A mãe do menino brasileiro José Lucas, de 9 anos, que teve os dedos decepados por outros alunos em uma escola pública de Portugal, perdeu o trabalho e teve de abandonar a casa devido a represálias, segundo advogadas que integram um comitê de apoio à família.

A mulher foi “vítima de hostilidades” no grupo de WhatsApp de mães de alunos e precisou se mudar de cidade.

A família está recebendo apoio de emergência de uma rede de solidariedade formada por um grupo de 24 advogados, a maioria brasileiros.

Após a repercussão do caso, a Inspeção-Geral da Educação e Ciência de Portugal abriu procedimento para apurar o ocorrido. A reportagem entrou em contato com o Ministério da Educação, Ciência e Inovação de Portugal e aguarda retorno.

A advogada Catarina Zuccaro faz parte do grupo que vai levar o caso do aluno à Justiça. “Não se tratou de um acidente. O fato ocorreu em ambiente escolar, sob dever legal de vigilância, proteção e guarda dos alunos. Atribuir este episódio a ‘brincadeira que correu mal’ falseia a realidade e desresponsabiliza quem tinha obrigação de prevenir, agir e comunicar”, disse a advogada por meio de nota.

Segunda ela, a comunidade solidária e equipes técnicas já prestam apoio de emergência, “enquanto se estrutura uma resposta digna e estável”, acrescentou.

Segundo as informações já colhidas pelo coletivo, o filho da brasileira Nívia Estevam, diz que seu filho já vinha sofrendo bullying na escola por ser brasileiro, preto e gordo.

“O que aconteceu, em última análise, pode ser culpa do Estado e, assim sendo, o Estado português tem de assumir isso”, diz a advogada Ana Paula Filomeno, que também coordena o coletivo.

Ela confirmou à reportagem que a família está se mudando da cidade devido às represálias dos pais das crianças agressoras e pressão de outras mães.

“A Nívia está alojada na casa dos pais do marido e a mudança fez com que ambos deixassem o emprego, por isso estamos em busca de suporte financeiro para eles, além do psicológico”, disse.

A advogada é paulista de Colina, no interior de São Paulo, e está em Portugal desde 2017. “Acabamos de formar um coletivo, um grupo de advogados com ideias parecidas, e estamos dividimos as atribuições conforme as áreas de cada um. Eu sou civilista, portanto minha ação será no sentido de avaliar a responsabilidade da escola e, como é uma escola pública, eventual responsabilidade do estado português, se houve falhas que poderiam ser evitadas”, diz.

Entenda o caso

A agressão aconteceu na Escola Básica de Fonte Coberta, em Cinfães, no Distrito de Viseu, região de Porto, onde José Lucas estudava. Segundo a mãe, o menino tinha acabado de entrar no banheiro quando dois colegas o seguiram e fecharam a porta sobre seus dedos.

Eles teriam pressionado a porta até a amputação e a criança precisou se arrastar para pedir socorro.

Funcionárias da escola estancaram o sangue, colocaram gelo e ligaram para a família do estudante brasileiro.

Segundo Nívia, a escola minimizou a situação e a professora apenas afirmou que o filho teve os dedos prensados.

A mãe disse que só descobriu a gravidade da situação quando ouviu pelo telefone que iriam chamar uma ambulância para seu filho.

Nívia disse em redes sociais que a escola jogou pedaços do dedo fora e entregou outras partes para os paramédicos. A denúncia foi feita por ela nas redes sociais nesta semana, mas apagada no sábado, 15.

O menino passou por uma cirurgia que durou cerca de três horas. Os dedos não conseguiram ser reimplantados, mas parte de um deles foi usada para cobrir uma área com exposição óssea.

Ele perdeu parte do dedo indicador e do dedo maior, ficou um dia no hospital e já recebeu alta.

De acordo com Nívia, a escola limpou rapidamente o local que estava coberto de sangue para “não assustar as crianças” e o episódio teria sido tratado como uma “brincadeira”.

Investigação independente

O caso se encontra em averiguações independentes. As autoridades investigam a atuação da escola, polícia e Corpo de Bombeiros no momento do socorro.

Segundo a advogada, a escola está sendo questionada sobre a cadeia de vigilância, tempo de resposta, acionamento de protocolos internos, comunicação aos encarregados de educação e registro formal ocorrido no livro de ocorrências.

À polícia, serão requeridos o despacho e registro do atendimento, diligências realizadas, proteção à vítima e informação prestada à família.

Os bombeiros serão indagados sobe o tempo de chegada, procedimentos aplicados, registros clínicos iniciais e encaminhamento.

O coletivo também vai apurar eventuais hostilidades registradas no grupo de mães da escola de forma a “desincentivar a discussão do tema, como se o silêncio fosse aceitável”.

E também a ausência de reação por parte dos pais de outros menores, bem como a inexistência de pedido de desculpas por parte da direção da escola ou de responsáveis diretos. “Estes comportamentos reforçam a percepção de omissão institucional e de falta de responsabilidade social da comunidade escolar”, diz a nota.

Ainda segundo Catarina, o coletivo impulsionará as medidas cabíveis nas esferas civil, administrativa e criminal, com base no dever de guarda e vigilância de menores em ambiente escolar, no direito à integridade física e moral da criança e no dever de prevenção e reporte de ocorrências.

Entre as exigências imediatas estão: preservação integral de prova, como imagens, relatórios, comunicações internas e externas, livro de ocorrências, escalas de vigilância e identificação de responsáveis presentes; acesso da família à informação e ao processo de apuração; apoio psicossocial ao José e à mãe, em articulação com a rede pública e parceiros idóneos; e pronúncia formal da escola com reconhecimento dos fatos e medidas corretivas.

Os próximos passos incluem a entrega de notificações formais às entidades envolvidas e respectivas corregedorias, bem como a requisição e custódia das provas para assegurar a sua validade. As medidas serão tomadas de forma coordenada com órgãos de proteção da criança e Ministério Público.

“As estratégias jurídicas e institucionais serão comunicadas oportunamente às autoridades competentes e à imprensa, respeitando a proteção da criança e a eficácia das diligências”, diz a nota.