Pesquisa mostra que 52% são contra banir AfD, vista como extremista por órgãos de inteligência e outras legendas. Resultado não significa apoio ao partido, mas que muitos desconfiam de justificativas para banimentoPouco mais metade dos alemães rejeita um potencial banimento do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), segundo uma pesquisa divulada neste sábado (19/07).

De acordo com o levantamento realizada pelo instituto de pesquisas Allensbach e publicado no jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), 52% dos alemães são contra uma proibição de funcionamento da legenda. Outros 27% se posicionam a favor, enquanto 21% se mostram indecisos.

De acordo com o FAZ, isso não significa necessariamente que 52% dos alemães apoiam a AfD ou têm uma visão favorável da legenda, mas que existem razões variadas para se posicionar contra um banimento, que teria que ser peticionado pelo Parlamento ou governo e referendado pela Justiça.

Segundo o jornal, parte da oposição a um banimento envolve o fato de muitos alemães conhecerem ou serem próximos de pessoas que apoiam ativamente a AfD. Segundo a pesquisa, 67% dos alemães dos estados do oeste do país contam com apoiadores da AfD em seu círculo de conhecidos. No leste, a proporção é ainda mais alta: 88%.

E muitas pessoas dissociam o partido de seus apoiadores. A AfD em si é vista como “extremista” por 57% da população, mas só 5% estendem a classificação para os apoiadores do partido.

Ainda de acordo com o FAZ, muitos entrevistados também desconfiam que a pressão pelo banimento do partido seria uma tática de legendas rivais para se livrar de um competidor. Na última eleição federal, em fevereiro, a AfD, que foi fundada em 2013, conquistou 20,8% dos votos e se tornou a segunda maior força política do Parlamento da Alemanha (Bundestag), desbancando legendas mais tradicionais.

Segundo o jornal, a maioria dos alemães defende um debate mais substancial sobre o partido ou sobre os problemas que vem turbinando a legenda em vez de uma proibição.

Diferenças entre leste e oeste

A pesquisa publicada pelo FAZ também mostrou um contraste de atitudes em relação ao oeste do país e os estados do antigo leste comunista. Enquanto no oeste 49% dos alemães são contra um banimento da legenda, a proporção salta para 65% no leste.

É justamente no leste que a AfD tem obtido suas melhores votações nos últimos anos. Em uma tripla eleição estadual na região em 2024, a legenda chegou a terminar em primeiro lugar na Turíngia e em segundo na Saxônia e Brandemburgo – nesta última conquistou a maior fatia de eleitores entre 16 a 24 anos.

Classificação da legenda como “extremista” pode ter gerado efeito oposto

A pesquisa divulgada pelo FAZ entrevistou 1.054 pessoas entre 4 a 16 de julho. O levantamento foi divulgado dois meses e meio após a agência de inteligência interna da Alemanha classificar a AfD como uma “organização comprovadamente extremista de direita” que ameaça a democracia.

No início de maio, o Departamento Federal de Proteção da Constituição (BfV), argumentou que o partido violava a dignidade humana e a democracia ao tentar excluir grupos populacionais, como imigrantes, da participação igualitária na sociedade.

A classificação tinha o objetivo de permitir à agência monitorar de forma mais incisiva o partido, incluindo grampos telefônicos, acompanhamento de reuniões e recrutamento de informantes.

No entanto, poucos dias depois, o BfV se viu forçado a recuar publicamente. Numa decisão divulgada em 8 de maio, o BfV se comprometeu a não se referir mais publicamente à AfD nestes termos até que um tribunal se pronuncie sobre um pedido de liminar apresentado pela AfD para que categorização fosse revertida.

No intervalo de poucos dias do mês de maio em que o BfV usou a classificação de “extremista”, outra pesquisa apontou que 49% dos alemães se mostravam a favor de um banimento da legenda pela Justiça, enquanto 37% eram contra. Essa pesquisa havia sido elaborada pelo instituto Insa para o jornal Bild, e foi divulgada dois dias depois de o BfV divulgar a classificação.

Embora as porcentagens de maio não possam ser comparadas com a pesquisa deste sábado por terem sido feitas por diferentes institutos, o contraste entre os posicionamentos após dois meses e meio pode indicar que a ação do BfV e o posterior recuo público reforçou o campo contrário ao banimento. No intervalo entre as duas pesquisas, a AfD também propagandeou estar sendo vítima de um suposto complô desleal promovido por outras legendas preocupadas com seu crescimento.

No meio político tradicional da Alemanha, também não há consenso em como lidar com a legenda. No final de junho, o Partido Social-Democrata (SPD) se posicionou a favor de um banimento. A legenda A Esquerda (Die Linke) e o Partido Verde também apoiam um banimento.

Mas a opinião não é compartilhada por todos os membros da conservadora União Democrata Cristã (CDU), maior legenda da Alemanha e parceira do SPD na coalizão que governa atualmente a Alemanha. Nesta semana, o ministro do Interior do país, Alexander Dobrindt, da CDU, disse ser contra um banimento, argumentando que essa seria a “abordagem errada” e que outros partidos não podem simplesmente agir para proibir uma legenda quando têm responsabilidade por más políticas que impulsionaram a AfD nos últimos anos.

Trajetória da AfD

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas em suas fileiras. Atualmente, vários diretórios estaduais da AfD são classificados como “extremistas” por autoridades locais de inteligência.

Apesar disso, o partido tem registrado crescimento na última década. A legenda conseguiu formar sua primeira bancada federal em 2017. Em 2021, chegou a sofrer um leve declínio, mas retomou sua trajetória ascendente na última eleição federal, em fevereiro, dobrando seu apoio eleitoral e formando a segunda maior bancada de deputados no Parlamento (Bundestag). Atualmente, a AfD também é o partido político mais forte nas pesquisas de opinião, com cerca de 25% de apoio entre os alemães.

No entanto, o crescimento da AfD nos últimos anos ainda não se traduziu necessariamente em poder para a legenda, já que todos os partidos tradicionais têm evitado se aliar com a sigla para compor governos estaduais.

O cerco às atividades da AfD em 2025 provocou críticas do outro lado do Atlântico, com membros do governo Trump, nos EUA, demonstrando repúdio em maio contra a classificação do partido como “extremista” pelo (BfV). Mas nem todos os movimentos de ultradireita pelo mundo simpatizam com a AfD e sua estratégia de radicalização pública crescente. Em 2024, o movimento da francesa Marine Le Pen chegou a romper com a AfD no Parlamento Europeu após um eurodeputado alemão da legenda relativizar o histórico de uma antiga organização nazista.

Jps (dpa, DW, ots)