hermès é, agora, não só apresentar a marca aos franceses, mas convencer a turba de turistas chineses em Paris a comprar produtos feitos “em casa”. Entre os destaques nas prateleiras, joias feitas com jade, roupas de seda, móveis de laca vermelha e jogos de chá em porcelana que chegam a custar US$ 5 mil. Tudo feito por antigos artesãos chineses, que resgatam o design e a manufatura do país, valores esquecidos a partir da Revolução Comunista, em 1949. “Na (loja da) China, até os oficiais do Partido Comunista se dizem felizes por termos redescoberto a tradição da manufatura no país”, disse Jiang Qiong Er.
Vai um Cairtier aí?
Enquanto a Shang Xia tenta romper a má fama dos produtos chineses e aceita o desafio de abrir sua primeira loja internacional exatamente em Paris, o Wanda Plaza Square, em Shenyang, mostra que esse branding de imagem será uma tarefa árdua. Ali tudo, absolutamente tudo, é réplica. Uma cópia da promenade parisiense foi construída no shopping a céu aberto, com uma sucessão cômica de lojas pelo calçadão. Logo de cara, tem a Herwès Paris (foto acima). Sim, isso mesmo, um fake da francesa Hermès. E depois, o que vem? Cnanel, Tiffeany&Co. e Cairtier, desse jeito, com os nomes incorretos, mas a logotipia idêntica à das marcas que as inspiraram. Nas vitrines, bolsas, relógios, sapatos, vestidos, ternos, joias, tudo falso!
Até na hora da sobremesa, o sorvete é da Häagen Dezs e o café, Starbocks. Que tal? Uma das responsáveis pelo marketing do shopping garantiu, em entrevista a um jornal local, que a imitação nas fachadas das lojas serve apenas para atrair os clientes. Lá dentro, os produtos em nada teriam a ver com réplicas de seus originais. Esse ápice do consumo do que é cópia na cultura chinesa tem seus similares em outros setores, como no turismo. Em 2012, o governo da cidade de Huizhou gastou o equivalente a US$ 9,5 milhões para construir uma versão, de gosto duvidoso, de Hallstatt, vilarejo que é ponto turístico na Áustria, por conta de seus lagos e do casario antigo. E não é que teve chinês que fez questão de ir conhecer e posar para fotos diante do lago que, afinal, era artificial?