A maior parte das empresas brasileiras com operação em outros países não disponibiliza publicamente informações sobre os negócios no exterior, indica a pesquisa divulgada hoje (30) pela organização não governamental Transparência Internacional. Entre as 54 companhias analisadas nessa questão, 41 não obtiveram nenhuma pontuação nos cinco pontos avaliados. Apenas uma empresa, a Ambev, mostrou dados sobre despesas de capital fora do Brasil. Com isso, a nota média das multinacionais brasileiras nessa parte do estudo ficou em 3%, enquanto a média dos países emergentes é de 9%.

“As empresas brasileiras que têm operação fora do Brasil ainda precisam ter melhores práticas de divulgação de relatórios financeiros por país de operação. Uma dimensão que vem ganhando cada vez mais atenção na União Europeia, e as empresas brasileiras ainda têm o tema como incipiente ou não existente dentro do planejamento”, ressaltou o consultor da ONG, Guilherme Donega.

Paraísos fiscais

Esse tipo de informação é necessária, segundo Donega, para que a sociedade possa acompanhar o desenvolvimento das atividades dessas companhias e ter uma ideia de como elas obtêm seus lucros. “Por exemplo, se você tem um valor de receita muito alta em um país que é conhecido por práticas corruptas ou por ser um paraíso fiscal, é relevante entender se isso acontece e porque isso acontece”, exemplificou.

Ao todo, o estudo analisou 100 empresas e 10 bancos apontados como os maiores do país a partir do ranking elaborado pelo jornal Valor Econômico. Além da disponibilidade de informações sobre operações no exterior, foi avaliado a divulgação de programas anticorrupção e a transparência organizacional, explicitando as ramificações dos grupos financeiros nos quais a companhia está inserida.

A média geral, que incluí os dois itens pertinentes a todas as empresas, deixando de fora a questão específica às multinacionais, ficou em 5,7 em uma escala de 0 a 10. Sendo que a pontuação média das companhias em relação à divulgação de programas anticorrupção é de 65% e de abertura da estrutura organizacional é de 48%.

Lei Anticorrupção

“A situação das empresas brasileiras é, comparativamente com as outras empresas globais e de mercados emergentes, é intermediário. Existiram avanços institucionais recentemente no Brasil, com a publicação da Lei Anticorrupção, que fizeram com que as empresas tivessem avanços nos últimos anos na divulgação dos programas anticorrupção, mas a nota média ainda não é positiva”, analisou o consultor da Transparência Internacional.

A Lei Anticorrupção entrou em vigor em 29 de janeiro de 2014. A partir dela, empresas que praticam, por meio de empregados ou representantes, atos ilícitos contra a administração pública nacional ou estrangeira, passaram a ser responsabilizadas e mesmo punidas com sanções administrativas. Ao longo desses quatro anos, o governo federal iniciou 183 processos contra empresas.

Os processos e acordos judiciais firmados nos últimos anos foram, de acordo com Donega, outro impulso importante para que as empresas adotassem práticas mais transparentes. “Muitas empresas que passaram por problemas reputacionais nos últimos anos foram obrigadas a implementar programas anticorrupção por acordos que foram fechados com o governo, tanto brasileiro, quanto norte-americano. Então, isso não é uma opção para essas empresas, é uma condição de sobrevivência”, disse.

É necessário entender, segundo o consultor, que o setor privado tem um papel tão importante, nas práticas de corrupção quanto os agentes públicos. “Nós últimos anos, nós vimos muito agentes públicos serem muito expostos por problemas de corrupção. Mas corrupção é como uma dança: você precisa de dois para dançar. Da mesma forma como os agentes públicos, em alguns casos, foram corruptos, algumas empresas contribuíram com essa corrupção. Em alguns casos, elas ofereceram propina, em outros, elas foram obrigadas a pagar propina para conseguir um acordo comercial com o governo”, enfatizou.

Montadoras

Entre as empresas apontadas com melhores práticas de transparência estão as companhias ligadas ao setor de energia, que tiveram quatro entre as dez melhores colocadas no estudo. Por outro lado, as montadoras e empresas de autopeças tiveram os piores resultados, nenhuma delas obteve pontuação superior a 5, sendo que a média do setor ficou em 3,5 pontos.

“Muito disso diz respeito ao foco que essas empresas têm na sua comunicação, que o foco de venda do produto. E é natural que essas empresas queiram ter foco nessa área. Mas é muito importante também que essas empresas levem em consideração que não basta simplesmente vender para determinado público. Como você está gerando riqueza em conjunto com determinado público, é importante que você diga ao que veio, quais são suas práticas, quais são os seus compromissos”, disse Donega, ao comentar os resultados das empresas do ramo de veículos.