28/04/2023 - 1:30
“A terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo. (…) Disse Deus: haja luz. E houve luz”, descreve o início do capítulo de Gênesis, na Bíblia. Mas no caso das debêntures da Light, o investidor caminha na escuridão. No dia 12 de abril, a Terceira Vara Empresarial do Rio de Janeiro concedeu à Light a suspensão do pagamento de seus credores por 30 dias, prorrogáveis por mais 30 dias. Desde então, a mesma Justiça já negou três pedidos de gestoras de fundos de investimentos como AZ Quest, Arx e JGP para rever a suspensão do pagamento aos debenturistas. A Light possui uma dívida líquida em torno de R$ 9 bilhões, sendo cerca de R$ 2,5 bilhões em títulos de dívida corporativa (debêntures) concentrada em vencimentos em 2024, 2025 e 2028.
Em nota ao mercado na segunda-feira (24), a Light informou que “todos os esforços da administração estão concentrados, nesse momento, nas interações e tratativas com os credores no contexto da mediação, de modo que, se necessário, a eventual tomada de outras alternativas ou cursos de ação para implementar a pretendida readequação ou equalização de suas obrigações financeiras”. Segundo a empresa todas essas potenciais alternativas permanecem sendo estudadas e ela manterá acionistas e mercado informados a respeito dos aspectos relevantes e significativos sobre seus negócios. Em outras palavras, a empresa está tentando negociar com os credores, mas sem sinalizar uma solução para suas pendências.
Segundo analistas consultados pela DINHEIRO, o caso da Light é muito específico, pois a companhia ainda não renovou sua concessão no Rio de Janeiro que expira em 2026 e a distribuidora apresenta perdas relevantes com furto de energia e aumento da inadimplência dos consumidores. A luz vista pelo mercado seria a renovação da concessão, que permitiria um alongamento da dívida para o longo prazo. Por outro lado, o das trevas, o simples atraso da Light por 60 dias é considerado um evento de crédito, ou seja, um calote, cuja consequência é afastar os investidores pessoas físicas desse mercado (veja quadro). No mercado secundário, as debêntures da Light estão sendo negociadas com descontos de até 75%. Para Sydney Lima, analista da Top Gain, o principal impacto é de credibilidade. “Quando a empresa recorre à Justiça, acaba impactando sua capacidade de financiamento futuro, o valor de suas ações e debêntures, e indiretamente afeta todo o setor de energia”, afirmou. Lima considera que os investidores pessoas físicas estão se desfazendo dos papéis, aceitando as perdas. “Isso é muito ruim para o mercado. Diferentemente dos títulos bancários (CDBs, LCIs, LCAs), as debêntures não têm cobertura do Fundo Garantidor de Créditos (FGC)”, disse. Na visão dele, o investidor que não suporta o risco das debêntures deve ficar de fora dos papéis. “Gestores de fundos de crédito privado possuem experiência para administrar esses riscos.”
Por anos, os analistas cantaram aos quatro ventos, que o setor elétrico era considerado seguro e defensivo para os investidores. Mas essa máxima caiu por terra com o caso da Light. Na avaliação do analista da Ouro Preto Investimentos Bruno Komura, o investidor deve diferenciar o setor em seus três subsetores: geração, transmissão e distribuição. “O mais seguro é de transmissão, dependendo da avaliação de sua infraestrutura. Depois, o de geração, dependendo da capacidade (reservatórios)”, afirmou. “O mais arriscado é de distribuição. Está mais próximo do consumidor final, mesmo que a maior parte das pessoas paguem suas contas.”
O economista da Valor Investimentos Paulo Henrique Duarte lembrou que o prêmio de risco do crédito privado subiu rapidamente depois da fraude de Americanas no início do ano — de 0,68 ponto percentual para mais de 3 pontos percentuais acima do risco do Tesouro. “Poucos negócios estão ocorrendo no mercado de capitais”, afirmou. Duarte alerta que o investidor deve entender que comprar debêntures é emprestar para uma empresa para o longo prazo. “Se paga juros maior, tem risco maior”, afirmou. Nesse sentido, onde houver trevas, que haja luz.