Brasília - Um grupo de mães brasilienses se reúne para amamentar seus bebês simultaneamente, em público, e, com isso, chamar a atenção da sociedade para a importância do ato de amamentar (Valter Campanato/Agên

Amamentação é um dos itens importanres para o desenvolvimento da criança, diz grande parte dos entrevistados na pesquisaArquivo/Agência Brasil

Uma pesquisa divulgada nesta terça-feira (7) comprova a desigualdade de gênero que marca as famílias brasileiras quando o assunto é a criação dos filhos. Em 89% dos casos analisados na pesquisa Primeiríssima Infância – Creche, as mães são responsáveis pela criação dos filhos na faixa até 3 anos. Na média geral, a responsabilidade cabe aos pais em cerca de 5% dos casos. Os cuidadores são avós, tios ou outras pessoas em 5% das situações.

Segundo dados do censo de 2010, em todo o país, existem 9,5 milhões de domicílios com pelo menos uma criança de até 3 anos.

A criação pelas mulheres só não ultrapassa o índice de 90% em casos de agrupamentos familiares que recebem mais de cinco salários mínimos. Nesses grupos, as mães são responsáveis em 72% das situações, e os pais, em 14%. No total, 46% dessas mulheres responderam sobre o primeiro filho; 31% são donas de casa; 51% não têm atividade econômica formal ou informal; 75% moram com companheiro, quase sempre o pai da criança; e 10% estão estudando atualmente.

O estudo foi feito pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ibope Inteligência, e foi lançado durante o 7º Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, em Fortaleza. Para sua elaboração, em julho do ano passado, foram entrevistadas 991 pessoas em ambientes urbanos e rurais.

O objetivo da pesquisa foi mapear as necessidades e os interesses das famílias para o atendimento em educação de crianças até 3 anos, faixa da chamada primeiríssima infância. O estudo confirmou dados já conhecidos, como o atendimento de 33% das crianças dessa faixa etária em creche, o que corresponde a cerca de 3,2 milhões de pessoas com acesso a tal serviço. A desigualdade regional também foi aferida na pesquisa. Analisadas quantas crianças por região geográfica frequentam um estabelecimento de educação infantil, averiguou-se que isso ocorre em 45% dos casos no Sudeste; 24% no Nordeste; 30% no Sul e 23% do Norte e no Centro-Oeste.

Para entender realidades tão diferentes que existem no território brasileiro e sua incidência no desenvolvimento infantil, além da disponibilidade de creches, foram investigados outros fatores, como ocupação laboral e faixa etária. Para tanto, foram definidos e analisados quatro grupos populacionais: famílias com renda até cinco salários mínimos que vivem em capitais ou em cidades de regiões metropolitanas; famílias com renda mensal igual que vivem em cidades de pequeno ou médio porte do interior, o chamado interior urbano; famílias com a mesma renda que vivem no ambiente rural e famílias com renda familiar acima de cinco salários, independentemente do local em que vivem.

As famílias do primeiro universo têm, em 53% dos casos, crianças com até 1 ano. Delas, 63% ficam em casa e 27% frequentam creches. Quanto aos responsáveis, 93% são mães e 6%, pais; 36% têm de 18 a 24 anos e 63% completaram o ensino médio. Do total, 40% dos responsáveis informaram que não têm rotina; 58% não trabalham; 26% estão desempregados. Nos lares dessas crianças, os pais estão presentes em 68% dos casos. Isso quer dizer que 700 mil crianças na faixa até 3 anos de famílias com até cinco salários mínimos que vivem nas capitais brasileiras e em municípios das regiões metropolitanas não moram com os pais. No universo total da pesquisa, essa presença alcança 75%.

No caso de agrupamentos do interior urbano, 51% têm criança de até 1 ano. 64% das crianças ficam em casa e 26% frequentam creche. As mães são responsáveis pelas crianças em 93% dos casos e os pais, em 2%. Entre os cuidadores, 34% têm de 18 a 24 anos, cerca de 40% cursaram até o ensino fundamental – esse grupo agrega o maior número de responsáveis que se dizem pardos (53%), bem como o de famílias inseridas em programas de complementação de renda (49%).

No contexto rural, 59% das famílias têm filhos com até 1 ano; 63% ficam em casa e 28% frequentam creche. Vivem com o pai 81% das crianças, e as mães são as principais responsáveis pela criação em 96% dos casos. Os pais, em 2%. Entre os responsáveis, 34% têm de 18 a 24 anos; 59% têm o ensino médio; 34% cursaram até o ensino fundamental e apenas 6% completaram o ensino superior. Do total, 57% não trabalham. Grande parte desse grupo, 79%, tem renda familiar de até dois salários, uma situação que, no universo geral analisado, chega a 47%;  e 44% das famílias recebem ajuda de programa de complementação de renda.

O quadro é diferente no caso de famílias que recebem mais de cinco salários mínimos: a maior parte das crianças, 68%, tem entre 2 e 3 anos, percentual que é de 22% no geral. A presença na creche é bem maior: 28% das crianças ficam em casa e 59% frequentam creche; 86% dos responsáveis trabalham e 88% têm ensino superior ou pós-graduação. 37% estão na faixa de 25 a 49 anos, o que indica a ocorrência de gravidez tardia.

Percepções sobre desenvolvimento

As diferenças socioeconômicas impactam a percepção sobre a criança. Destacam-se dois itens analisados na pesquisa: a percepção sobre o início do aprendizado e dos elementos compreendidos como fundamentais para o desenvolvimento da criança. Questionados sobre quando a criança começa a aprender, mais da metade dos adultos entrevistados afirmaram que isso tem início já na fase intrauterina. Quanto maior a escolaridade das pessoas ouvidas, maior a percepção de que o desenvolvimento da criança começa mais cedo.

Sobre os itens considerados importantes para o desenvolvimento, estão em ordem de importância: levar ao pediatra regularmente (64%); amamentar (46%); ter cuidado com a alimentação (46%): receber atenção dos adultos (21%); ter bons exemplos dos pais (17%); receber carinho e afeto (17%); brincar ou passear (16%); viver em um ambiente adequado em termos de segurança, higiene etc (15%); ter uma rotina (12%); receber limites (12%); conversar com a criança (11%). O estrato mais rico dá mais importância a questões mais lúdicas, enquanto o grupo que recebe até cinco salários mínimos e vive no ambiente rural prende-se a questões básicas, como levar ao pediatra. A revela que essa centralidade deve levar os médicos que cuidam da criança a estimular outras ações de cuidado, como a oferta de carinho e o estabelecimento de uma rotina.

“O contexto urbano, territorial, em que cada família vive determina muito as opções que elas têm”, afirmou a economista Ana Lúcia D’Império Lima, que assessorou o desenvolvimento da pesquisa. Ela citou, por exemplo, as mulheres no contexto urbano, que têm mais opções de trabalho fora do lar e são, em maior número de situações, chefes das famílias. 

Já no ambiente rural, as famílias são, em geral, maiores, o que pode gerar uma rede de apoio para as mulheres, ao passo que as grandes distâncias dificultam o acesso à creche. Nesse ambiente, muitas mulheres também não têm remuneração própria. O aprendizado que fica, na opinião de Ana Lúcia, é que a elaboração das políticas públicas não deve partir de um Brasil genérico, “mas dos vários Brasis que existem nesse território”.

*A repórter viajou a convite da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal