04/02/2009 - 8:00
FAMÎLIA FELIZ: o empresário ao lado da atual esposa, Roberta; novos projetos e esperança de vitória na Justiça
No dia 29 de julho de 2009, a falência das redes Mappin e Mesbla completa uma década. Desde então, o assunto paira como um fantasma sobre a cabeça de todos os envolvidos em um dos mais impressionantes escândalos do mundo corporativo brasileiro. Credores ainda esperam pelo pagamento. Funcionários também. Parte dos imóveis irá a novos leilões neste ano para arrecadar recursos para cobrir os prejuízos causados pela quebra daquelas que na época eram as duas maiores redes de departamento brasileiras. Se um final feliz parece distante, para o personagem maior dessa história há uma espécie de esperança renovada. Ricardo Mansur, 61 anos – com menos cabelos que no passado, um pouco mais magro e exatamente o mesmo benevolente tom de voz -, tem um plano na cabeça. E resolveu contá-lo. Nove anos após a última entrevista concedida à imprensa, o homem acusado de levar à bancarrota as duas cadeias ícones do varejo nacional falou com exclusividade à DINHEIRO. Numa conversa em que alternou momentos de desabafo sobre a queda espetacular com revelações de seu planejamento de negócios, Mansur disse que “não há culpados nem inocentes” nesse caso. Afirma que pleiteia o dinheiro que lhe cabe e, por isso, “mais cedo ou mais tarde a Justiça será feita”. “Sou um homem simples, honesto, correto. Não sou uma pessoa de vaidades. Sofri muito todos esses anos e esse é um outro momento.”
A EXTINTA MESBLA: mais de 40 lojas fechadas e dívidas de meio bilhão com o Fisco em plena crise
E por isso entenda-se uma nova tacada do ex-rei do varejo, a primeira desde o início de seu exílio do mundo empresarial. Mansur planeja relançar uma das mais importantes marcas da história do varejo brasileiro, a Mesbla. O caminho de volta tem início no mundo virtual: ele quer criar um site de vendas online com o endereço da cadeia de lojas. A princípio, seria batizado como www.mesbla.com.br. Ele ainda tem os direitos de uso da marca, e ela seria o caminho para voltar à ativa. Na maior discrição possível, testes foram feitos no final do ano passado, quando a página na internet funcionou por algumas semanas sem ninguém notar. “Esse é o sonho da vida dele agora”, conta um amigo muito próximo. DINHEIRO apurou que o estudo de viabilidade do negócio está pronto, mas ainda há uma opção na manga. Mansur pensa também em alienar a marca para terceiros, como uma espécie de segunda alternativa. “Estamos avaliando todas as possibilidades”, afirma ele, na entrevista concedida à DINHEIRO na tarde da quartafeira 28, em São Paulo.
É claro que o empresário, que chegou a ser batizado de o “rei dos ex” (ex-banqueiro, ex-rei do leite, exrei do varejo) vai precisar de dinheiro e de credibilidade. Sua fortuna pessoal já foi estimada em cerca de US$ 500 milhões e boa parte dessa dinheirama veio da batida e certeira estratégia de comprar barato grandes empresas e vendê-las caro – grupos como Peixe, Leco, Pizza Hut e Vigor. Mas após a quebra dos grupos o patrimônio foi reduzido drasticamente. Para colocar o plano na rua, Mansur terá que bater na porta de fornecedores locais, renegociar linhas de crédito com velhos conhecidos em bancos e reorganizar uma infraestrutura logística que, no varejo, é a diferença entre ficar de pé e fechar as portas. E não se pode dizer que o seu passado o liberta. No Tribunal de Justiça de São Paulo, há 64 processos em andamento em que ele é réu em primeira instância. Quando o Mappin fechou, deixou na mão nove.mil credores, dez mil desempregados e dívidas calculadas em até R$ 1,5 bilhão na época. Com a Mesbla a conta engordou. Só o débito com o Fisco dos 47 pontos da rede superava os R$ 500 milhões em 1999. No auge da crise, Mansur foi parar em Londres para, segundo alegou, cuidar da saúde – algo entendido até hoje como fuga de um homem encurralado.
O atual esforço dele em deixar isso tudo para trás ressurge após alguns sinais dados pela Justiça, e entendidos por ele, como positivos. Grande parte de sua energia é concentrada na batalha jurídica com o Bradesco, que se arrasta há anos e envolve um pedido de indenização bilionária. São pouco mais de R$ 42,1 bilhões em ações indenizatórias requeridas por Mansur. Desde o começo, ele tenta responsabilizar o banco pela quebra das duas redes. Diz que, se a instituição não tivesse cortado as linhas de financiamento do dia para a noite, nada teria acontecido. “De repente, por falta de interesse deles, tudo acabou”, defende-se. Do montante total, R$ 40 bilhões correspondem ao pedido para cobrir danos materiais à Mesbla – a ação corre na Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro e equivaleria a dez vezes o valor de mercado da Lojas Renner em 1999. Como a Mesbla vendia dez vezes o montante da Renner na época da falência, foi utilizado esse fator de multiplicação – que pode ser desconsiderado. “É um valor simbólico, um parâmetro para a Justiça se balizar”, conta Wladymir Soares de Brito, advogado do empresário no Rio. Se faz sentido ou não, só a Justiça dirá. Caberá a ela também julgar uma segunda ação indenizatória do empresário, por danos morais e materiais à sua pessoa física. Mansur pleiteia no Tribunal de Justiça de São Paulo (29ª Vara Civil), exatos R$ 2.138.348.399,70. O montante acaba de ser alvo de um pedido de provisionamento encaminhado por seus advogados em dezembro à PricewaterhouseCoopers, auditoria do banco, que também já foi informada que pode ter que provisionar os R$ 40 bilhões calculados.
