SE O ESQUEMA CRIADO por Bernard Madoff tivesse sido desmascarado alguns anos antes, poderíamos dizer que a história a seguir foi inspirada na fraude americana. Mas não. de acordo com mais de uma dezena de processos que correm na Justiça, o Brasil também tem seu personagem sombrio e dissimulado, que teria forjado, enganado e roubado dinheiro alheio por cerca de dois anos. A diferença é que a versão brasileira foi menos eficiente e não conseguiu agir por muito tempo. Trata-se do caso da corretora de câmbio Agente Br, sediada em São Paulo, e que tinha como proprietário o empresário Antonio Vertullo Júnior, falecido em 2006. Seu filho, Tulio Vinícius Vertullo, 34 anos, assumiu o escritório do pai e passou a intitulá-lo ?corretora de valores?. Sem jamais tentar obter permissão da CVM para operar na bolsa ou ao menos transferir a empresa para seu próprio nome, Vertullo criou uma série de clubes de investimento ?virtuais?, não autorizados pela BM&FBovespa, prometendo rendimentos mensais acima de 12%. Com tal chamariz, embolsou um valor estimado em mais de r$ 100 milhões de cerca de mil investidores.

A estratégia de Vertullo para conseguir clientes sem fazer alarde para a CVM era simples: o boca a boca. nomeou pessoas de sua confiança para gerir cada clube e definiu algumas regras. Só era possível investir se houvesse uma indicação por escrito de algum investidor que já estivesse no clube e o valor inicial deveria ser superior a r$ 10 mil. os primeiros foram colhidos em fóruns da internet, como do infomoney, e pessoas do convívio de Vertullo. os clientes checavam a rentabilidade de suas aplicações no próprio site da corretora, mediante login e senha. ?Cheguei a ter mais de 20% de rentabilidade em apenas um mês?, diz a administradora irene nunes de Freitas, de itanhaém, no litoral paulista. No entanto, todos os dados verificados por investidores eram ilusórios, exatamente como fazia a gestora de Madoff. Se era necessário algum resgate, Vertullo pagava com o dinheiro de outros clientes, num esquema que lembra o das pirâmides financeiras. Com isso, abafava uma possível desconfiança por parte dos investidores e estimulava o ?boca a boca?. ?Você via seu dinheiro se multiplicando e queria que todo mundo tivesse a mesma sorte. Com isso, a rede dele crescia?, afirmou um investidor de Santos, que não quis ser identificado. A rede cresceu tanto que os clubes, ou ?grupos?, como Vertullo os chamava, se multiplicaram e chegaram a ser mais de dez em 2008. Todos com mais de 100 ?cotistas?.

Foi justamente a propaganda que fez a pirâmide de Vertullo ruir. Com a fama dos bons rendimentos dos clubes se espalhando pela internet, vários investidores procuraram a BM&FBovespa e a CVM no início de 2008 para saber mais informações sobre a corretora. Averiguaram que não existiam clubes com os nomes informados pela Agente Br e que a corretora não era autorizada a operar no mercado. em julho de 2008, a CVM publicou uma deliberação alertando os investidores para a inexistência dos clubes e proibindo as operações em mercado de capitais da corretora. Como o documento permaneFoi justamente a propaganda que fez a pirâmide de Vertullo ruir. Com a fama dos bons rendimentos dos clubes se espalhando pela internet, vários investidores procuraram a BM&FBovespa e a CVM no início de 2008 para saber mais informações sobre a corretora. Averiguaram que não existiam clubes com os nomes informados pela Agente Br e que a corretora não era autorizada a operar no mercado. em julho de 2008, a CVM publicou uma deliberação alertando os investidores para a inexistência dos clubes e proibindo as operações em mercado de capitais da corretora. Como o documento permanepermaneceu apenas disponível para consulta no site do órgão, poucos investidores estiveram a par do que ocorria. Aqueles que ficaram sabendo, começaram a pressionar Vertullo. ?ele começou a gritar ?Vocês ligaram para a bolsa? Vocês estão querendo acabar com o clube???, afirmou um dos investidores que chegou a questionar Vertullo na época. os clientes mais antigos passaram a ver sua rentabilidade virtual cair e os resgates, bloqueados. ?ele dizia que o dinheiro estava blindado em aplicações fora do Brasil e que havia uma carência para a retirada. Por isso, não podíamos fazer o resgate naquele momento?, afirma uma das vítimas, que não quis se identificar. Todos os resgates eram feitos com cheques da própria corretora depositados na conta corrente dos clientes. os depósitos eram feitos diretamente na conta da Agente Br, no Bradesco. e, até o início de 2008, todos achavam isso normal.

Com a deliberação da CVM e a pressão dos clientes, Vertullo mudou os nomes dos clubes e assumiu a ?gestão?. no final de 2008, já não havia mais gestores. era somente Vertullo e centenas de clientes pedindo explicações e resgates. Até então, não denunciavam por temerem uma retaliação por parte de Vertullo. ?Sei que ele pagou algumas pessoas. e ainda que eu não acredite que ele pague todo o dinheiro que deixei lá, tenho medo de denunciar e ele não me pagar mesmo?, diz um administrador paulistano, que depositou na conta da corretora mais de R$ 40 mil. em janeiro deste ano, o Banco Central emitiu uma resolução decretando que o escritório da Agente Br fosse lacrado e nomeou um liquidante para calcular o valor da fraude cometida por Vertullo e o número de investidores prejudicados. ?Quando chegamos aqui, não havia nada. nenhum vestígio, os telefones estavam cortados?, diz Edson Roberto Marques, advogado nomeado pelo BC para acompanhar o caso. Segundo Marques, uma média de dez pessoas liga diariamente para saber o andamento das investigações. irene nunes de Freitas, de itanhaém, acredita que muitos investidores não queiram se identificar por um motivo a mais do que apenas o medo de não receber. A administradora investiu r$ 13.500 com Vertullo. ?Conheço pessoas que investiram mais de R$ 100 mil. e nem sempre esse dinheiro era declarado na receita Federal. e é da receita que essas pessoas também têm medo.?

A CVM se negou a comentar o caso, pois o processo já está correndo em sigilo no Ministério Público. Vertullo possui 19 processos na Vara Criminal de Justiça, um no Ministério Público, mas nem sequer foi indiciado. Alguns investidores mais obstinados levantaram os imóveis e veículos que Vertullo adquiriu desde 2006 e acreditam que o dinheiro captado tenha tido esse fim. ?Ele tem quase R$ 1 milhão só em carros em seu nome e vários imóveis de luxo, como uma mansão no Guarujá, comprada após 2006?, diz um dos aplicadores, que vasculhou a vida de Vertullo. ?Quando ele fez isso tudo, ele contou com a impunidade no Brasil. Só espero que a expectativa dele não se concretize.? Se os atos que o assemelham a Madoff são claros, não se sabe ainda se a Justiça agirá igual à norteamericana. o BC lacrou a Agente Br há mais de três meses e até agora Vertullo continua livre. Após a corretora ser lacrada, Vertullo mudou o endereço do site e deixou alguns números de celular como contato. Uma investidora ligou e fingiu estar interessada em aplicar. A resposta: ?estamos mudando de endereço, mas podemos mandar um motoboy retirar o cheque e daremos um recibo a você. não se preocupe.?