Instituto alemão afirma que o planeta ultrapassou 7 dos 9 limites compatíveis com ecossistemas estáveis e sustentáveis. Isso representa um risco à vida.Se a Terra fosse um paciente, provavelmente estaria internado na unidade de terapia intensiva (UTI), sugere o mais recente relatório Planet Health Check, uma avaliação científica sobre o estado do planeta publicada anualmente pelo Instituto de Pesquisa sobre Impactos Climáticos de Potsdam (PIK).

“No momento, muitos parâmetros estão fora da faixa normal, classificados como ruins, o que significa que a Terra está em perigo”, afirmou Boris Sakschewski, responsável pela análise do sistema terrestre no PIK e um dos principais autores do relatório.

“Você poderia comparar isso a ter altos marcadores de inflamação, colesterol alto, valores hepáticos ruins, função pulmonar ruim, várias coisas dando errado ao mesmo tempo. Cada uma delas é perigosa por si só, mas elas podem se amplificar mutuamente”, acrescentou.

Os pesquisadores desenvolveram os parâmetros de referência para o Planetary Health Check em 2009. Elem giram em torno do conceito de limites planetários e descrevem o que os seres humanos precisam fazer para evitar sobrecarregar o planeta.

O círculo verde no gráfico representa a zona segura. Quando um limite é ultrapassado, a área fica laranja, indicando um risco crescente, e depois vermelha, significando consequências graves.

Os pesquisadores identificaram nove limites que, se ultrapassados, podem colocar em risco os sistemas de suporte à vida da Terra e, com eles, a base para a sobrevivência humana. Em 2009, três foram superados; em 2015, foram quatro; em 2023, seis. De acordo com o PIK, em 2025, sete dos nove limites planetários foram violados.

Biosfera: alerta vermelho

A biosfera compreende todas as camadas da Terra habitadas por organismos vivos, na terra e na água. Os cientistas medem sua saúde usando dois indicadores: sua produtividade e permanência após a exploração humana.

Esse aspecto da saúde do planeta está avaliado como em situação ainda pior do que o clima em si. A extinção de espécies e a perda de ecossistemas naturais estão muito além da zona segura necessária para a sobrevivência, sem qualquer sinal de melhora.

Excesso de nitrogênio e fósforo

Nos últimos 100 anos, a humanidade duplicou a quantidade de nitrogênio disponível na natureza por meio da pecuária intensiva, dos fertilizantes sintéticos e da combustão na indústria e nos transportes.

O nitrogênio é vital para o crescimento e a sobrevivência de todos os organismos vivos, mas a fertilização excessiva causa efeitos colaterais adversos. Muitas vezes, as plantas não conseguem absorver todo o nitrogênio, que então se infiltra nas águas subterrâneas, é levado para rios e lagos e polui as zonas marinhas costeiras.

A substância promove a proliferação de algas e uma consequente deficiência de oxigênio, que pode custar a vida das espécies que vivem nessas áreas. No solo com muito nitrogênio, as plantas de crescimento rápido superam as espécies adaptadas a ter menos nutrientes à disposição.

Os compostos de fósforo também são usados como fertilizantes e apresentam o mesmo risco. Um excesso de nutrientes prontamente disponíveis reduz a biodiversidade e desestabiliza ecossistemas inteiros. Este limite é gravemente violado, segundo o relatório do PIK.

Efeitos imprevisíveis de novas substâncias

A humanidade produz e espalha cerca de 350 mil substâncias que alteram os processos naturais e ameaçam habitats inteiros. Para efeito de comparação, a vida orgânica – seja uma baleia azul ou uma bactéria – é composta principalmente por apenas seis elementos: hidrogênio, carbono, nitrogênio, oxigênio, fósforo e enxofre.

As novas substâncias adicionadas pelo homem se infiltram em todas as partes do sistema terrestre e têm efeitos imprevisíveis. Microplásticos são encontrados na água potável; inseticida DDT, nos peixes; e os chamados produtos químicos “eternos” (PFAS), que afetam os sistemas hormonais de humanos e animais, já foram detectados no cordão umbilical de bebês.

