22/09/2004 - 7:00
Na quinta-feira 8, a vice-presidente da Ford Motor Company, Anne Stevens, desembarcou no aeroporto de Foz do Iguaçu (PR), trazendo um recado de Bill Ford Jr., CEO mundial da marca. ?Em reconhecimento ao ótimo trabalho, avise ao Maciel que o board acaba de promovê-lo à vice-presidência corporativa.? Aos 46 anos, Antonio Maciel Neto, que já acumula os postos de presidente da empresa no Brasil e na América do Sul, é o primeiro executivo brasileiro a ocupar esse cargo. Embora seu dia-a-dia não se altere, ele integrará um grupo de 30 executivos que opinam em decisões corporativas da segunda maior montadora do mundo. Na prática, Maciel passa a ser consultado em qualquer assunto de relevância macroeconômica, como ampliações de investimentos ou ajustes de cortes de custos. Trata-se de um prestígio que pode mudar o panorama da empresa no País. E chega justamente em boa hora, quando a Ford Brasil anuncia estudos para o lançamento de um novo popular de grande volume de vendas, algo que falta ao seu leque atual. ?É certeza que teremos este modelo para concorrer com Uno e Celta?, garante Benedito Lima, presidente da Abradif, entidade que congrega a rede de concessionários da marca. ?Deverá estar no mercado até o primeiro semestre de 2005?, aposta. Maciel esquiva-se. ?A intenção existe. Mas ainda estamos analisando?, explica. A resposta sairá até o fim do ano.
O engenheiro foi contratado pela Ford há apenas cinco anos com a missão de reerguê-la. Pressões e ameaças vinham de todos os lados. Até da matriz. Jack Nasser, chefão da companhia na época, havia acabado de fazer um forte pronunciamento. ?A América do Sul representa 5% do nosso negócio. Não podemos permitir que a maçã podre contamine o resto.? Foi neste período que surgiu o temor de que a empresa poderia, de fato, deixar o Brasil. Versado em negociações como poucos, Maciel precisou de pouco tempo para pôr a casa em ordem. Reabriu diálogos com sindicatos e fornecedores, renovou a ?quebrada? rede de distribuidores, devolveu a auto-estima aos funcionários e triplicou o número de engenheiros. Resultado: nasceram sucessos de vendas como Fiesta e EcoSport. A Ford saltou de 8% de participação de mercado, em 1999, para 12% este ano. É a única das grandes montadoras, que incluem Volkswagen, GM e Fiat, a ter restaurado a rentabilidade em suas operações na América do Sul ? lucro de US$ 37 milhões no primeiro semestre contra US$ 100 milhões de prejuízo no mesmo período de 2003. O detalhe é que antes disso ocorrer, Maciel conseguiu convencer os acionistas a investir mais de US$ 1 bilhão na construção da fábrica de Camaçari.
A lua-de-mel com o Brasil pode ser interrompida caso o projeto do popular seja engavetado. A Ford vem sendo pressionada pelos distribuidores a criar um veículo barato que propicie altos volumes de vendas (o Fiesta Street é antiquado e o Ka tem vendas limitadas para famílias). Esse novo automóvel melhoraria a margem de contribuição para as revendas, geraria novos negócios com peças e serviços e evitaria, no embate direto, vendas da concorrência. ?O projeto está condicionado a três fatores?, revela Maciel. ?Crescimento do mercado interno, investimento auto-sustentável, de dezenas de milhões de dólares, e preço final até R$ 20 mil?.
Explicando que o modelo teria ?a maior quantidade possível de peças do Ka e do Fiesta?, o executivo deixa margem a algumas interpretações. Primeiro: um carro totalmente novo custa ?centenas de milhões de dólares, não dezenas?. O VW Fox, por exemplo, exigiu US$ 200 milhões. Gastar menos de US$ 100 milhões, por números que as próprias montadoras divulgam, prescreve a adequação, a transformação ou a reestilização de um produto já existente. Jamais algo totalmente inédito. Segundo: Maciel exemplifica que a idéia é fazer um compacto espaçoso por dentro (como o Fiesta) e inovador por fora (tal qual o Ka). Terceiro: a Ford Europa criou, em 1998, o protótipo de um Ka com carroceria de quatro portas ? usando plataforma do Fiesta ?, uma espécie de casamento perfeito das premissas anteriores. Mudando uma lanterna aqui, um farol ali, pintando-se um pára-choque… pronto: nasce um ?novo? veículo e dentro de um orçamento modesto, condição para chegar ao público com preço acessível. Tudo se encaixa.
Em todo caso, o sim ou o não sairá nos próximos meses. Caso seja aprovado, a Ford informa oficialmente que começaria a produzi-lo entre 2006 e 2007. Cautelosa, não admite que se candidatará à briga pela liderança do mercado brasileiro, mas a conseqüência será imediata. Esse segmento, além de ser o de maior volume, é o único em que ela não compete em pé de igualdade com as outras grandes. ?O lançamento de um carro popular é crucial para a sobrevivência da Ford no Brasil?, garante Mauro Zilbovicius, consultor e professor de engenharia de produção da USP. Caso a companhia abandone o projeto, a medida frustrará o País, os distribuidores da marca e os metalúrgicos do ABC paulista. Eles aguardam a notícia como redenção para a reabertura do segundo turno de produção na fábrica de São Bernardo do Campo. E há outra conseqüência: a perda irreparável de participação. É simples: se o mercado crescer de 1,5 milhão para 2 milhões de unidades, volume admitido por Maciel, esse aumento nas vendas se dará entre os populares. Se estiver ausente dessa fatia, a Ford perderá mercado. ?Sabemos disso. Só não vamos cometer loucuras e investir em projetos que não sejam auto-sustentáveis?, explica o executivo.
Colaborou Carlos Sambrana
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