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“O Brasil deve adotar o livre comércio com o mundo árabe e o Líbano pode ser a porta de entrada para as exportações” Rafik Hariri

 

A história caberia nas Mil e Uma Noites. Filho de pais humildes, ele jamais concluiu os estudos. Abandonou o curso de contabilidade pela metade. Ainda assim, decidiu tornar-se construtor. Ergueu mesquitas, palácios e hotéis suntuosos. No fim dos anos 70, quando os petrodólares inundavam os países árabes, ganhou a reputação de construir mais rápido e mais barato do que seus concorrentes. Caiu nas graças da família real saudita e logo passou a controlar uma das maiores empreiteiras do mundo, a Oger. Aos poucos, diversificou seus negócios. Criou uma das casas financeiras mais influentes do Oriente Médio, a Banque de la Mediterranée, e tornou-se um dos maiores acionistas individuais de colossos globais como DaimlerChrysler, Banque Nationale de Paris, Crédit Agricole e Citibank ? sua participação no Citi, mais tarde, acabou vendida a outro bilionário, o príncipe saudita Al Aweed. Nos anos 90, quando já era um dos homens mais ricos do mundo, dono das principais emissoras árabes de TV e patrimônio pessoal estimado em nada menos que US$ 4 bilhões, trocou os negócios pela política. Foi primeiro-ministro do Líbano entre 1992 e 1998 e retornou ao cargo em 2000, onde está até hoje. Recebeu um país arrasado por várias guerras, mas, disposto a administrá-lo como se fosse sua própria empresa, privatizou o centro da capital Beirute e reconstruiu a cidade que já foi conhecida como a jóia do Mediterrâneo por meio de um fundo de investimentos de US$ 12 bilhões, o Solidère. Nele, colocou US$ 450 milhões do próprio bolso.

 

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Jóia do oriente médio: Rafik Hariri produziu um livro que mostra a recuperação de Beirute. Locais históricos do centro da capital, antes destruídos pela guerra, foram fotografados de ângulos próximos e hoje estão totalmente restaurados

O homem que se tornou uma figura mítica e legendária entre os empreendedores do Oriente Médio é Rafik Hariri, um libanês de 59 anos que agora aposta suas fichas no Brasil. Dentro de três meses, o Banco Central deverá autorizar a Banque de la Mediterranée a atuar no mercado brasileiro. A idéia é servir de elo econômico entre as empresas nacionais e os investidores do Oriente Médio. O responsável pela operação do banco, que terá sede em São Paulo, deverá ser Suhail Yamut, um dos braços direitos de Hariri, que cuida de seus negócios no Brasil. Além disso, um fundo de capital de risco, semelhante ao Solidère, também será criado para buscar novas oportunidades de investimento no País, de preferência nos setores em que o Groupe Mediterranée já atua, como mídia, seguros e o ramo imobiliário. ?Os dois países têm economias complementares, laços culturais comuns e nós, do Líbano, podemos ser a porta de entrada do Brasil no mundo árabe?, disse Hariri à DINHEIRO (leia sua entrevista exclusiva na página ao lado).

Planeta Líbano. Esse megaempreendedor que levantou o maior conglomerado empresarial do Oriente Médio, comparável apenas ao da família saudita Bin Laden, cujo filho mais ilustre é o terrorista Osama, desembarca em São Paulo na manhã do sábado 7. Hariri vem ao Brasil a bordo de um de seus Boeings 777. Ele é o único no mundo a ter dois modelos da aeronave. Hariri será a estrela do Planeta Líbano, um encontro que reúne na capital paulista alguns dos maiores empresários e executivos de origem libanesa do mundo. Hariri também terá encontros reservados com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin, e de Minas Gerais, Aécio Neves. Ambos interessados em vender as vantagens de seus Estados para atrair investimentos. A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, também terá um encontro reservado e será convidada a ver de perto o que se fez em Beirute.

Do lado de Hariri, a viagem tem um significado especial. Seu
projeto político se realiza em duas etapas. A primeira, a da reconstrução física de Beirute, já foi cumprida. A segunda trata da reconstrução do sentimento de nação libanesa. Poucos países têm tantos exilados quanto o Líbano. Lá, em seu pequeno território, com 210 quilômetros de ponta a ponta, vivem apenas 4 milhões de habitantes. Mas só no Brasil, que forma a maior colônia, há mais de 9 milhões de descendentes de libaneses. Nos Estados Unidos, são outros 6 milhões. A idéia do Planeta Líbano é mostrar o país como um destino seguro para novos negócios. Hariri, que terá encontros privados com representantes de grupos nacionais como Votorantim, Camargo Correa e Sadia, também tentará demonstrar que o Líbano é o melhor entreposto para quem pretende exportar para os países do Oriente Médio ou participar da reconstrução do Iraque. Hoje, a principal concorrente de Beirute nessa disputa é a cidade de Dubai, nos Emirados Árabes.

Como na maior parte do mundo islâmico, o estilo de fazer política e negócios de Hariri é pouco convencional. Logo que assumiu o poder, ele instalou nos palácios de Beirute aqueles que eram seus principais homens de confiança nas empresas. Seu advogado, Bahij Tabbara, tornou-se ministro da Justiça. O diretor financeiro do Groupe Mediterranée, Fuad Siniora, virou ministro da Economia. E o banqueiro que cuidava da fortuna pessoal de Hariri na corretora americana Merrill Lynch, Riad Salameh, ganhou a presidência do banco central libanês. Mas o fato é que, apesar da nuvem de neblina que paira entre os negócios públicos e privados de Beirute, os resultados econômicos foram até positivos. No primeiro mandato de Hariri, a inflação foi debelada, a libra libanesa se valorizou e o país cresceu num ritmo próximo a 5% ao ano, como reflexo da simplificação de impostos, que criou uma taxa única de 10% na venda de todos os produtos. A renda per capita do Líbano já é de US$ 4,2 mil, superior à brasileira.

