Em 1913, o empresário cearense Delmiro Augusto da Cruz Gouveia (1863-1917), uma espécie de barão de Mauá do Nordeste, bancou a construção de uma hidrelétrica no rio São Francisco, a Usina de Angiquinho, em Alagoas. A obra era vital para viabilizar a fábrica de linhas de costura que Gouveia estava erguendo na região. Em outros casos, muitas empresas utilizavam caldeiras de locomotivas, queimando nelas resíduos como madeiras, palhas e sobras da produção para obter a energia necessária para sua operação. 

 

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Lucro no lixo: Ávila, diretor da Marfrig, aposta no uso de dejetos de suíno

para gerar o biogás, utilizado na produção de energia

 

Com os gigantescos investimentos governamentais no setor elétrico, a partir da segunda metade do século passado, a geração própria arrefeceu, ficando por conta de alguns setores isolados, como o de alumínio, consumidores intensivos de energia. 

 

Mas esse quadro começou a mudar mais recentemente, com uma espécie de revival de algumas das velhas práticas do passado. Nomes como a Seara Alimentos, Embaré, Celulose Irani e Lanxess são exemplos de companhias que apostam na chamada autogeração energética. 

 

As vantagens são muitas. A primeira delas é a redução das despesas com a conta de energia elétrica. No entanto, o benefício maior é acrescentar um componente sustentável à operação, necessário para uma maior competitividade no Exterior. 

 

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“Os governos da Europa e dos Estados Unidos já pensam em restringir a importação de produtos que são fabricados sem levar em conta a redução das emissões dos gases que causam o efeito estufa”, diz o engenheiro João Marcelo Mendes, diretor da consultoria mineira WayCarbon. “Quanto mais verde o produto, maiores serão as chances de ele escapar, no futuro, desse tipo de barreira.” 

 

Esse foi um dos motivos que levaram a Seara Alimentos, do Grupo Marfrig, a adotar uma política que combina geração de energia com sustentabilidade. Ela conseguiu isso com a utilização dos dejetos da criação de suínos para a produção do chamado biogás. 

O produto é usado para movimentar as turbinas instaladas em seu complexo em Diaman-tino (MT). O projeto consumiu R$ 8 milhões e tem capacidade de gerar dois megawatts por ano, energia suficiente para abastecer totalmente as granjas de criação de suínos da  Seara na região. 

 

A conta de luz dessa unidade, que era de R$ 2,5 milhões anuais, foi zerada. “Trata-se de um ganho expressivo. Contudo, como temos unidades produtivas espalhadas por vários cantos do País, não seria viável produzir toda a energia de que precisamos”, diz Clever Ávila, diretor de tecnologia e desenvolvimento industrial da Marfrig. 

 

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Lacerda, ceo da Lanxess: ”Nosso projeto de cogeração está servindo de modelo para as filiais da Bélgica e da Índia”

 

Segundo o executivo, a companhia também está atuando forte na eliminação dos combustíveis fósseis de sua matriz energética. O passo mais recente foi a substituição de óleo BPF, derivado de petróleo, por bióleo – um insumo desenvolvido pela Marfrig a partir da borra da soja resultante do esmagamento do grão.

 

A Embaré, do setor de laticínios, é outra companhia que viu na geração de energia uma forma de reduzir custos e mitigar seu impacto ambiental. Toda a energia para o funcionamento da unidade de tratamento de resíduos da fábrica de Lagoa da Prata (MG) é obtida com a queima dos gases gerados na decomposição do esgoto. 

 

Para isso, a empresa investiu R$ 5 milhões na compra de quatro reatores e na montagem de câmaras para acumulação do gás. “Deixamos de desembolsar R$ 10 mil por mês com energia”, diz o engenheiro Cícero Mateus Filho, coordenador das áreas ambiental e de segurança do trabalho da Embaré. 

 

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Economia sustentável: além de ajudar a reduzir o gasto com energia elétrica, projetos como o da Celulose Irani (à esq.)

e da Embaré garantem recursos adicionais com a venda de créditos de carbono no mercado internacional

 

Sobras da produção também movimentam a termelétrica construída pela Celulose Irani em Vargem Bonita (SC). A usina, que começou a operar em 2005, custou R$ 22,5 milhões. Desde então, a fabricante de papel e celulose vem colhendo bons dividendos. “Desativamos sete caldeiras movidas a óleo combustível. 

 

Agora, temos apenas uma que é mais produtiva”, afirma Odivan Cargnin, diretor financeiro-administrativo da Celulose Irani. “Deixamos de gastar R$ 9,8 milhões por ano em combustível.” 

 

Hoje, 75% de toda a energia consumida pela Irani é obtida no sistema de autoprodução. É que, além da cogeradora, a empresa possui três hidrelétricas perto de seu parque fabril. A meta é produzir, até 2014, 90% da energia necessária ao seu funcionamento. 

 

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Quem também está apostando forte na autoprodução é a direção da subsidiária da alemã Lanxess, fabricante de óxido de ferro, comercializado com a marca Xadrez. A usina de cogeração, inaugurada no ano passado e que usa como combustível bagaço de cana-de-açúcar, responde por uma fatia expressiva do consumo de eletricidade da fábrica situada em Porto Feliz (SP). 

 

O montante exato não é revelado. No projeto, foram investidos R$ 20 milhões. O primeiro efeito positivo foi reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2), pois a energia produzida a partir da queima de bagaço de cana é menos poluente em relação ao processamento dos combustíveis fósseis. 

 

A operação acabou despertando a atenção da matriz. “A subsidiária se tornou um modelo para a companhia em nível global”, diz Marcelo Lacerda, presidente da Lanxess do Brasil. “Projetos semelhantes estão sendo implantados nas filiais da Bélgica e da Índia.” 

 

Além da economia na conta de luz, os recursos desembolsados para erguer a usina serão amortizados com a venda de crédito de carbono. “Acredito que poderemos captar cerca de US$ 1 milhão por ano com essa modalidade”, diz o executivo.