28/09/2022 - 13:51
Quando a paranaense Manoella Buffara Ramos decidiu interromper a faculdade de jornalismo para tirar um ano sabático nos Estados Unidos, ela não imaginava que a experiência trabalhando em um hotel iria transformar sua vida para sempre.
De trabalho temporário na cozinha por acaso, ela chegou a Best Female Latin America’s chef pela 50Best Academy na semana passada – e ainda sonha com mais!
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Com 16 anos de carreira na gastronomia, Manu, como é chamada, coleciona premiações, e tem passagem por restaurantes renomados como Noma, em Copenhague, – eleito o melhor restaurante do mundo cinco vezes –, e Alinea, em Chicago.
Há 11 anos comandando o próprio negócio em Curitiba, batizado com seu apelido, o Manu, a chef é responsável por colocar a capital do Paraná entre os destaques gastronômicos do país e do mundo – sendo o 49º melhor restaurante da América Latina.
A reportagem da IstoÉ Dinheiro Online conversou com Manu, que contou um pouco sobre os desafios de sua carreira e deu dicas de como se destacar profissionalmente.
IstoÉ Dinheiro: Você se formou em jornalismo mas logo foi para a Itália buscar a formação de chef. Foi difícil tomar a decisão de transição de carreira?
Manu Buffara: Eu sempre gostei de falar e escrever. Prestei aqueles vestibulares do meio do ano, passei aos 17 [anos] na PUC do Paraná e pensei: ‘Nem vou tentar outro’. Depois de um ano de curso, fui para os EUA e era para eu trabalhar numa estação de ski. Mas não tinha neve quando eu cheguei, então fui procurar outro emprego. Tinha um hotel perto da estação, bati na porta pedindo emprego e me colocaram pra trabalhar como garçonete. Depois fui para o serviço de quarto e cozinha. Quando voltei ao Brasil, falei que queria ser cozinheira, mas meus pais não aceitaram de jeito nenhum.
Tive que terminar a faculdade, mas fui fazer um curso de hotelaria paralelamente. Meus pais não apoiavam, mas minhas avós sim. Nesse tempo, até estagiei na RPC, que é a Globo daqui, mas depois acabei trocando a caneta pelas facas.
ID: Como é começar em uma profissão razoavelmente nova, em termos de popularidade?
MB: Eu acho que a gastronomia hoje já é consolidada, se tornou profissão, mas na época [anos 2000] não era. Era algo desconhecido para os pais e para todas as pessoas, no geral. É como você estudar arte. A gastronomia é uma arte e muita gente acaba indo para essa área porque gosta de cozinhar em casa, mas trabalhar com isso é diferente. As pessoas acabavam querendo ir para gastronomia, porque parecia que era algo que você fazia em casa, no seu dia, mas é preciso virar a chave do trabalho, porque é muito diferente do lazer.
ID: O que exatamente um chef de cozinha faz?
MB: Na realidade, chef é uma posição. Você se coloca como chef quando as pessoas que estão abaixo de você te veem como líder. Hoje, ser um chef de cozinha envolve criatividade, trabalhar com custos, valores dos pratos, marketing, gerenciar o restaurante… tem que saber lidar com dinheiro, higiene, manipulação de alimentos, etc.
Tem variações dentro da carreira. Hoje eu trabalho com a gastronomia que eu faço, autoral, meu restaurante serve apenas menu degustação, com foco na criatividade e experiência do cliente. Além do trabalho ser farm to table, ou seja, só trabalhamos com produtos locais, nada importado.
ID: Liderar uma cozinha é como liderar uma equipe em uma corporação?
MB: Sim, e a parte mais difícil é lidar com o ser humano, que não era minha experiência antes. No jornalismo a gente trabalha de uma forma muito individualista: escreve, edita e entrega. Para liderar uma cozinha, você tem que aprender a lidar com cada ser humano e saber até onde você pode chamar a atenção.