Uma única substância nova pode ter consequências globais, afirmou Sakschewski.

“Agora estamos em uma situação em que milhares de substâncias são liberadas no meio ambiente sem serem testadas, com novas substâncias sendo adicionadas a cada ano. Há uma necessidade urgente de ação e regulamentações internacionais”, acrescentou.

Aquecimento global

O clima da Terra também está em perigo. As concentrações de gases de efeito estufa atingiram níveis recordes, muito acima dos valores de referência pré-industriais. O mais preocupante é a aceleração do aquecimento global, demonstrada pelo chamado forçamento radiativo – uma medida da quantidade de calor adicional que entra na atmosfera da Terra. Nesse critério, já cruzamos a linha da zona de alto risco.

O aquecimento global se deve principalmente às emissões humanas de gases de efeito estufa, especilamente dióxido de carbono (CO2).

Alerta laranja para recursos de água doce

O impacto humano nos corpos de água e na umidade do solo está aumentando, impulsionado principalmente pela irrigação agrícola, uso industrial da água, consumo doméstico e também devido às mudanças climáticas causadas pelo homem.

Isso desestabiliza ainda mais os sistemas hídricos e aumenta o risco de secas e inundações. Em mais de um quinto da superfície terrestre do mundo, há agora desvios significativos nos padrões de seca, escoamento da água e umidade do solo.

Uso da terra

A pressão sobre a resiliência do planeta é ainda mais pronunciada no uso da terra. Os seres humanos interferem fortemente nos sistemas naturais por meio de terras cultiváveis, pastagens, exploração madeireira, assentamentos e infraestrutura. As mudanças climáticas, as mudanças na disponibilidade de água doce e a degradação da biosfera também desempenham um papel importante nesse aspecto.

Embora a taxa de desmatamento tenha retraído, a quantidade total de florestas em todo o mundo continua a diminuir. Atualmente, a cobertura florestal global caiu para pouco menos de 60% – bem abaixo do mínimo seguro de 75%. Se as florestas recuarem para menos de 54%, também nos aproximaremos da zona de alto risco.

Acidificação dos oceanos

Os oceanos do mundo absorvem mais de um quarto do CO2 emitido pelos seres humanos. Mas junto da contribuição generosa contra o aquecimento global, acontece a acidificação dos oceanos – o gás é transformado em ácido carbônico, reduzindo o nível natural de pH da água. Quanto mais ácidos os mares, mais difícil é para os corais e mariscos formarem suas conchas e esqueletos à base de cálcio.

“Os oceanos ilustram como as diferentes fronteiras planetárias interagem intimamente”, afirma Sakschewski. As altas temperaturas oceânicas – impulsionadas pelas mudanças climáticas – combinadas com a entrada de nitrogênio e fósforo levam às chamadas zonas mortas, quase sem oxigênio. Isso perturba as cadeias alimentares. Sem falar das novas substâncias, como o plástico, também presentes no oceano.

Duas fronteiras ainda na zona verde

Os cientistas afirmam que duas das fronteiras planetárias ainda se encontram na zona verde. A poluição atmosférica continua a diminuir, e a camada de ozônio, que protege da radiação cósmica nociva, está se recuperando de forma lenta, mas constante.

A camada de ozônio é um excelente exemplo de como ações concretas podem reverter tendências negativas. Quando ficou claro que os clorofluorcarbonetos (CFCs) estavam destruindo a camada de ozônio, a comunidade global proibiu seu uso por meio do Protocolo de Montreal.

“Esse caso, no entanto, envolveu apenas uma substância, para a qual foi encontrado rapidamente um substituto. As ameaças atuais são muito mais complexas”, explica Sakschewski.

Ainda assim, as estreitas interligações entre os limites planetários também oferecem oportunidades, e melhorar uma área pode impactar positivamente outras.

“Se você proteger os sumidouros de carbono – como as florestas tropicais –, também protegerá a umidade do solo, os sistemas de água doce, o clima e a biosfera. É preciso entender a rede causal do sistema terrestre”, acrescentou Sakschewski.