22/04/2021 - 15:06
A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quinta-feira, 22, a favor de enviar à Justiça Federal do Distrito Federal quatro ações penais que miram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – a do triplex do Guarujá, sítio de Atibaia e outras duas que miram o Instituto Lula. Agora, os casos serão analisados por um juiz federal de Brasília, que decidirá se absolve ou condena o petista das acusações.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) insistia em transferir os casos para a Justiça Federal de São Paulo, e não para Brasília. Investigadores ouvidos reservadamente pelo Estadão apontam que a Justiça Federal de SP possui varas especializadas e totalmente dedicadas para a análise da questão de lavagem de dinheiro, uma estrutura de trabalho que não existe em Brasília. Tanto a ação do triplex quanto a do sítio envolvem acusações de cometimento desse crime.
“As condutas que foram imputadas são imputadas como tendo sido praticadas na chefia do Poder Executivo. Não se trata de estabelecer nenhum foro de atração. Não de localizar onde se situam bens, coisas, e sim onde se situa o juízo do local onde os atos teriam sido cometidos. E como são imputados atos decorrentes da chefia do Executivo, isso que me motivou a indicar a competência da Justiça Federal do Distrito Federal”, disse o relator da Lava Jato, Edson Fachin.
Desde a semana passada, o plenário do STF está examinando, de forma fatiada, todos os pontos levantados na decisão individual do ministro Edson Fachin, que abalou o meio político ao anular as condenações de Lula, mandar os casos do petista para a Justiça Federal do DF e arquivar a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro. Por 8 a 3, os ministros já entenderam que as investigações do ex-presidente – nas ações do triplex do Guarujá, sítio de Atibaia e outras duas, que miram o Instituto Lula – não devem ficar com a Justiça Federal de Curitiba, por não terem uma ligação direta com o bilionário esquema de corrupção investigado no âmbito da Operação Lava Jato. Dessa forma, o petista já está elegível e apto a disputar as próximas eleições presidenciais.
Agora, os ministros se debruçam sobre outras duas questões: qual o destino dos processos de Lula (Brasília ou São Paulo) e se a suspeição de Moro deve ser ou não arquivada. No entendimento de Fachin, a Justiça Federal do DF deve herdar as apurações. Na decisão individual de 46 páginas que redesenhou a disputa eleitoral de 2022, o ministro também autorizou que o futuro juiz que receber os processos confirme todos os atos tomados por Curitiba nas investigações, o que aceleraria o andamento dos trabalhos.
“A maioria decidiu que é incompetente o juiz de Curitiba. Se acertamos essa incompetência, é porque sabemos de antemão qual seria o competente. Não dá para deixar a matéria sem definição”, disse o ministro Marco Aurélio Mello nesta quinta-feira.
Suspeição
A suspeição de Moro é uma questão estratégica para o futuro da Lava Jato e do desdobramento das ações de Lula. Se o plenário mantiver de pé a decisão da Segunda Turma que declarou Moro parcial, o reaproveitamento do trabalho feito em Curitiba não será possível na ação do triplex do Guarujá, por exemplo, já que a parcialidade do ex-juiz teria contaminado todo o processo. O caso, então, voltaria à estaca zero.
Para Fachin, no entanto, se Curitiba não tinha competência para julgar Lula e se já foi anulada a condenação que Moro impôs ao ex-presidente da República, não faz mais sentido analisar a atuação do ex-juiz na ação do triplex. Por isso que o relator da Lava Jato vai insistir em arquivar a suspeição de Moro, como uma forma de reduzir danos, blindar as investigações e tentar preservar o trabalho feito pela 13ª Vara Federal de Curitiba.
Segundo o Estadão apurou, o Supremo deve se dividir sobre a questão de Moro, mas a expectativa de integrantes da Corte é a de que os ministros mantenham o entendimento da Segunda Turma do STF, que considerou Moro parcial ao condenar o petista a nove anos e meio de prisão na ação do triplex. Sobre o destino dos casos, uma ala da Corte vê com simpatia a ideia de transferir os casos não para a Justiça Federal do DF, como determinou Fachin, e sim para São Paulo, como quer a Procuradoria-Geral da República (PGR).
“Inexistem razões para o encaminhamento dos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal, na medida em que os casos em questão – casos ‘triplex’, ‘sítio de Atibaia’, ‘sede do Instituto Lula’ e ‘doações ao Instituto Lula’ – abrangem fatos relativos a imóveis e instituto sediados no Estado de São Paulo”, apontou a subprocuradora-geral da República, Lindôra Maria Araujo, ao entrar com recurso no Supremo contra a decisão de Fachin.
Peculiaridades
Investigadores ouvidos reservadamente pelo Estadão apontam que a Justiça Federal de SP possui varas especializadas e totalmente dedicadas para a análise da questão de lavagem de dinheiro, uma estrutura de trabalho que não existe em Brasília. Tanto a ação do triplex quanto a do sítio envolvem acusações de cometimento desse crime.
Se as ações de Lula forem deslocadas para São Paulo, como defendeu o ministro Alexandre de Moraes na semana passada, a mudança na rota também atingiria a segunda instância, que passaria a ser o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), sediado na capital paulista.
Pela decisão de Fachin, as ações seriam enviadas para Brasília. Nesse cenário, a segunda instância é o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), considerado muito lento, mais suscetível a questões políticas e de perfil garantista – portanto, mais inclinado a absolver réus. Aliados do procurador-geral da República, Augusto Aras, avaliam reservadamente que o TRF-3 é mais “técnico” com políticos, enquanto o TRF-1 é considerado o mais “político” dos TRFs.
Um relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que milhares de processos ficam parados nos gabinetes de desembargadores do TRF-1, sem previsão de julgamento. No ano passado, o tribunal também tomou decisões que beneficiaram Lula.
Para Davi Tangerino, professor de Direito Penal na FGV Direito São Paulo, as ações de Lula deveriam ser divididas entre Brasília e SP. “A maior dificuldade no caso triplex ou sítio é a seguinte: onde se deu o oferecimento da vantagem indevida? Isso não está nos autos. Acho razoável o critério do Distrito Federal (nas ações do triplex e do sítio) pelos atos no exercício da Presidência”, comentou. “E São Paulo para as ações do Instituto Lula, que, salvo engano, é posterior (ao período em que Lula foi presidente).” Na avaliação de Raquel Scalcon, professora na mesma instituição, faz mais sentido deixar os casos em Brasília: “A acusação é de corrupção passiva, ou seja, teria sido aceita a vantagem indevida em troca de um ato de ofício. Essa aceitação e o ato de ofício estariam relacionados ao DF, penso. O fato de a suposta vantagem ter sido concretizada em São Paulo não me parece justificar a competência”.