A cozinha é feita por pessoas e a nossa profissão é servir as outras pessoas. É preciso ter noção disso. A gente tem que escutar, tentar atender da melhor forma e fazer com que todos gostem da nossa comida.
Antes um profissional trabalhava 16h na cozinha. As pessoas não querem mais isso. Elas querem viver, querem ter sustentabilidade na vida. Então hoje a cozinha está aprendendo isso, o que na área corporativa já foi compreendido há 5 ou 10 anos.
Liberar roupa, criar um ambiente familiar são coisas que deixam o funcionário mais feliz. Em 2019 o Manu mudou o esquema da cozinha pensando nisso: nós trabalhamos 4 dias da semana, e folgamos 3, mas é um trabalho que as pessoas vêm felizes trabalhar, e é isso que importa para mim.
ID: Como identificar aquele funcionário que tem ambição, que quer crescer? E o que faz corpo mole, atrapalha os colegas?
MB: É papel do líder observar. Por isso temos dois olhos, dois ouvidos e uma boca, para enxergar e ouvir mais antes de falar. É importante conversar com seu funcionário, perguntar se o profissional está bem, entender como ele vem se desenvolvendo, tem que perder esses 5 minutos, que é fundamental dentro de qualquer empresa.
ID: Quais as principais soft skills de um líder de equipe no ramo da gastronomia e que podem ser aplicadas em outras áreas?
MB: Acho que humildade e inteligência emocional são pontos que a gente precisa ter dentro da empresa. Como líderes, temos que ser exemplos, então é preciso incentivar o profissional e suas competências.
Dentro da cozinha, o mais importante é a gestão do tempo, atenção com o produto, a comunicação entre as pessoas, clareza, honestidade são coisas que procuro hoje.
Gosto de pessoas que não vêm com problema, já vêm com a solução, pessoas objetivas. Acredito que somos adaptáveis, mas lidar bem com mudança, ter flexibilidade e saber lidar com a pressão também são características importantes dentro da nossa profissão.
Além disso, aprender a suportar críticas, sem levar para o pessoal, saber trabalhar em equipe e ter uma atitude positiva, que coloque a empresa para cima, também são pontos fundamentais.
ID: Qual o conselho para quem quer começar na área?
MB: Você precisa ter autoconfiança e acreditar em você. É muito trabalho, mas vale a pena. Além disso, eu acho que é preciso ter muito conhecimento dentro da área, mas o mais importante é acreditar no seu trabalho. Só assim você vai longe.
ID: O Brasil promove condições na formação de chefs ou é preciso buscar lá fora?
MB: Eu acho que no Brasil já existem muitos cursos, mas o mais importante é trabalhar na área. E se você tem a oportunidade de conhecer outros lugares, viajar é muito importante para aprender e criar outras maneiras de fazer o trabalho.
ID: Você foi indicada a vários prêmios, este mês ganhou como melhor chef da América Latina. Qual é a dica para quem quer se destacar na área?
MB: Acho que o segredo é muito trabalho. Às vezes parece que tudo é muito fácil, mas se você acreditar no seus sonhos, ir atrás, ter foco nas coisas que você quer para vida, dá certo. Eu fui buscando a gastronomia que eu queria, que era do meu Estado, contando minha história através dos meus menus.
ID: Qual o próximo passo?
MB: Eu sempre acredito que meu trabalho é social, e é algo que faço e tenho carinho por fazer isso. No futuro quero poder levar a gastronomia brasileira para fora. Estamos abrindo um restaurante em Nova York, o Ella, e eu quero mostrar meu trabalho lá, quero levar o meu país na mala.
Além disso, quero fazer algo pela sociedade, dentro do meu instituto, o Instituto Manu Buffara, desenvolver não só o que ele já faz hoje, mas quero aumentar o trabalho voltado para gastronomia, educação e informação para pessoas que não têm acesso.