“SOU O MESMO DE ANTES E NÃO TENHO RESSENTIMENTOS”
De sua casa, Ricardo Mansur deu uma entrevista à DINHEIRO em que fala de sua relação com o Bradesco, após quase nove anos calado, e diz que a crise econômica atrapalhou os seus planos. DINHEIRO – Como foram os últimos anos para o sr.? DINHEIRO – Por que o sr. acha que a Justiça o inocentará? DINHEIRO – Mesmo assim, existe uma batalha jurídica pela frente… DINHEIRO – O sr. tem ressentimentos de Lázaro Brandão (presidente do Bradesco na época da falência de Mappin e Mesbla)? DINHEIRO- E quanto aos planos de uma Mesbla.com? DINHEIRO – Obrigada, sr. Mansur, pelo contato… |
A solicitação do empresário se baseia em dois pontos. No meio das turbulências, Mansur alega ter se desfeito de propriedades e de recursos próprios para tentar socorrer as redes. Ainda afirma que, com a exposição pública a que foi submetido, teria tido a honra afetada. É algo que o banco discorda integralmente. “O Mansur quer pendurar no Bradesco a conta de seu insucesso empresarial e como pessoa física”, diz Sérgio Bermudes, advogado da instituição. “O fato de a Justiça entender que ele pode pedir uma indenização em seu nome não quer dizer que ele vá ganhar. E, mesmo se ele sair vitorioso, o banco ainda pode discutir o direito ao provisionamento”, completa Bermudes.
PASSADO PERTURBADOR: fim do Mappin colocou mais de dez mil empregados na rua e gerou comoção nacional
Fora dos autos, Mansur parece adotar uma postura mais conciliadora em relação ao Bradesco.
“Eu tento entender a postura da empresa naquela época”, afirma. “Acho que o que houve pode ter razões macroeconômicas. Em 1999 muitas redes quebraram, como a Casa Centro, e depois a Lojas Brasileiras. E a desvalorização naquele ano fez as dívidas das companhias dispararem”. Em novembro de 1998, o Bradesco exigiu que parte de uma emissão de debêntures da Mesbla (R$ 420 milhões) fosse usada para quitar alguns empréstimos realizados até aquela data pelas indústrias de Mansur. Dizia-se, na época, que o empresário precisava de todo o dinheiro possível para manter funcionando as redes – que já haviam sido compradas por Mansur (com aporte do Bradesco) – por conta da situação financeira delicada. Portanto, a exigência seria um tiro no pé do empresário. O banco, por sua vez, sempre preferiu dizer que estava no seu direito de credor ao cobrar o cliente.
Se o ex-rei do varejo vai conseguir o que quer, é outra coisa “Nós sabemos das dificuldades, mas a possibilidade jurídica existe e vamos brigar por ela”, diz João Goulart Neto, advogado de Mansur. Para quem está do outro lado do balcão, a batalha de Mansur assume um tom irônico, no entanto. Ele busca indenizações após ter sido apontado como responsável por ter quebrado as redes varejistas. Até hoje, mesmo um final mais provável para essa história não tem data para acontecer. Na gestão da massa falida da holding do empresário, os avanços aparecem, mas ainda falta muito o que fazer. Parte dos ativos que integram a Barnet Indústria e Comércio, controladora do Mappin, Mesbla e Crefisul, já foi avaliada e alguns vendidos. Mas faltam algumas dezenas de milhões. “Foram transformados em dinheiro alguns carros, um sítio, um apartamento, além de cavalos e bens de uso pessoal”, diz José Carlos Etrusco, síndico da massa falida. Estimase que já teriam sido arrecadados cerca de R$ 100 milhões em ativos. Restam ainda a residência na esquina das ruas Costa Rica e México, região nobre de São Paulo e um apartamento na rua Tucumã, no Jardim Paulistano. Somados, os dois valem menos de R$ 30 milhões. Não será preciso para Mansur, no entanto, finalizar esse acerto para que possa voltar à ativa. Os planos da Mesbla. com podem sair do papel porque a Mesbla S.A., a empresa holding da rede, estava “limpa”. Todos os débitos foram parar na Mesbla Loja de Departamentos S.A. Bom para o empresário, mas nem tanto para quem também sonha em receber o que investiu, ou deixou de receber, da empresa quebrada.