Filantropia. Desde que assumiu o poder, Hariri transferiu formalmente o comando executivo das empresas para seus filhos, que vêm administrando a expansão internacional do grupo. A Oger é hoje um dos maiores grupos de construção pesada da França. Hariri, amigo pessoal do presidente francês Jacques Chirac, foi um dos principais doadores na sua última campanha presidencial. A Oger também atua na Itália, no Reino Unido, no Marrocos, na Suíça e na Alemanha. Com a Ogertel, ele é um dos donos da internet na Arábia Saudita. A Ogertelecom tem concessões de telefonia na Turquia, no Irã e na África do Sul. E suas empresas de mídia, como a Future TV e a ZenTVOnline, controlam mais de 60% da audiência no mundo árabe.

Com tantos negócios bem-sucedidos espalhados pelo mundo, Hariri tornou-se o maior filantropo do Oriente Médio. A Fundação Hariri, instalada em Sidon, sua cidade natal, já concedeu bolsas a mais de 30 mil estudantes libaneses, que concluíram os estudos superiores nos Estados Unidos ou na Europa. ?De tudo o que fiz na vida, é esse meu maior motivo de orgulho?, disse à DINHEIRO. Seu objetivo é fazer do Líbano uma espécie de Cingapura do Oriente Médio. O plano envolve reconstruir Beirute, recolocá-la no mapa dos investimentos e formar uma nova elite intelectual em seu país.

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Convite: Hariri quer que empresas do Brasil participem do programa de privatização libanês

?Somos a porta do Oriente?

Rafik Hariri possui dois
atributos: dinheiro e poder.
Como empresário, acumulou
US$ 4 bilhões em patrimônio. Como político, reconstruiu um país devastado pela guerra. A seguir, a entrevista à DINHEIRO.

Que oportunidades de investimento o sr. enxerga
no Brasil?

O Brasil é muito importante porque recebeu milhões de libaneses e tem grande influência no mundo. O Líbano, por sua vez, é importante para o Brasil porque é a porta do Oriente Médio e do mundo árabe. Os dois países adotaram medidas para abrir suas economias e eu prego a criação de uma área de livre comércio para que possamos aprofundar essa relação. Defendo ainda a reabertura de uma linha aérea direta entre Beirute e São Paulo.

Como o Líbano pode atrair empresas brasileiras?
Temos acordos bilaterais e de cooperação com a Europa Central e com muitos países árabes. Portanto, investir no Líbano significa ter acesso privilegiado a esses mercados. Além disso, criamos uma instituição para proteger o investimento direto e evitar a burocracia. Hoje o Líbano oferece excelentes oportunidades em função de um amplo projeto de privatização nas áreas de comunicação, energia e saneamento.

De que forma o sr. concilia seus negócios com
a administração do país?

Eu abdiquei da direção de meus negócios desde que me tornei presidente do Conselho de Ministros e me dedico inteiramente ao trabalho governamental. Meus filhos cuidam da direção dos negócios.

Qual a sua proposta para o desenvolvimento dos países árabes?
Defendo a formação da região de livre comércio árabe para fortalecer o intercâmbio comercial e a circulação de produtos árabes. Essa atividade econômica promoverá inúmeras oportunidades de trabalho para nossos jovens, que têm grande preparo e vontade de crescer.

Por que o sr. privatizou o centro de Beirute antes de
reconstruir a cidade?

A guerra destruiu completamente o centro comercial de Beirute, o que fez com que a região parecesse Berlim depois da II Guerra Mundial. A reconstrução foi realizada depois de inúmeras consultas a especialistas internacionais em engenharia e arqueologia. O projeto devolveu a vida ao coração de uma capital mundial e, graças a ele, Beirute hoje atrai grande número de investidores e turistas estrangeiros. A Solidère, um fundo privado, reconstruiu o centro de Beirute sem custos para o governo.

O terrorismo tem afetado os negócios no Oriente Médio?
O terrorismo não é um problema exclusivo do Oriente Médio. De qualquer forma, fomos o país da região menos atingido por atentados terroristas, porque fizemos um grande esforço para garantir a segurança e a tranqüilidade no país.

Qual a sua posição em relação à intervenção dos Estados
Unidos na região?

Com relação à guerra contra o Iraque, o Líbano e todos os países árabes eram favoráveis a uma solução pacífica. Os Estados Unidos devem trabalhar para se retirar do país o mais rápido possível, conservando a união do Iraque, as suas reservas naturais e a paz em seu território.

A proposta atual de paz entre Israel e palestinos é adequada?
Após anos de violência, esperamos a criação do Estado palestino, com a retirada israelense dos territórios árabes ocupados.

Como será o Planeta Líbano?
O Congresso em São Paulo visa aprofundar as relações econômicas entre os investidores de origem libanesa em todas as partes do mundo. Será o lugar ideal para que os investidores descubram oportunidades de negócios no Líbano, no Brasil e outros países.