“A terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo. (…) Disse Deus: haja luz. E houve luz”, descreve o início do capítulo de Gênesis, na Bíblia. Mas no caso das debêntures da Light, o investidor caminha na escuridão. No dia 12 de abril, a Terceira Vara Empresarial do Rio de Janeiro concedeu à Light a suspensão do pagamento de seus credores por 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias. Desde então, a mesma Justiça já negou três pedidos de gestoras de fundos de investimentos como AZ Quest, Arx e JGP para rever a suspensão do pagamento aos debenturistas. A Light possui uma dívida líquida em torno de R$ 9 bilhões, sendo cerca de R$ 2,5 bilhões em títulos de dívida corporativa (debêntures) concentrada em vencimentos em 2024, 2025 e 2028.

Em nota ao mercado na segunda-feira (24), a Light informou que “todos os esforços da administração estão concentrados, nesse momento, nas interações e tratativas com os credores no contexto da mediação, de modo que, se necessário, a eventual tomada de outras alternativas ou cursos de ação para implementar a pretendida readequação ou equalização de suas obrigações financeiras”. Segundo a empresa todas essas potenciais alternativas permanecem sendo estudadas e ela manterá acionistas e mercado informados a respeito dos aspectos relevantes e significativos sobre seus negócios. Em outras palavras, a empresa está tentando negociar com os credores, mas sem sinalizar uma solução para suas pendências.

CALOTE EM ANDAMENTO? Atraso de pagamento aos debenturistas da companhia acende sinal de alerta aos investidores sobre risco do crédito privado. (Crédito:Divulgação)

Segundo analistas consultados pela DINHEIRO, o caso da Light é muito específico, pois a companhia ainda não renovou sua concessão no Rio de Janeiro que expira em 2026 e a distribuidora apresenta perdas relevantes com furto de energia e aumento da inadimplência dos consumidores. A luz vista pelo mercado seria a renovação da concessão, que permitiria um alongamento da dívida para o longo prazo. Por outro lado, o das trevas, o simples atraso da Light por 60 dias é considerado um evento de crédito, ou seja, um calote, cuja consequência é afastar os investidores pessoas físicas desse mercado (veja quadro). No mercado secundário, as debêntures da Light estão sendo negociadas com descontos de até 75%. Para Sydney Lima, analista da Top Gain, o principal impacto é de credibilidade. “Quando a empresa recorre à Justiça, acaba impactando sua capacidade de financiamento futuro, o valor de suas ações e debêntures, e indiretamente afeta todo o setor de energia”, afirmou. Lima considera que os investidores pessoas físicas estão se desfazendo dos papéis, aceitando as perdas. “Isso é muito ruim para o mercado. Diferentemente dos títulos bancários (CDBs, LCIs, LCAs), as debêntures não têm cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)”, disse. Na visão dele, o investidor que não suporta o risco das debêntures deve ficar de fora dos papéis. “Gestores de fundos de crédito privado possuem experiência para administrar esses riscos.”

Por anos, os analistas cantaram aos quatro ventos, que o setor elétrico era considerado seguro e defensivo para os investidores. Mas essa máxima caiu por terra com o caso da Light. Na avaliação do analista da Ouro Preto Investimentos Bruno Komura, o investidor deve diferenciar o setor em seus três subsetores: geração, transmissão e distribuição. “O mais seguro é de transmissão, dependendo da avaliação de sua infraestrutura. Depois, o de geração, dependendo da capacidade (reservatórios)”, afirmou. “O mais arriscado é de distribuição. Está mais próximo do consumidor final, mesmo que a maior parte das pessoas paguem suas contas.”

O economista da Valor Investimentos Paulo Henrique Duarte lembrou que o prêmio de risco do crédito privado subiu rapidamente depois da fraude de Americanas no início do ano — de 0,68 ponto percentual para mais de 3 pontos percentuais acima do risco do Tesouro. “Poucos negócios estão ocorrendo no mercado de capitais”, afirmou. Duarte alerta que o investidor deve entender que comprar debêntures é emprestar para uma empresa para o longo prazo. “Se paga juros maior, tem risco maior”, afirmou. Nesse sentido, onde houver trevas, que haja luz.