Vencedor das eleições primárias da Argentina, com cerca de 30,1% dos votos, Javier Milei se considera anarcocapitalista e defende mudanças consideradas drásticas na economia do país sul-americano. Os títulos argentinos tiveram queda de 12% na Bolsa de Nova York, nos Estados Unidos. Vale lembrar que a inflação argentina está hoje em 115,6% no acumulado de 12 meses, com juros em 118% ao ano, conforme mostram resultados do Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec).

Resumo

  • Entre as medidas, Milei, que é economista, propõe o fim do Banco Central da República Argentina, além de dolarização. Analistas acreditam que a medida pode ser um “tiro no pé”, já que o país acumula descredibilidade perante o mercado internacional;
  • O Banco Central elevou a taxa de câmbio oficial de 298 pesos, na sexta, para 365 pesos, salto de quase 24%.

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Dolarizar resolve a crise econômica da Argentina?

“Para dolarizar a economia do país seria necessário reunir um montante de reservas que oferecessem lastro para essa proposta. O BC não tem reservas cambiais, portanto, é inoperante essa proposta”, avalia Mauro Rochlin, coordenador do MBA de Gestão Estratégica e Econômica da Fundação Getúlio Vargas.

“[A proposta] Causa, no curto prazo, uma desconfiança e maior incerteza quanto aos rumos da economia, elevando a aversão ao risco dos investidores, o que, por sua vez, faz com que aumente tanto o valor do dólar, como também as taxas de juros”, defende o coordenador da FGV, acrescentando que a defesa de Javier causaria piora de todos os indicadores.

Outros especialistas acrescentam que a dolarização teria efeitos sobre a inflação. A prática monetária consistiria, essencialmente, entre trocar o peso, moeda oficial, pelo dólar.

“Países dolarizados, de maneira geral, estão alinhados com a inflação norte-americana, mais perto da inflação norte-americana, que geralmente é muito baixa – hoje na casa dos 3%. Ao dolarizar, você consegue fazer isso porque a moeda é forte, têm confiança, não precisa porque comprar dólar ‘para se proteger’ se já está usando o próprio dólar”, explica Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV.

“Ela [dolarização] ataca coisas que são muito importantes, por exemplo a questão da inflação, facilita o comércio internacional de certa maneira. Agora, o problema da dolarização é que você perde a capacidade de fazer política monetária. Enquanto um país que tem que resolver uma determinada crise, política monetária é uma solução”, diz Paz.

Reginaldo Nogueira, PhD em Economia e diretor sênior do Ibmec, define que a dolarização, no efeito da inflação do país, dá força para a sua moeda. “Ela te dá lastro imediato, equaliza preços domésticos com os preços internacionais a partir do momento que você tem um dólar no local. Se uma lata de Coca -Cola custa US$ 1 nos EUA, ela vai custar US$ 1 no seu país”, exemplifica. 

Nogueira ainda recorda ainda outro momento em que a Argentina quase tomou rumos semelhantes com o dólar. Em 1991, o Plano Cavallo consistiu em um pacote econômico de caixa de conversão, na qual a então moeda – o astral – continuava existindo, mas tinha com os dólares a mesma validade legal. O momento também era de alta inflação no país.

Além disso, a dolarização tira o poder da política monetária e faz com que o governo não consiga mais imprimir a moeda como forma de financiar seus déficits, que é a principal causa da inflação: o déficit fiscal coloca pressão sobre a economia e coloca o país num processo inflacionário quando o banco central começa então a manter juros muito altos, emissão de moeda elevada, crédito desproporcional ao crescimento e ao momento de economia, coisas do tipo”, acrescenta o diretor sênior do Ibmec.

Extinção do Banco Central funciona?

Sobre o fim da instituição monetária, Rochlin também acredita que o mesmo efeito pode ser causado ao país. “Entendo que a proposta de extinção do Banco Central tem como consequência apenas um aumento de incerteza, uma maior desarrumação do arcabouço institucional do país. A proposta de ausência de um BC só desorganizaria ainda mais a política monetária do país e não consigo enxergar nenhum efeito prático positivo”, avalia.

Paz acredita ser uma política temerária, até pela função de emissão de moedas por parte do Banco Central. “Ele tem outras funções, como definir taxa de juros, definir liquidez dos bancos ou fazer políticas para ajudar bancos em situações de crise. Imagina uma situação de plena crise, como já tivemos em alguns países, e os bancos precisarem de algum tipo de resgate: você vai ficar incorrer numa circunstância muito problemática, porque você não vai ter mecanismos e instituições para fazer isso”, demonstra o pesquisador. 

Já Nogueira comenta que o processo é complexo, quando alerta que o BC, regulador do sistema financeiro, funciona como agência reguladora, além do papel adicional de controle e regulação do sistema financeiro.

“Não é simplesmente uma situação de ‘vamos adotar o dólar, não precisamos mais do Banco Central’. Uma nova agência reguladora vai ter de existir, que ela pode não se chamar Banco Central, mas que ela vai de certa maneira fazer o papel dele. O fim do Banco Central parece muito mais um chavão do que uma política econômica objetiva”, finaliza.