12/06/2015 - 20:00
O jornal The New York Times é um sinônimo do modo de vida americano. Um editorial publicado na terça-feira 9 trazia a história trágica de Kalief Browder, adolescente morador do Bronx, um dos bairros mais pobres e violentos de Nova York. Em 2010, aos 16 anos, Browder foi preso, acusado de roubar uma mochila, um crime que ele sempre negou. Sua família, de baixa renda, não teve dinheiro para contratar advogados ou para pagar a fiança. Assim, o jovem passou três anos no complexo penitenciário da ilha Rikers, na companhia de criminosos adultos.
A expressão “temporada no inferno” não é exagerada. Dois desses três anos foram passados em confinamento solitário. As surras que Browder sofreu na prisão foram gravadas em vídeos que se tornaram públicos em abril, e provocaram uma investigação sobre as condições em Rikers. Num deles, há imagens do adolescente sendo agredido brutalmente por um guarda. Em outro, ele aparece sendo espancado por um grupo de detentos. De acordo com o processo movido por sua família contra a cidade, as condições na prisão foram agravadas pelos guardas, que lhe negaram refeições, banhos e cuidados médicos, e inventaram infrações disciplinares para prolongar sua permanência na solitária.
Ao ser conduzido ao tribunal, no início deste ano, seu processo foi anulado por falta de provas. No entanto, o trauma psicológico foi grande demais. No dia 6 de junho, aos 22 anos, ele cometeu suicídio na casa da família. Seu caso já provocou alguns avanços. No ano passado, o confinamento solitário para adolescentes foi abolido naquela prisão. No entanto, além de defender mudanças no processo penal, para impedir que acusados fiquem presos por muito tempo antes do julgamento, o editorial também sugere reformas para reduzir a cultura de violência dentro das prisões.
A questão vai além do interesse humano. A família de Browder está processando a cidade em milhões de dólares. A diferença entre os Estados Unidos e o Brasil é que, no Grande Irmão do Norte, as famílias dessas vítimas (e seus advogados) obtêm indenizações vultuosas do Estado. O pano de fundo das preocupações é quanto dinheiro dos impostos seria gasto com elas. Uma questão muito americana? Nem tanto. No dia 7 de junho, a manchete do jornal Folha de S.Paulo mostrava que não há dados confiáveis e consolidados sobre a participação dos menores nos crimes cometidos no Brasil.
A falta de estatísticas é apenas parte do problema. Longe de ser impoluta, a polícia brasileira é também uma instituição ineficiente. Sua atuação é imprecisa e enviesada, como qualquer jovem negro morador de um bairro de baixa renda pode sentir, literalmente, na pele durante uma abordagem. Nessas condições, reduzir a maioridade penal é abrir a porta para uma sucessão de erros. E, para aqueles que usam a prática americana para defender a redução da maioridade penal, recomenda-se a leitura de uma das frases do editorial do Times.
“O governador Andrew Cuomo e a Assembléia Legislativa do Estado poderiam evitar muito sofrimento – e trazer Nova York para o século 21 – por meio de um projeto de lei que mantenha crianças com menos de 18 fora das prisões de adultos.” Aqui, como lá, o custo de manter milhares de pessoas nas “faculdades do crime” das penitenciárias recai sobre os contribuintes. Melhor – e mais barato – seria investir na educação dos jovens antes que cometam crimes, e também na ressocialização efetiva dos infratores.